Alessandra Camarano Martins
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 22/01/2019
No dia dois de maio de 2019, completará oitenta anos da edição do Decreto Lei n. 1237/1939, que organiza a Justiça do Trabalho e no dia primeiro de maio, setenta e oito anos desde sua instalação, como instrumento para a transformação da sociedade e do estado brasileiro.
“Até 1941, foram vários os normativos, sobre os mais diversos assuntos: Decreto-Lei n. 1238, de 2 de maio de 1939 ( que dispõe sobre a instalação de refeitórios e a criação de Cursos de aperfeiçoamento profissional para trabalhadores); Decreto-Lei n. 1.346, de 15 de junho de 1939 ( que reorganiza o Conselho Nacional do Trabalho); Decreto-Lei n. 1.395, de 29 de junho de 1939 ( que fixou em oito horas a duração do trabalho normal efetivo das equipagens das embarcações da Marinha Mercante Nacional); Decreto-Lei n. 1402, de 5 de julho de 1939 ( que regula a associação em sindicato); Decreto-Lei n. 1523, de 18 de agosto de 1939 ( que regula o direito do empregado, operário ou trabalhador nacional à percepção de 2/3 dos respectivos vencimentos ou remuneração, quando chamado a incorporar-se); Decreto-Lei n. 1843, de 7 de dezembro de 1939 ( que dispõe sobre a nacionalização do trabalho e a proteção ao trabalhador nacional); Decreto-Lei n. 2162, de 1. de maio de 1940 ( que institui o salário mínimo); Decreto-Lei n. 2308, de 13 de junho de 1940 ( que dispõe sobre a duração do trabalho em quaisquer atividades privadas, salvo aquelas subordinadas a regime especial declarado em lei); Decreto-Lei n. 2377, de 8 de julho de 1940( que dispõe sobre o pagamento e a arrecadação das contribuições devidas aos sindicatos pelos que participam das categorias econômicas ou profissionais representadas pelas referidas entidades); Decreto-Lei n. 2381, de 9 de julho de 1940 ( que aprova o quadro das atividades e profissões, para o Registro das Associações Profissionais e o enquadramento sindical, e dispõe sobre a constituição dos sindicatos e das associações sindicais de grau superior); Decreto-Lei n. 3616, de 13 de setembro de 1941 ( que dispõe sobre a proteção do trabalho do menor); Decreto-Lei n. 3813, de 10 de novembro de 1941 ( que dispõe sobre o pagamento de salários)” (1)
Em uma análise da estruturação e desenvolvimento da Justiça do Trabalho no Brasil, Gabriela Neves Delgado e Maurício Godinho Delgado, dividem a Justiça do Trabalho historicamente em três grandes momentos: o primeiro quando de sua própria estruturação e inauguração em 1941; o segundo em 1945, quando da democratização do país, “em que rapidamente solidificou-se como instituição imprescindível à inclusão social, econômica e institucional de milhões de brasileiros emergentes à nova sociedade e economia recém urbanizadas e industrializadas”; e o terceiro no processo de democratização do Brasil desde 1985, “culminando com o projeto constitucional aprovado em 1988, que descortina papel e relevo inimagináveis para a Justiça do Trabalho na sociedade e nos Estados brasileiros.”(2)
Pelo simples contexto histórico acima narrado, no período de construções legislativas antes Decreto de organização da Justiça do Trabalho bem como nos períodos pós instalação, verifica-se que o papel desempenhado pelo órgão especializado, é relevante para a sociedade brasileira, como fator de manutenção de equilíbrio nas relações sociais, servindo como instrumento de pacificação social e garantia de Justiça Social, inatingíveis fora de suas instalações.
Os conflitos sociais são históricos e inerentes ao ser humano e um fator de produção de perturbação da paz social, que somente poderá ser restabelecidas com a atuação de órgãos estatais com estruturas especializadas.
O Direito do Trabalho possui em sua espinha dorsal o princípio protetivo, pois as partes evolvidas em relações de trabalho são desiguais sobre o ponto de vista social e econômico e a solução conflituosa, para que se cumpra com normativos expressos de um Estado Democrático de Direito, precozinado no preâmbulo da promulgação da Constituição Federal, deverá possuir estruturação própria dedicada ao Mundo do Trabalho, que possui status de relevância na ordem jurídica constitucional.
Em uma sociedade em que o raciocínio ainda se pauta na diminuição de direitos para o aumento de empregos e que possui entre fundamentos para um sistema capitalista de produção a lógica da competitividade que passa pela redução de custos e ampliação de mercados, tendo como fator preponderante a precarização do trabalho, é necessário estruturas próprias como a Justiça do Trabalho, para que o sistema de proteção não seja afastado e assim possa se promover a verdadeira Justiça Social.
O sociólogo Ricardo Antunes, fazendo menção ao capitalismo atual, que “se apresenta como um processo multiforme, no qual a informalidade, precarização, materialidade e imaterialidade, se tornam mecanismos vitais, tanto para a preservação quanto para a ampliação da lei do valor”,(3) alerta para o aumento do sistema produtivo e para a concorrência no mercado, baseado em sistema capitalista se rege pela diminuição de seus custos, à base de maiores sacrifícios para a classe trabalhadora, com aumento de jornada de trabalho, informalidade na contratação, ampliação da terceirização, uberização e pejotização, onde o Ser Humano trabalhador é reduzido a mercantilização, sem que lhes sejam observadas garantias mínimas de proteção.
E nessa lógica do mercado capitalista, que financia e apoia campanhas eleitorais, acabamos por ter representantes na casa legislativa, diretamente ligados e comprometidos com esse modelo de capitalismo, que se baseia cada vez mais na informalidade na contratação e redução de direitos, podendo citar a PEC 300, que viola normas e regride conquistas da classe trabalhadora, aumentando a jornada de trabalho para dez horas diárias; impedindo e limitando a busca de direitos na Justiça do Trabalho, com a alteração do prazo prescricional de 5 anos para dois anos e de 2 anos após o encerramento do contrato de trabalho para três meses.
Nessa toada, a PEC 300, corrói a Justiça do Trabalho, em suas entranhas ao também, tornar obrigatória a submissão à Comissão de Conciliação Prévia, minando a atuação da instituição até seu completo desaparecimento.
Nesse contexto de retrocessos civilizatórios, a extinção ou fatiamento de estruturas especializadas que garantem o equilíbrio nas relações trabalhistas baseados em princípios constitucionais do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana, sofrem ataques permanentes e insistentes, como é o caso da Justiça do Trabalho, do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho.
Tais instituições, garantem o cumprimento de princípios consagrados na Constituição Federal de melhoria da condição social vedado o retrocesso, valendo destacar fundamentos do princípio da vedação do retrocesso social, trazidos em artigo conjunto da Professora Daniela Murada Reis e Pedro Augusto Gravatá Nicoli: “O princípio da vedação do social enuncia serem insusceptíveis de rebaixamento os níveis sociais já alcançados e protegidos pela ordem jurídica, atuando em múltiplas dimensões(…).Deste modo o princípio do não regresso mantém interface com o princípio da norma mais favorável, princípio fundamental do Direito do Trabalho, bem como é consectário do princípio da progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, princípio de relevo no campo temático do Direito Internacional dos Direitos Humanos.”(4)
As leis e intuições democráticas que asseguram o cumprimento da Justiça Social são imprescindíveis e a sua preservação é uma obrigação do parlamento e dos governantes, pois representam a manutenção de princípios constitucionais e a preservação do Estado Democrático de Direito e qualquer tentativa de subverter essa ordem constitucional caracteriza crime de responsabilidade, passível de impedimento do exercício do cargo.
Referências Bibliográficas:
1 ( História do Direito do Trabalho no Brasil – Jorge Luiz Souto Maior – Curso de Direito do Trabalho – Volume I – Parte II – Editora LTr – pag. 252).
2 Mundo do Trabalho, Atualidades, Desafios e Perspectivas – Homenagem ao Ministro Arnaldo Sussekind, Ed. LTr – Organizadores: Any Ávila; Douglas Alencar Rodrigues e José Luciano de Castilho Pereira – Estruturação e Desenvolvimento da Justiça do Trabalho no Brasil – Pag. 19 – Gabriela Neves Delgado e Maurício Godinho Delgado).
3 O Privilégio da Servidão – o novo proletariado de serviços na era digital – Ricardo Antunes – editora Boitempo – pag. 33).
4 Mundo do Trabalho, Atualidades, Desafios e Perspectivas – Homenagem ao Ministro Arnaldo Sussekind, Ed. LTr – Organizadores: Any Ávila; Douglas Alencar Rodrigues e José Luciano de Castilho Pereira – A denúncia da Convenção n. 158 da OIT como Retrocesso Social: Desdobramentos Materiais dos Passos de Arnaldo Sussekind – Daniela Murada Reis e Pedro Augusto Gravatá Nicoli, pag. 29).
Alessandra Camarano Martins é advogada trabalhista e sindical e Presidente da ABRAT, Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas.