Força de trabalho, sujeito do direito e educação: notas introdutórias

Carolina Roig Catini

Fonte: Perspectiva, Florianópolis, v. 34, n. 1, p. 262-285, jan./abr. 2016.

Resumo: O presente artigo consiste em uma exposição introdutória à crítica marxista do direito, que, conforme objetiva-se demonstrar, proporciona relevantes aportes conceituais à reflexão crítica sobre as relações sociais de educação, especificamente capitalistas. Trata-se de uma análise dos conceitos fundamentais que circunscrevem a função social da educação massiva no capitalismo, hegemonizada sob a forma escolar: força de trabalho e sujeito do direito. Os nexos sociais mercantis, sob a égide do movimento cego e automático da acumulação de capital, pressupõem não apenas a generalização do trabalhador “livre” dos meios de produção, mas, também, a universalização da forma direito, que dissimula a subordinação econômica sob a máscara da igualdade entre proprietários privados. Na primeira parte do texto faz-se uma breve retomada de uma interpretação da crítica do trabalho apresentada por Karl Marx em O Capital, para assim poder passar à crítica marxista do direito, na segunda parte, com base em estudos de Evgène Pachukanis, Walter Benjamin e Bernard Edelman. Em relação à esta apresentação, extrai-se, à guisa de conclusão e de modo preliminar, algumas consequências teóricas para a apreensão do modo especificamente capitalista de educar.

Sumário: Introdução | Força de Trabalho | Sujeito do direito | Breves conclusões | Referências

Introdução

O fetichismo da mercadoria é completado pelo fetichismo jurídico.
(Pachukanis, 1972, p. 118).

No capitalismo hodierno, toda educação – propedêutica ou profissional – se justifica, a princípio e em grande medida, pela finalidade de formar o futuro trabalhador ou a futura trabalhadora, assim como formar para a cidadania, o que significa dar condições para sua inserção no mercado de trabalho e para a vida política. No atual grau de desenvolvimento, com o alcance de um alto índice de escolarização, a educação escolar é parte da própria realização de um direito do cidadão e se tornou parte necessária das condições para a realização da própria exploração do trabalho. Isso, evidentemente, quando se trata da educação massiva e, portanto, em grande parte voltada para quem é destituído de propriedades e que deve, necessariamente, vender sua força de trabalho para viver. Desse modo, “[…] cada vez mais aquela instrução que originalmente não é uma necessidade primária”, diz Manacorda (1996, p. 6), “[…] torna-se uma necessidade indispensável para a produção da vida”.

Com efeito, na medida em que se torna necessidade, o desenvolvimento da educação escolar passa a ocupar um importante lugar na “produção” dessa mercadoria força de trabalho. Tentemos precisar mais essa relação, para posteriormente analisar o lugar que a escola ocupa na formação dos trabalhadores e cidadãos, sem levar em consideração aqui o papel das instituições privadas de ensino e, portanto, da educação, ela mesma, como mercadoria e da escola como um ramo da produção.

A grande mudança no fundamento das relações sociais que deu forma ao modo de produção capitalista foi a transformação da força de trabalho em mercadoria, que, em conjunto com a expropriação dos meios de trabalho dos trabalhadores e com o aumento explosivo da capacidade das forças produtivas, dentre outros fatores, revolucionaram completamente o modo de viver, com consequências para o modo de educar e para organização da escola moderna. Dessa constatação básica e evidente – a de que no capitalismo os trabalhadores são livres e vendem sua força de trabalho como mercadoria como condição de sua existência –, chega-se a outra relação, menos evidente por ser envolta em ideologias: o processo educativo ao formar a força de trabalho estabelece uma relação (não imediata) com a forma mercadoria, quer dizer, com a objetividade das coisas alienáveis, vendáveis, própria dessa forma social, protótipo de nossas relações sociais, como diz Lukács (2003). Em suas palavras:

Não é de modo algum casual que as duas grandes obras da maturidade de Marx, que expõem o conjunto da sociedade capitalista e revelam seu caráter fundamental, comecem com a análise da mercadoria. Pois não há problema nesta etapa do desenvolvimento da humanidade que, em última análise, não se reporte a esta questão e cuja solução não tenha que ser buscada na solução do enigma da estrutura da mercadoria. Certamente, essa universalização do problema atinge aquela amplitude e a profundidade que possui nas análises do próprio Marx; quando o problema da mercadoria não aparece apenas como um problema isolado, tampouco como problema central da economia enquanto ciência particular, mas como problema central e estrutural da sociedade capitalista em todas as suas manifestações vitais. Pois somente nesse caso pode-se descobrir na estrutura da relação mercantil o protótipo de todas as formas de objetividade e de todas as suas formas correspondentes de subjetividade na sociedade burguesa. (LUCÁKS, 2003, p. 193, grifos nosso).

Com o objetivo de delinear elementos da relação entre educação e forma mercadoria, a forma social mais elementar do capitalismo, queremos apenas colocar em pauta o fetichismo do direito, uma vez que ele sempre aparece distanciado ou mesmo em oposição às relações sociais mercadológicas na esfera da educação. É uma proposta de leitura para nossas interpretações críticas da educação sob a égide do capital, mas também para nossas reflexões sobre a prática educativa e seu potencial emancipatório, que contribua para a transformação das relações materiais.

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Carolina Roig Catini é Doutora em Estado, Educação e Sociedade pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Departamento de Ciências Sociais da Educação, da Faculdade de Educação, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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