Veremos estabelecimentos fechados? Pouco provável. O Brasil passa por ciclo político cujas consequências dos enfrentamentos sociais ainda são incertas.
Maíra Kubík Mano
Fonte: CartaCapital
Data original da publicação: 27/04/2017
Na última paralisação puxada pelas centrais sindicais contra as reformas da Previdência e Trabalhista, em 15 de março, as ruas de Salvador (BA) ficaram lotadas. Muita gente se mobilizou e, enquanto docente, foi particularmente emocionante ver colegas das escolas privadas também protestando contra a retirada de nossos direitos, apesar da pressão das instituições e de muitas mães e pais. Somos, afinal, uma das categorias mais impactadas com a alteração da idade de aposentadoria.
A passeata seguiu pelo circuito que é mais tradicional nesse tipo de mobilização, saindo da Praça do Campo Grande em direção à Castro Alves pela Av. Sete de Setembro. Para quem não conhece a cidade, essa via é repleta de lojas. É uma espécie de 25 de Março soteropolitana. Tecidos, cortinas, roupas, bijuterias, eletrodomésticos, maquiagem, colchões, bancos, uma pedicure e muitos, muitos ambulantes que vendem de tudo – frutas, quentinhas, CDs, acessórios e brinquedos made in China.
Durante a paralisação, contudo, apenas os bancos, mobilizados pelos sindicalistas, fecharam as portas. O resto não. Como não havia clientes, xs funcionárixs aproveitavam para dar uma espiadinha na multidão que cruzava a rua.
Algo parecido havia ocorrido uma semana antes, na chamada greve geral das mulheres. Mais de 40 países participaram desta mobilização, que partiu de ninguém menos que Angela Davis, intelectual feminista negra e um grande símbolo da luta por direitos mundo afora.
Uma greve esse ano era particularmente simbólica, pois marcava também o centenário do 8 de Março de 1917, quando uma ação política das operárias russas contra a fome e a participação do país na Primeira Guerra Mundial precipitou os acontecimentos que desencadearam na revolução de fevereiro.
Aqui em Salvador, muitas aderiram ao ato, realizado em uma quarta-feira à tarde. Foi bonito demais! Uma das cenas mais impactantes foi quando algumas jovens, com os punhos erguidos e roupas cobertas de tinta vermelha em alusão às precárias condições de aborto ilegal no Brasil, formaram uma fileira e acenderam sinalizadores, iluminando o pôr do sol e trazendo uma esperança vibrante.
Mas as portas da Av. Sete, que têm nas mulheres seu maior contingente de trabalho, continuavam abertas.
Agora, que temos uma grande convocação de greve geral para a próxima sexta-feira (28/04), será finalmente veremos estabelecimentos fechados? Acho pouco provável. O Brasil está passando por um novo ciclo político cujas consequências dos enfrentamentos sociais postos ainda são incertas.
É preciso estarmos nas ruas contra essas reformas que retiram direitos, mas entendendo também os limites de mobilização que decorrem de mais de uma década de priorização da institucionalidade pelos partidos de esquerda, da falta de um trabalho de base mais massivo durante anos e anos, e da cooptação e do transformismo das centrais sindicais.
É por essa desmobilização, aliás, que fica relativamente fácil circular boatos de que a greve seria em apoio a tal ou qual político ou partido, como alguns movimentos de direita têm feito.
Ainda há aquelas e aqueles que gostariam de participar e não podem. Uma pesquisa do Vox Populi demonstra que cerca de 90% das pessoas é contrária à modificação da idade mínima de aposentadoria e do tempo de contribuição.
Se os dados estiverem corretos, é muita gente, minha gente. Porém, em função do enfraquecimento que vem da reestruturação produtiva, da precarização das condições de trabalho e da própria perda de espaço das organizações classistas, essas pessoas não estarão conosco – ao menos fisicamente – no dia 28 de abril. Cumprirão expediente. Quiçá na Av. Sete.
Mas é exatamente por esses e pelxs outrxs que precisamos estar lá. Que estaremos lá. Tudo indica que faremos grandes atos: não param de circular cartas de docentes de escolas particulares explicando didaticamente às mães e aos pais o porquê de aderir à greve, assim como as imagens dx técnicxs do Congresso Nacional, que percorreram essa semana seus corredores protestando.
Isso ocorreu, aliás, na véspera de uma enorme ocupação indígena em Brasília, grotescamente massacrada pelas forças policiais. Forças policiais cujos colegas, dias antes, tentaram invadir o mesmo Congresso também contra a reforma da Previdência.
Para os que leem essa coluna e não conseguirão ir, a saída me parece óbvia: boicotar os patrões. Há muitos cartazes já circulando pelas redes sociais e eles são bastante didáticos. Não faça, por um breve momento e nas condições que você conseguir, a roda do mercado girar.
Sim, há os pequenos produtores, comerciantes, frações de classe que podem despertar empatia e serem aliados. Não estou falando desses. Estou falando dos de cima. Das grandes redes de supermercados, cadeias de lanchonetes, empresas de telefonia.
É apenas compreendendo-nos enquanto classe trabalhadora e agindo enquanto tal que causaremos um impacto significativo não somente sobre os congressistas e os meios de comunicação – que em sua maioria devem diminuir a mobilização já que estão editorialmente a favor das reformas –, como também no conjunto da sociedade.
É essa identificação muitas vezes perdida que, com todas as suas interpelações de gênero e raça e dificuldades de articulação e coesão, irá nos permitir pensar em saídas coletivas para a crise política, econômica, social e ecológica em que estamos.
E, certamente, elas não passam pela retirada de direitos conquistados com tanta luta por aquelxs que nos antecederam. É por elxs e pelos que virão que buscamos novas condições de vida e existência.
Maíra Kubík Mano é jornalista e doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Professora do departamento de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pesquisa a participação e representação política das mulheres.