Apesar de a expansão e precarização do trabalho em plataformas digitais estarem relacionadas a outros fenômenos, como o crescimento da informalização e da flexibilização trabalhista e o surgimento de novas tecnologias, as atividades desenvolvidas nas plataformas têm suas especificidades e é preciso “compreender que o trabalho por plataformas não é uma camada homogênea”, diz Rafael Grohmann na entrevista a seguir, concedida via Zoom ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
O pesquisador integra e coordena o projeto Fairwork no Brasil, uma pesquisa-ação que está sendo realizada em 26 países, coordenada mundialmente pela Universidade de Oxford, que investiga e pressiona as plataformas digitais de cada país por um trabalho justo e decente, que é determinado a partir de cinco critérios: pagamento, condições de trabalho, contrato, gestão e representação.
Nas pesquisas realizadas no Brasil, Grohmann destaca o surgimento das plataformas de fazendas de cliques que, assim como em outros países da América Latina e do Sudeste Asiático, pagam 0,001 centavo aos trabalhadores por cada tarefa realizada na plataforma. As atividades consistem em curtir e comentar posts nas redes sociais e seguir contas no Instagram, no TikTok e no YouTube. “As plataformas de fazendas de cliques no Brasil são um caso muito único no mundo: são formadas por pequenas empresas que funcionam como plataforma e prometem seguidores reais aos clientes que têm contas em redes sociais”. Entre os principais clientes, menciona, “estão políticos, candidatos a cargos eletivos, ex-apresentadoras de TV infantil, músicos de funk e sertanejo, mas o perfil em geral é de influenciadores ou pessoas que querem ser influenciadoras”.
Segundo ele, “os trabalhadores descobrem essas plataformas de fazendas de clique por meio de canais do YouTube que oferecem ‘renda extra’, ‘renda fácil’ e ‘renda passivamente’. Muitos desses canais são de empreendedores digitais e coaches, que inclusive vendem cursos para ensinar como trabalhar nas fazendas de cliques. Essa é a porta de entrada para uma série de ações de informalidade e mercados ilegais”. E acrescenta: “As fazendas de cliques reproduzem e radicalizam uma nova informalidade no Brasil, inclusive com a revenda de contas”.
Em março deste ano, o projeto Fairwork lançará o relatório com a avaliação das principais plataformas avaliadas pelo grupo no Brasil: Uber, 99, iFood, Rappi, Uber Eats e GetNinjas.
Rafael Grohmann é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente, é professor do PPG em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, coordenador do Laboratório de Pesquisa DigiLabour, e coordenador no Brasil do projeto Fairwork.
Confira a entrevista.
IHU – No início deste ano, o diretor do Fairwork e professor da Oxford, Mark Graham, veio ao Brasil para planejar o futuro do projeto no país. Em que consiste esse projeto e o que está sendo planejado e negociado para seu desenvolvimento no país?
Rafael Grohmann – O Fairwork é uma pesquisa-ação presente em 26 países, coordenada mundialmente pela Universidade de Oxford, que investiga e tenta pressionar as plataformas digitais de cada país por um trabalho justo e decente. Desenvolvemos, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho – OIT e outros órgãos interessados, acadêmicos e não acadêmicos (como formuladores de políticas públicas e lideranças de trabalhadores), princípios de trabalho decente para plataformas digitais que envolvem cinco dimensões principais: remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação. A partir deles, avaliamos as principais plataformas com notas que vão de zero a dez levando em conta esses princípios, que são desdobrados partindo de um ponto básico e um ponto avançado. Escutamos os trabalhadores, conversamos com os representantes das plataformas e, a partir disso, tentamos pressionar por mudanças nas plataformas, dado que muitas vezes elas não oferecem condições de trabalho justo ou decente.
Fairwork
Esse projeto iniciou na Índia e na África do Sul em 2018 e chegou na América Latina e no Brasil mais recentemente. A Unisinos fez um acordo de cooperação com a Universidade de Oxford para coordenar essa pesquisa nacionalmente. Hoje, nós coordenamos essa pesquisa em parceria com outras universidades brasileiras, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, a Universidade de São Paulo – USP e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. Temos ampliado essa rede e logo vão entrar outras, como a Universidade Federal do Ceará – UFC. Trata-se, portanto, de um projeto de pesquisa-ação, ou seja, estamos avaliando a atuação das plataformas no Brasil e vamos lançar o primeiro relatório em março. A partir dele, conseguimos pressionar por mudanças jurídicas e de regulação.
Participei de um evento presencial do grupo na Alemanha em novembro do ano passado e, em seguida, o diretor do projeto, Mark Graham, me escreveu avisando que passaria por alguns países da América Latina para estreitar os laços. Ele esteve no Brasil e na Unisinos em janeiro para conversar com a equipe da pesquisa, para planejar o lançamento do nosso relatório e discutir como podemos fazer outras pesquisas paralelas além do que é o foco central do projeto até o momento. Ele é uma referência mundial no tema e é professor de Geografias da Internet pela Universidade de Oxford.
Quais plataformas são avaliadas pelo projeto? Que questões são feitas aos trabalhadores e aos representantes das plataformas e o que eles relatam sobre o trabalho desenvolvido?
As questões giram em torno dos princípios com os quais trabalhamos: pagamento, condições de trabalho, contrato, gestão e representação. Em relação ao ponto 1 [pagamento], a plataforma tem que pagar pelo menos um salário mínimo local para o trabalhador, cobrindo igualmente os custos.
A pesquisa tem três etapas que envolvem os próprios trabalhadores, as plataformas e a pesquisa documental. Seguimos esses princípios para expressar cada um dos lados. Além da pesquisa documental, realizamos entrevistas com os gestores das plataformas e com os trabalhadores e, a partir disso, verificamos se eles cumprem ou não cada um dos critérios estabelecidos pelos princípios. Por exemplo, no critério condições justas de trabalho, verificamos se as plataformas têm práticas ou políticas em vigor que protegem a segurança dos trabalhadores no exercício específico da tarefa e se as plataformas adotam medidas de proteção e gestão adequadas, responsáveis e éticas, estabelecidas em uma política documental. Perguntamos para os trabalhadores sobre questões de segurança, saúde e condições de trabalho, e verificamos o que a plataforma tem feito em relação a isso e quais são as evidências concretas de políticas sobre essas questões.
Plataformas avaliadas
Em outros países, algumas das plataformas avaliadas são Cabify, Uber, Uber Eats, Rappi e DiDi. No Brasil, nessa primeira rodada, estamos avaliando seis plataformas: Uber, 99, iFood, Rappi, Uber Eats e GetNinjas. O que a pesquisa tem mostrado ao longo do tempo em outros países é que, por um lado, para as empresas, é muito importante a questão da imagem. Então, em Berlim, fizemos uma campanha no metrô, dizendo: “Plataformas, vocês têm práticas injustas de trabalho. Nós estamos de olho”. Essa é a forma de pressioná-las publicamente.
De outro lado, as plataformas tentam se aproveitar ou cooptar esse movimento para dizer que elas cumprem critérios de trabalho justo e decente quando na verdade não cumprem. Mas nos países em que já publicamos relatórios – inclusive isso está destacado no nosso relatório anual –, percebemos que várias plataformas fizeram mudanças na sua forma de trabalho a partir da sua relação com o Fairwork, como a implementação de políticas de salário mínimo. As plataformas não querem ter uma nota baixa. Às vezes, elas recebem uma nota baixa e, na próxima avaliação, melhoram as notas porque viram que a nota baixa gerou um impacto negativo na sua imagem pública. Recentemente, uma plataforma que atua na Índia se manifestou no Twitter, chateada por ter recebido uma nota baixa, mas afirmando a seriedade do Fairwork e informando que colabora com o projeto porque sabe que ele expressa os pontos principais das plataformas.
Políticas
Não adianta as plataformas elaborarem campanhas antirracismo se não tiverem políticas antirracistas efetivas de trabalho ou se não combaterem as desigualdades de gênero nos seus próprios espaços. O princípio 4.2 diz que as plataformas devem proporcionar equidade no processo de gestão, ou seja, as questões de gênero e de raça são centrais.
Nesse sentido, o Fairwork é um projeto ambicioso que está atuando em outros braços: vamos começar a criar princípios de trabalho decente envolvendo inteligência artificial, estamos avaliando plataformas globais cujos trabalhadores alimentam inteligência artificial e vamos avaliar plataformas globais de trabalho sexual e de outros tipos.
Que diferença percebe no modo como pesquisadores de outros países e os brasileiros abordam o problema do trabalho em plataformas?
Muitas pesquisas realizadas no Norte global, focadas em trabalhos por plataforma e nas inter-relações de trabalho, usam expressões e conceitos – embora haja um esforço de crítica, eles não percebem o quão naturalizados esses conceitos são em termos do seu eurocentrismo –, como “gig economy”, que é eurocêntrico, mas muitas vezes tido como universal, como se existisse uma economia formal e outra que fosse “gig”. Essa é uma crítica que tenho feito aos pesquisadores do Norte no sentido de reverem conceitos ou perceberem como eles têm mais a ver com a especificidade dos espaços eurocêntricos e não como algo universal.
Por outro lado, durante a pandemia, aumentou muito o número de pesquisadores brasileiros que já vinham estudando temas ligados ao trabalho e a outros aspectos da vida social. Eles chegam no tema de trabalho por plataforma, muitas vezes, de uma maneira exógena. É claro que plataformização do trabalho é ao mesmo tempo a atualização, renovação e radicalização de processos já existentes, ligados à flexibilização do trabalho, à informalização e aos processos de financeirização, mas também há outros aspectos novos, como o gerenciamento algorítmico. Então, há uma fricção entre o que há de novo e o que há de velho. Muitas vezes, vejo colegas que tentam analisar toda a situação como algo externo, algo como “na era digital”, no sentido de não entender as especificidades desses fenômenos e de não se aprofundar neles, isto é, de compreender que o trabalho por plataformas não é uma camada homogênea. É óbvio que muitas vezes as pessoas estão fazendo uma análise de conjuntura geral sobre trabalho ou plataformas, mas é necessário compreender essas relações dialéticas contextuais e internas aos movimentos do trabalho por plataforma.
Qual é o diferencial desse tipo de pesquisa-ação para compreender as transformações em curso no trabalho por plataformas?
Esse projeto começa com uma grande crítica epistemológica e um tensionamento teórico. A metodologia de pesquisa-ação vai desde o tensionamento epistemológico até a sua articulação com outras dimensões, como os interlocutores da pesquisa, ou seja, como se faz análises e se colabora com atores de organizações e instituições acadêmicas e não acadêmicas nesse cenário. Vou dar alguns exemplos.
Pesquisa-ação
O primeiro é sobre o projeto em que estamos envolvidos, com pesquisas sobre plataformas de fazendas de cliques. Estamos envolvidos com os trabalhadores para entender melhor o que se passa em relação a eles. Acabamos de produzir um desenho animado junto com eles – que será lançado em breve -, que foi financiando por uma universidade da África do Sul, em português e inglês. Dois episódios ficcionalizam os principais resultados da pesquisa em parceria com os trabalhadores. Ou seja, a partir da pesquisa nasceu um produto de comunicação científica que tem um valor importante de impacto social para graduandos e pós-graduandos.
O segundo exemplo é o projeto de pesquisa com as plataformas cooperativas de entrega, que coordeno e é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS. Essa é uma pesquisa-ação que envolve uma relação cotidiana com cooperativas e coletivos de entregadores em termos de não só saber como as coisas estão indo, mas de que maneira podemos contribuir para construir outras pontes e outras conexões. Ou seja, permitir a intercooperação com outros coletivos e cooperativas em outros países, ou construir workshops e interlocução com políticas públicas em termos municipais ou nacionais. No ano passado, produzimos um documentário com o coletivo de entregadoras, mulheres LGBTQI+, como produto de impacto social, buscando construir relações entre quem está dentro e fora da academia.
O projeto Fairwork, que é o terceiro exemplo, envolve tanto entrevistar os trabalhadores quanto conversar com os representantes das plataformas para fazer com que a plataforma passe a contribuir para o trabalho decente e para incluir princípios Fairwork em suas práticas. Conseguimos que algumas plataformas promovessem mudanças nas suas práticas de trabalho a partir do projeto Fairwork, assim como estamos conseguindo colocar a pauta dos princípios decentes das plataformas digitais como um exemplo de políticas públicas. Estive na Câmara dos Deputados em novembro e dezembro, falando sobre a importância dos princípios Fairwork. Alguns deputados escreveram projetos de lei citando o Fairwork e outros querem se basear nos relatórios atuais dele para a construção de projetos de lei. Neste ano eleitoral, uma série de partidos políticos gostaria de colocar em seus planos de governo os princípios Fairwork como elemento central. Então, esse tipo de pesquisa-ação propõe desde articular uma rede internacional de pesquisa até gerar impacto local nas comunidades.
As plataformas de fazendas de cliques já estão presentes no Brasil? Como elas têm atuado e qual é o perfil dos trabalhadores?
As fazendas de cliques estão presentes no Sudeste Asiático e na América Latina, ou seja, nas periferias globais. O nome vem do Sudeste Asiático para significar lugares onde as pessoas são pagas para clicarem nas plataformas de mídias sociais.
Plataformas de fazendas de cliques brasileiras
As plataformas de fazendas de cliques no Brasil são um caso muito único no mundo: são formadas por pequenas empresas que funcionam como plataforma e prometem seguidores reais aos clientes que têm contas em redes sociais. Esses seguidores reais são às custas de trabalhadores pagos para ficarem o dia todo curtindo, comentando e seguindo contas no Instagram, no TikTok e no YouTube. Inclusive, eles são pagos para dar dislike nas postagens. O preço básico para cada tarefa dessas é de 0,001 centavo. Entre os clientes estão políticos, candidatos a cargos eletivos, ex-apresentadoras de TV infantil, músicos de funk e sertanejo, mas o perfil em geral dessas plataformas é de influenciadores ou pessoas que querem ser influenciadores. Muitos são da área da saúde, como personal trainers, instrutores de CrossFit. Também fazem parte dessa rede os estabelecimentos do interior do Brasil, como, por exemplo, um pequeno restaurante no interior do Mato Grosso do Sul que quer aumentar o número de seguidores nas redes sociais.
Perfil dos trabalhadores
O perfil dos trabalhadores geralmente é de mulheres com filhos para cuidar. Há todo um mercado paralelo de contas fake, com vendas em grupos de WhatsApp, como uma grande feira livre plataformizada, onde se vende, por exemplo, pacotes de fotos de mulheres. Os trabalhadores costumam trabalhar com até cem contas ao mesmo tempo e com vários aparelhos. Quando uma conta é bloqueada porque o Instagram identifica um perfil como sendo fake, o trabalhador não recebe o dinheiro daquela tarefa. Muitos trabalhadores, cansados de serem bloqueados ou desse mercado paralelo, acabam criando bots, ou seja, o trabalhador real automatiza as tarefas para robôs que conseguem trabalhar com até 300 contas ao mesmo tempo. Ele deixa essas contas rodando, porque se metade delas for bloqueada, ao menos ele recebe pela outra metade.
Em geral, os trabalhadores descobrem essas plataformas de clique por meio de canais do YouTube que oferecem “renda extra”, “renda fácil” e “renda passivamente”. Muitos desses canais são de empreendedores digitais e coaches, que inclusive vendem cursos para ensinar como trabalhar nas fazendas de cliques. Essa é a porta de entrada para uma série de ações de informalidade e mercados ilegais. Acabamos de escrever um artigo sobre como as fazendas de cliques reproduzem e radicalizam uma nova informalidade no Brasil, inclusive com a revenda de contas. A revenda é uma prática histórica no trabalho informal brasileiro, desde a revenda de brinquedos do Paraguai até a revenda de produtos de beleza, como é o caso da Natura. Parece haver uma atualização 4.0 dessa viração no caso das fazendas de cliques.
Greve dos trabalhadores das fazendas de cliques
No ano passado, quando a principal plataforma de fazendas de cliques diminuiu o valor mínimo do preço da tarefa de 0,006 para 0,001 centavos, os trabalhadores, com a ajuda de coaches e youtubers, fizeram uma greve: a primeira greve das fazendas de cliques no Brasil, em março ou abril do ano passado. Nos comentários do YouTube, eles chamaram as plataformas de parasitas e defendiam que os trabalhadores precisavam ficar unidos.
Esse tipo de atividade, que considero a deep web do trabalho por plataforma, traz relações e implicações para o debate público no sentido de pensar o trabalho remoto por plataforma como algo que é invisibilizado, além de permitir relações muito fortes com a indústria da desinformação. As fazendas de cliques apoiam uma série de golpes e pirâmides no âmbito da economia de influenciadores no Brasil, inclusive a economia de celebridades.
É possível adiantar quais são as conclusões e dados do relatório no Brasil com as pontuações alcançadas pelas principais plataformas de trabalho no país de acordo com os princípios Fairwork, que será lançado em março? Em que o relatório brasileiro se diferencia e se aproxima dos relatórios da Índia, Quênia, Indonésia, Bangladesh e Gana?
O relatório será publicado em 14 de março e os dados serão apresentados neste dia. O que posso adiantar é que, das plataformas dos países nos quais já lançamos relatórios, na Ásia e na África existem plataformas com notas acima de sete e oito – que vão de zero a dez pontos –, enquanto na América Latina, nos relatórios lançados no Chile e no Equador, não há nenhuma com notas acima de três.
Há uma série de hipóteses sobre o resultado. Uma delas é o quanto países como Quênia, África do Sul, Indonésia e Índia têm promovido plataformas mais locais e de acordo com a necessidade da população. Na África do Sul e no Quênia há plataformas ligadas ao afroempreendedorismo, enquanto as plataformas mais locais na América Latina se relacionam muito mais com uma ideologia e prática do Vale do Silício, como startups que são locais, mas querem se posicionar como agentes globais de plataformas ou adotar práticas ligadas aos EUA e suas infraestruturas.
A questão que surge é: como melhorar o trabalho por plataforma na América Latina? De que maneira a superexploração do trabalho é realmente algo persistente na América Latina? Como é possível enfrentar isso? Esse é o desafio que se coloca.
Neste semestre, o DigiLabour vai tratar de duas obras, uma sobre plataformas e produção cultural e outra sobre socialismo de plataforma: Platforms and Cultural Production, de Thomas Poell, David Nieborg e Brooke Erin Duffy, e Platform Socialism, de James Muldoon. Por que a escolha dessas obras? Qual é o diferencial delas na discussão sobre economia de plataforma?
Realizamos reuniões abertas no DigiLabour com o foco de discutir obras recentes lançadas sobre esse tema. As pessoas que têm interesse em participar podem enviar um e-mail para hello@digilabour.com.br, e serão incluídas nas discussões – enviamos o material e o cronograma atualizado. Neste semestre, vamos discutir essas duas obras. O livro Platform Socialism, de James Muldoon, foi lançado recentemente na Inglaterra e discute de que maneira recuperamos uma tradição ligada aos bens comuns e ao socialismo de guildas e de que maneira é possível vislumbrar um outro mundo possível para além desse capitalismo de plataforma, construindo e reunindo uma série de iniciativas que podem nos levar a essa ideia de bens comuns relacionados às plataformas. Nós publicamos uma entrevista com James Muldoon recentemente. A entrevista está disponível aqui.
O segundo livro é Platforms and Cultural Production, de Thomas Poell, David Nieborg e Brooke Erin Duffy. Eles têm uma pesquisa de longa data sobre áreas como games, jornalismo, influenciadores e como tudo isso se relaciona com a dinâmica das plataformas. É um livro introdutório para entender o que é plataforma e plataformização, o papel das infraestruturas, da governança e das instituições e como as plataformas afetam práticas de trabalho e a criatividade das pessoas, no sentido de que ficamos presos a seus mecanismos. A obra também vislumbra outros cenários possíveis ao redor do mundo em relação às plataformas baseadas nos EUA, na China ou de outro tipo, inclusive da própria economia de influenciadores.
Escolhemos esses dois livros para serem discutidos neste semestre, mas ainda vamos anunciar uma série de lives ligadas ao laboratório, inclusive com a aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação em breve.
Também temos previsto, para iniciar em março e abril, um evento sobre cooperativismo de plataforma e políticas públicas, financiado pela Fundação Rosa Luxemburgo, que terá encontros online até junho, quando o evento será concluído com uma semana presencial na Unisinos Porto Alegre. A missão é sair do seminário com um texto público sobre a importância de as políticas públicas incorporarem o cooperativismo de plataforma no Brasil.
No segundo semestre, o DigiLabour apoiará dois grandes eventos internacionais: o primeiro é o evento mundial do Fairwork, que vai acontecer no Rio de Janeiro, onde estarão presentes pessoas de 26 países para discutirmos em um congresso de pesquisa. Em seguida – as datas ainda serão decididas – será realizado o congresso mundial do cooperativismo de plataforma, organizado pela The New School, de Nova Iorque, com o Instituto de Tecnologia e Sociedade – ITS Rio, do Rio de Janeiro.
Uma das propostas do evento presencial que irá ocorrer na Unisinos Porto Alegre em junho é a criação de plataformas cooperativas para entregadores, e o laboratório vai promover um workshop para prototipá-las. Em que consiste essa proposta? Como estão pensando os protótipos das plataformas e qual é o perfil dos entregadores?
Temos usado algumas referências teóricas para pensar esse protótipo. O livro Platform Socialism, de James Muldoon, menciona a importância de experimentarmos com as tecnologias existentes. Em sala de aula, com os estudantes, já fizemos alguns protótipos de plataformas em parceria com o Programa RS Criativo, do governo estadual, para ver de que maneira, a partir de uma realidade concreta, é possível pensarmos esboços de plataformas ou de outras tecnologias que sirvam a essas cooperativas. Esta é a proposta que será desenvolvida ao longo do semestre: o desenvolvimento de quais seriam esses protótipos em conjuntos acadêmicos e não acadêmicos, decidindo qual deles será o produto final.
Qual o tema a ser discutido na conferência mundial do cooperativismo de plataforma, que ocorrerá no Rio de Janeiro em novembro?
Ainda não há detalhes sobre porque a conferência será somente no final do ano e a programação ainda está sendo definida entre a The New School e a comissão organizadora local do ITS Rio. Assim que tivermos notícias, vamos divulgar.
Há perspectiva de fazer campanhas de pressão contra as plataformas no Brasil, similar ao que foi feito em Londres e Berlim?
Sim, estamos em contato com empresas de pesquisa de mercado, para realizar uma pesquisa com a população, como a que realizamos em Londres sobre a preocupação de ter plataformas mais justas e decentes, e em contato com agências de comunicação para fazermos a divulgação dessa pesquisa em espaços públicos em Porto Alegre, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Fonte: IHU
Texto: Patricia Fachin
Data original da publicação: 24/02/2022