Financiamento da educação e luta sindical: conflitos em uma grande rede de ensino

Andréa Barbosa Gouveia
Marcos Alexandre dos Santos Ferraz

Fonte: Educação e Sociedade, Campinas, v. 37, n. 134, p. 285-302, jan./mar. 2016.

Resumo: Este trabalho apresenta um debate sobre o impacto da lei do piso salarial profissional nacional sobre as disputas dos professores de Curitiba, com o gestor da rede local de ensino. Como metodologia, optou-se por analisar as pautas de reivindicações do Sindicato da categoria, nas campanhas salariais desde 2008, focalizando os itens que diziam respeito a piso e remuneração e implementação de 1/3 de hora atividade. Como resultado foi possível observar diferentes maneiras de vocalizar as demandas de piso e diferentes impactos concretos sobre a remuneração. Em certos momentos, provocando achatamento da carreira e, em outros, achatamento do próprio piso. Quanto a hora atividade, esta deixa de ser uma reivindicação de organização do trabalho e assume a característica de um direito justo.

Sumário: Introdução | O Piso Salarial Profissional Nacional em disputa | A racionalidade da pauta de reivindicações e a campanha salarial | O piso na pauta do Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba | A hora atividade na pauta do Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba | Conclusões | Referências

Introdução

A aprovação de um Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), por meio da Lei 11.738, em 2008, é um marco importante para a luta sindical docente no Brasil, assim como para o financiamento da educação e os impasses federativos implicados neste.

Do ponto de vista da luta docente, a construção de um piso salarial profissional remonta pelo menos aos anos de 1980 e aos debates no âmbito da Constituinte. Esta mobilização resultou na formulação aprovada, originalmente na Constituição Federal de 1988, que afirma a valorização dos profissionais da educação, como princípio para organização da educação brasileira, já indicando a necessidade do Piso Salarial Profissional. Este último, entretanto, exigia regulamentação. Foram necessários 20 anos para que a luta sindical resultasse em uma lei complementar que fixou o PSPN. Consequentemente, abriu-se novas frentes de luta, posto que no pacto federativo brasileiro a prerrogativa de fixar remuneração para os servidores públicos é de cada ente federado.

Sob a ótica do financiamento da educação, estão imbricados os temas da valorização do magistério e das condições de investimento no contexto federativo, visto a centralidade da política salarial no âmbito das contas públicas municipais e estaduais. Não é por acaso que a Lei do PSPN, após aprovada, demandou quase três anos de debates no Supremo Tribunal Federal, devido a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) impetrada por cinco governadores de estados brasileiros (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Ceará). Esta ação alegava que a Lei havia extrapolado sua competência, ao tratar da jornada de trabalho, além de fixar o piso salarial para o magistério. Os governadores ainda contestaram a compreensão de que o Piso seria o vencimento inicial das carreiras. Tais alegações foram sustentadas no princípio da autonomia federativa (STF, 2008). Após três anos de trâmite, em abril de 2011, o STF julgou a Adin improcedente, compreendendo que é constitucional a norma geral que fixou o piso salarial dos professores, com formação de ensino médio, como vencimento inicial e não remuneração global (STF, 2011). Também julgou constitucional a reserva de percentual da jornada de trabalho para atividades extraclasse. Ou seja, a hora atividade.

Este debate do PSPN, no contexto do regime federativo, provoca a necessidade de aprofundarmos a compreensão dos desdobramentos do debate nacional, no âmbito subnacional brasileiro. Isto para compreender o sentido que a luta sindical continua a construir, a partir do parâmetro conquistado no âmbito da lei. E, também, compreender esta luta no contexto concreto da disputa pelos recursos locais para a valorização dos profissionais e para a qualidade da educação.

A histórica descentralização do sistema educacional brasileiro (OLIVEIRA, 1999) constituiu redes de ensino que, sob as demandas das legislações nacionais e em reposta aos contextos locais, forjaram formas de atendimento, formas de divisão de responsabilidades e condições de trabalho para os profissionais que são específicas e marcadas por alto grau de desigualdade, quando consideramos todo o território nacional. É assim que os níveis de municipalização do ensino são diferentes. Contudo, a forma de atendimento da matrícula e a divisão de responsabilidades tendem, há algum tempo, a sobrecarregar as redes municipais em contextos com mais restrição orçamentária (MANSANO FILHO et al., 1999).

Este desenho federativo tem relação direta com a qualidade dos empregos em termos de salários e condições de trabalho para os profissionais da educação, visto que é no âmbito da capacidade local de financiamento que elementos como vencimento, jornada e carreira são definidos e os concursos são realizados. Diante disto, propomos uma discussão sobre como a lei do PSPN repercute na ação sindical e nas condições de vencimento e jornada de professores em uma rede de ensino consolidada, de uma grande cidade, em que, possivelmente, as condições orçamentárias são menos restritivas. Para isto, a análise toma como campo empírico uma capital no sul do País, Curitiba (PR), que tem uma rede de ensino composta por oferta de educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental, uma pequena participação da oferta dos anos finais e nas modalidades educação de jovens e adultos e educação especial. Esta rede responde por cerca de 35% das matrículas na educação básica na cidade e, consequentemente, por aproximadamente este mesmo percentual de empregos de professores. Mas, por enquanto, voltemos a alguns elementos da norma nacional e da compreensão dos temas em disputa.

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Andréa Barbosa Gouveia. Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação – Curitiba (PR), Brasil

Marcos Alexandre dos Santos Ferraz. Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação – Curitiba (PR), Brasil

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