Impactos das longas jornadas de trabalho dos entregadores de alimentos por plataformas digitais em sua saúde física e mental

Laura Valle Gontijo

Resumo: Tendo em vista as reivindicações populares pela redução da jornada de trabalho e fim da escala 6 x 1, torna-se relevante analisar uma das categorias que mais têm sido submetidas às longas jornadas na atualidade: os entregadores de alimentos e mercadorias por plataformas digitais. Entrevistas semiestruturadas com trabalhadores em pontos de coleta no Distrito Federal evidenciou que suas longas jornadas de trabalho são motivo de conflitos familiares, adoecimento físico e psíquico e acidentes de trabalho. Conclui-se que a regulação do trabalho por plataformas digitais, com limitação da jornada de trabalho, salário-mínimo, férias e descanso semanal remunerados, dentre outros direitos, garantiria melhores condições de vida e trabalho a esta categoria.

Sumário: Introdução | Procedimentos metodológicos | Jornada de trabalho: do auge da Revolução Industrial até os dias atuais
| As consequências das longas jornadas de trabalho para a saúde dos entregadores de alimentos por plataformas digitais | Considerações finais

Introdução

Recentemente, o tema da redução da jornada de trabalho ganhou relevância nacional com o Projeto de Lei nº 380/2023, da deputada Érika Hilton (Psol-SP). O projeto ficou bastante conhecido por colocar em evidência a necessidade de redução da jornada e abolição da escala de trabalho conhecida como 6 x 1. A Constituição Federal estabelece em seu artigo 7º que a jornada de trabalho não pode ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais. Estas geralmente são distribuídas da seguinte forma: oito horas diárias nos cinco dias da semana e quatro horas aos sábados, totalizando seis dias de trabalho e um dia de repouso semanal remunerado, que preferencialmente deve ocorrer aos domingos (Brasil, 1988). 

Sabe-se que os patrões utilizam de inúmeros subterfúgios para aumentar a exploração da classe trabalhadora. Uma delas é flexibilizando o descanso semanal, seja impedindo que a folga semanal coincida com o domingo, o que dificulta o convívio familiar dos trabalhadores, seja impondo horas extras como forma de prolongar a jornada de trabalho. O fato é que o esgotamento físico e mental da classe trabalhadora brasileira chegou a tal ponto que uma manifestação de um trabalhador do comércio em rede social contra a escala 6 x 1 se transformou em um movimento social e, por fim, em uma Proposta de Emenda à Constituição, com potencial para de fato garantir uma redução na jornada de trabalho no país, sendo que a última mudança deste tipo ocorreu há trinta e sete anos atrás, na Constituinte, quando a jornada passou das quarenta e oito horas semanais para as atuais quarenta e quatro. 

Antes de vir à tona este debate, entre 2004 e 2015, foram feitas tentativas sem sucesso das Centrais Sindicais no sentido de garantir a redução da jornada de trabalho para as quarenta horas semanais. Chegou-se próximo a um acordo com o então governo Lula, em 2010, mas, por fim, a medida não foi adotada (Nobre et Al., 2022). Após a derrota de Bolsonaro e a vitória do terceiro governo Lula, emerge novamente no debate público a proposta de redução da jornada de trabalho e, dentre as principais justificativas apresentadas pelos trabalhadores, estão as consequências nefastas das longas horas de trabalho para a saúde (Motta, 2024; Souza, 2024). 

Com vistas a contribuir com este debate, este artigo apresenta resultado de pesquisa com uma das categorias da atualidade que mais vem sofrendo com as longas jornadas de trabalho, os entregadores de alimentos e mercadorias por meio de plataformas digitais. Tendo em vista o enorme poder de monopólio dessas empresas e o lobby que exercem sobre o poder público, a disputa em torno da regulamentação desse trabalho tem sido difícil, com mais retrocessos do que avanços (Gonsales, Roncato e Van Der Laan, 2024; Antunes, 2024; Dal Rosso e Gontijo, 2024).

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Laura Valle Gontijo é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília. Pesquisadora visitante na King’s College London (Reino Unido), entre dezembro de 2023 e maio 2024. Participa dos projetos de pesquisa Fairwork Brasil 2025, Platform Work Inclusion Living Lab, Grupo de Estudos e Pesquisas para o Trabalho (GEPT) e Grupo de Pesquisa Trabalho e Teoria Social (GPTTS)


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