por Charles Soveral
Que Brasil encontraremos no ano de 2021? O trabalho tem futuro? A provocação acadêmica reuniu por dois dias, 2 e 3 de maio, na Universidade de Brasília (UnB), reconhecidos pesquisadores do mundo do trabalho, instando-os a analisar o “Futuro do Trabalho”. O encontro foi promovido conjuntamente pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGS/UFRGS) e pelo Instituto de Ciências Sociais da UnB, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Trata-se de um exercício de análise prospectiva num mundo em transformação acelerada. Com esse conhecimento é possível incidir nas políticas públicas e na própria ação dos agentes no mundo do trabalho?”, questiona Antonio David Cattani, professor titular do PPGS e um dos coordenadores do evento.
Para Sadi dal Rosso, da UnB, ainda não avaliamos corretamente o crescente impacto das mudanças no mundo do trabalho na sociedade globalizada e permanentemente sacudida por mudanças tecnológicas. “A cada momento vemos a sociedade com cenários dinâmicos e resultados impactantes nos níveis de emprego, a baixa qualidade de vida dos trabalhadores permanecendo constante”, observa Dal Rosso.
Já o sociólogo e coordenador do Núcleo de Pesquisas e Estudos do Trabalho (NUPET), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Adalberto Cardoso, diz que a visão dos possíveis cenários no futuro próximo depende de uma boa análise do caminho percorrido até aqui pelos trabalhadores. Ele lembra que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que provocou uma verdadeira revolução na vida dos trabalhadores brasileiros, completou 70 anos no último 1º de maio. “A CLT ofereceu um horizonte de inclusão de milhões de brasileiros que, em busca de uma vida melhor, migraram do campo para a cidade. A maioria encontrou tremendas adversidades, mas a expectativa de melhora na qualidade de vida mudou o perfil de distribuição da população brasileira com o esvaziamento de muitas áreas rurais. O exemplo da CLT mostra como um fato pode impactar e moldar o nosso horizonte. Para onde o Brasil vai tem os principais vetores já definidos”, assinala o pesquisador da UERJ.
O centenário da linha de montagem da primeira fábrica de automóveis Ford nos Estados Unidos foi lembrado pela professora e socióloga da UFRGS, Lorena Holzmann. Ela completa o seu pensamento ao lembrar que este sistema de montagem em linha definiu uma política de organização do trabalho e, também, de organização industrial em todo o mundo por décadas. “O mercado de trabalho não é uma esfera isolada e as transformações interagem com as demais atividades humanas moldando padrões sociais como aconteceu com a linha de montagem. O futuro do trabalho envolve todas as transformações sociais”, teoriza ela.
Para a diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo, o País vive um turbilhão de transformações decorrentes de mudanças nas políticas públicas que, segundo ela, tornaram-se mais inclusivas nos últimos 12 ou 13 anos. “Essa nova realidade com mais pessoas migrando para o trabalho formal abriu um verdadeiro leque de possibilidades e, ao mesmo tempo, novos desafios. Agora muito mais que quantidade de empregos, a luta é pela qualidade do trabalho para que ele seja cercado de garantias sociais, assegurando mais justiça, superando diferenças de sexo, de cor, de raça e, desta forma, proporcionando mais igualdade entre os trabalhadores”, assegura ela.
A falta de tempo e, consequentemente, a falta de qualidade de vida dos trabalhadores é um dos aspectos que chama a atenção da socióloga e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sílvia Maria Araújo. “Vivemos uma época caracterizada não pelo fim do trabalho mas pelo trabalho sem fim”, brinca Sílvia Maria. A socióloga explica que o tempo dedicado ao trabalho é tão alto que sufoca os trabalhadores, reduz o espaço para as pessoas e reforça o papel do ser humano como peça de uma engrenagem de produção.
Lucídio Bianchetti, doutor em Educação e professor associado no Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destaca que “somos ótimos em olhar o passado, mas temos muita dificuldade em projetar o futuro, o que nos coloca um desafio muito grande de entender os rumos do mundo do trabalho em uma sociedade de constantes mudanças”.
Para o sociólogo e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Jacob Carlos Lima, as transformações sociais provocadas pela reestruturação produtiva afetou a cultura do trabalho, não havendo mais o paradigma unitário que condicionava trajetórias profissionais e as identidades de classe próprias do modelo fordista e taylorista.
Ao constatar que há uma precarização na vida dos trabalhadores em todos os níveis, Mário César Ferreira, pós-doutor em Ergonomia da Atividade Aplicada à Qualidade de Vida no Trabalho, parece resumir a indagação dos pesquisadores preocupados com o futuro do trabalho. “Quando vemos que pessoas se suicidam pela pressão ou depressão do trabalho em excesso é hora de parar, refletir e tentar entender que somos humanos e não máquinas e que um outro mundo melhor é possível”, conclui ele.