Grande imprensa está se lascando para efeitos das reformas sobre os pobres

Estudos mostram que não há pluralidade nos jornalões quando o assunto são as reformas: previdenciária, administrativa, trabalhista, tributária. Opiniões contrárias não ganham espaço.

João Filho

Fonte:The Intercept Brasil
Data original da publicação: 08/08/2021

A grande imprensa tem feito uma cobertura bastante crítica da gestão Bolsonaro. Apesar disso, ela é 100% chapa branca quando o assunto são as reformas. Isso não é uma novidade. A grande imprensa brasileira atua intensamente pela aprovação das reformas do governo federal. É uma campanha permanente que passou por todos os últimos governos.

Durante muitos anos as opiniões contrárias às reformas foram quase que completamente escanteadas do noticiário, enquanto se martelava na cabeça da população as maravilhas que ela traria ao país. A reforma da previdência do Temer, por exemplo, foi aprovada depois que um rolo compressor midiático sacramentou a ideia de que não haveria nenhuma outra saída para tirar o país da crise econômica. Com a de Bolsonaro, não foi diferente.

As grandes empresas de jornalismo, que deveriam propiciar um ambiente de debate sobre o tema, usaram seus canais para vender a opinião dos seus donos. Em 2017, o SBT chegou a veicular uma campanha durante os intervalos comerciais em que perguntava para o telespectador “Você sabia que se não for feita a reforma da previdência você poderá deixar de receber seu salário?”. O terrorismo para cima da população foi descarado.

A sanha para cima dos direitos dos brasileiros é tão escancarada que nem precisaria haver estudos científicos para comprová-la. Mas há. Ainda em 2017, em meio ao debate sobre a reforma trabalhista, um estudo da Repórter Brasil revelou que jornais impressos e telejornais relegavam a segundo plano as perdas de direitos da CLT. Segundo a pesquisa, o jornal O Globo dedicou 88% do seu conteúdo sobre o tema para defender as reformas. O Jornal Nacional dedicou 77%, e o Jornal da Record, pasmem!, teve 100% do conteúdo alinhado aos interesses do Planalto. As opiniões de sindicatos e de acadêmicos contrários à reforma foram solenemente ignoradas, enquanto as dos consultores ligados às grandes empresas foram vendidas como verdade absoluta. Os editoriais, as colunas e até mesmo as reportagens apontavam as maravilhas da reforma trabalhista: modernização do trabalho, aumento da renda do trabalhador e geração de empregos. Hoje sabemos que nada disso aconteceu.

Em 2017, a CPI da Previdência fez o que a imprensa não fez. Promoveu 31 audiências públicas e ouviu mais de 140 pessoas, como representantes do governo, sindicatos, associações, empresas, além de membros do Ministério Público e da Justiça do Trabalho, deputados, auditores, especialistas e professores. O relatório final, aprovado por unanimidade, concluiu que não existe déficit previdenciário, mas uma má gestão perpetrada por diversos governos federais. Os resultados dessa CPI, claro, tiveram pouco destaque e foram relegadas às margens do noticiário. Houve precarização do trabalho e aumento do desemprego. As pessoas que alertavam para essas consequências foram completamente alijadas do debate público.

As reformas propostas por Bolsonaro contam com esse mesmo apoio frenético da mídia, que continua firme na intenção de calar as vozes contrárias. Um estudo recente, feito pela Universidade Autônoma de Barcelona, sobre o grau de pluralismo na grande imprensa brasileira demonstrou em números a campanha maciça da imprensa pela aprovação da reforma da Previdência de Bolsonaro.

A pesquisa conduzida pelo comunicador Luis Humberto Carrijo examinou examinados 196 editoriais, colunas e reportagens dos três maiores jornais do país (Globo, Folha e Estadão) entre fevereiro e julho de 2019. Desses textos, apenas 11 (5,6%) foram contrários à reforma: dez na Folha, um no O Globo e nenhum no Estadão. Os números mostram como o pluralismo da grande imprensa no Brasil é uma falácia. A opinião dos patrões é hegemônica, e as vozes dissonantes são sufocadas.

Essa lógica se repete em todas as reformas, não só com a trabalhista e a previdenciária. A tributária e a administrativa contaram com o mesmo empenho dos jornais na defesa dos interesses das elites. Segundo Carrijo, “a opinião dos jornais assumiu protagonismo na batalha discursiva, com a produção elevada de editoriais pró-reforma. As colunas, atualmente colonizadas por economistas vinculados ao mercado financeiro, serviram de apoio à narrativa dos editoriais, interditando qualquer possibilidade a alternativas para o sistema previdenciário.

Os articulistas, quase todos ligados a consultorias de gestão financeira, que assessoram grandes corporações empresariais e a fortuna dos super-ricos, reproduziram o discurso dos grupos de interesse a partir de um ponto de vista aparentemente técnico e crítico sob o rótulo de ‘especialista’, neutralizando qualquer ilação sobre possíveis conflitos de interesse em suas análises”.

Em junho deste ano, o TCU revelou que o governo mentiu sobre os números que embasaram a aprovação da reforma. Uma auditoria realizada pelo tribunal comprovou a existência de distorções bilionárias sobre o rombo futuro da previdência. Os dados foram distorcidos para justificar as mudanças. Isso significa que todo o debate sobre a reforma da previdência se baseou numa farsa. A decisão do TCU foi quase que completamente ignorada pela imprensa. A mídia construiu na opinião pública uma falsa sensação de haver um consenso em torno das reformas. Os barões da mídia sabem muito bem como fazer isso.

Nós estamos tão soterrados pelas notícias absurdas que envolvem o bolsonarismo que assuntos como esse acabam passando batido. Por isso é importante lembrar que a imprensa, mesmo atacada por Bolsonaro, está inteiramente alinhada com ele quando o assunto são as grandes reformas estruturais que ditam os rumos do país. Não é pouca coisa. Enquanto se engalfinham publicamente, silenciosamente andam de mãos dadas para fazer a defesa dos interesses dos ricos.

João Filho é cientista social e jornalista. Autor do Jornalismo Wando.

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