Clemente Ganz Lúcio
Em julho de 2014, o país foi palco de uma grande derrota da seleção brasileira na Copa do Mundo. Uma partida, um grande fracasso e a perda definitiva daquele campeonato. A taça, mais uma vez, não ficou para o Brasil, em casa, na segunda Copa realizada aqui. A nação, entre a raiva e a tristeza, desmontou.
Nesta semana, os trabalhadores brasileiros sofreram também uma derrota, mais trágica do que as da seleção brasileira. E foi também uma segunda perda, agora no Senado Federal – a primeira aconteceu na Câmara dos Deputados, em 26/04 – com a aprovação de uma enorme reforma da legislação trabalhista no país. Parte substantiva da legislação brasileira do direito do trabalho foi transformada em normas que visam proteger as empresas, precarizar as condições de trabalho, arrochar salários, limitar o acesso à justiça, enfim, criar condições permanentes para reduzir e ajustar o custo do trabalho na economia brasileira. Diferente do ocorrido na Copa do Mundo, não houve uma comoção nacional. Diferente do campeonato também, o time dos trabalhadores não foi abatido por adversários, mas por aqueles que estavam lá para legislar por todos.
Felizmente, o jogo social não é uma Copa do Mundo, ou seja, é um campeonato que não tem fim, uma jornada ininterrupta de lutas que constituem o conteúdo da história. O Estado moderno, a democracia, os partidos políticos, as eleições, o direito universal ao voto, os direitos sociais e trabalhistas, os sindicatos e as negociações coletivas, entre outros exemplos, são construções políticas que estiveram no centro das batalhas propositivas da classe trabalhadora. Inúmeras vitórias deram outra conformação à vida em sociedade, resultando no que se vive hoje coletivamente. Foram muitos combates. Milhares de trabalhadores e trabalhadoras deram o sangue e a vida por cada conquista. Mas, é claro e sempre bom lembrar, sobretudo nesse momento, em toda essa história de lutas, também houve derrotas. E, mesmo assim, aqui ainda estamos!
No capitalismo, o processo de produção econômica ocorre com mecanismos de subordinação, submissão e exploração dos trabalhadores. Os resultados são intencionalmente distribuídos de forma desigual. Nesta sociedade, a luta de classe é hoje um fenômeno que ganha dimensão política, com a organização sindical atuando como ferramenta para estimular o movimento dos trabalhadores para as lutas, inclusive nos espaços institucionais que cria e ocupa. Os trabalhadores disputam, no jogo social, as condições do processo de produção, a distribuição dos resultados, o conteúdo das regras e as instituições criadas para conduzir a competição.
Foi grande a derrota sofrida na definição das regras do jogo. Haverá repercussão nas condições de trabalho, na distribuição dos resultados e nas instituições de proteção trabalhista (sindicatos e justiça)! É preciso reconhecer essa derrota, para aprender, como fizeram tantos outros nos dois últimos séculos de lutas. Mas é fundamental olhar para frente, compreender que a vida coletiva prossegue no jogo social contínuo, ininterrupto e interminável.
Agora, nesses dias, é preciso pegar a bola desse jogo no fundo do gol, levá-la de cabeça erguida até o meio do campo, olhando com ternura e firmeza para cada companheiro e companheira e, em breve tempo, reconstruir, na cabeça e no coração de cada um, com uma expressão que acolhe e energiza, a temperança necessária para voltar, com inteligência e paixão, para a partida. A bola vai rolar!
Por isso, há quatro desafios imediatos:
- Melhorar a preparação das campanhas salariais, aperfeiçoando estratégias, elaborando propostas e conteúdos e animando a organização sindical.
- Repensar a organização sindical como instrumento do movimento sindical, reelaborando as estratégias de organização desde o chão das empresas, tendo como centro os sindicatos e uma estrutura vertical orientada pela unidade de ação dos trabalhadores e para a solidariedade de classe.
- Redesenhar a luta institucional, tomando iniciativas para enfrentar essa nova legislação em muitas frentes.
- Produzir conhecimento sobre as profundas transformações na economia e produtivas, os impactos sobre os empregos, as condições de trabalho e os salários, repensando os desafios sindicais, construindo novas formas de organização, de luta e realizando muita formação sindical.
À luta, porque ela é o sentido da existência!
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e do Grupo Reindustrialização.