Brasil precisa de Estado planejador e indutor de desenvolvimento para superar crise.
Clemente Ganz Lúcio
Fonte: Holofote
Data original da publicação: 21/03/2022
O contexto situacional de destruição da institucionalidade econômica e política, para planejar e mobilizar o desenvolvimento brasileiro, é estarrecedor e sua reversão uma tarefa complexa.
A hegemonia neoliberal concentrou no Brasil, desde 2016, uma agenda de privatização, de desmonte do Estado e das políticas públicas, eliminação ou redução dos marcos regulatórios, dominância da lógica financeira sobre a produção e a macroeconomia, flexibilização para a redução do custo do trabalho, elementos de uma longa lista de demolições.
Se a pandemia travou alguns desses processos, por outro lado, favoreceu e acelerou outros.
As resistências, nas suas mais variadas formas, conseguiram impedir que alguns retrocessos fossem maiores, mas, invariavelmente, os múltiplos cenários de destroços são de larga extensão.
É provável que ninguém consiga ter a real noção da totalidade do estrago, um inventário a ser produzido, a partir do qual se deverá prospectar o futuro, seus desafios e os projetos a serem implementados para novos horizontes.
O cenário de destruição, uma tragédia. Mas será a partir dele que se construirão novas perspectivas de futuro.
Será esse cenário de destruição que teremos que colocar no debate público nas eleições. Para construir saídas em relação a este contexto situacional, os projetos precisarão resgatar utopias que sejam escolhidas pelo voto.
Uma das nossas tarefas nesse debate eleitoral é recolocar o papel do Estado, indicando que a perspectiva de desenvolvimento (crescimento econômico com sustentabilidade socioambiental) exigirá a atuação vigorosa do Estado como planejador, regulador, provedor, investidor, empreendedor, coordenador e articulador, orientado para promover transformações estruturais e de construção das novas dinâmicas econômicas, sociais, políticas e culturais.
Assim fizeram países e nações que deram um salto em seu padrão de desenvolvimento.
Será necessário também planejar, mobilizar e promover o incremento da produtividade em todo o sistema produtivo, com especial atenção às micro, pequenas e médias empresas.
Isso significa mobilizar a força de trabalho para incrementar sua capacidade de produção, em uma relação virtuosa entre a tecnologia (conhecimento e trabalho materializado em máquinas, equipamentos e processos) e o emprego para todos, combinando investimentos em educação, pesquisa e inovação nos inúmeros contextos locais e setoriais.
Essa estratégia deve orientar-se pelas oportunidades de promover saltos nos padrões produtivos, decorrentes das oportunidades abertas pelas novas tecnologias de digitalização, comunicação, internet, transporte, energia etc.
Planejar e promover formas de distribuir os frutos do trabalho de todos, gerando qualidade dos postos de trabalho disponíveis em quantidade para todos, com proteção social, trabalhista, previdenciária e sindical e crescimento da remuneração do trabalho.
Planejar a construção de tudo que falta ou foi destruído e que precisa ser reposto em termos de infraestrutura econômica e social, um projeto ousado de duas ou três décadas, de continuado investimento, com a geração de muitos postos de trabalho. Ao mesmo tempo, processar as transições para a economia digital, para energias renováveis, para a sustentabilidade ambiental e para a igualdade.
Esse Estado, em suas múltiplas dimensões e aspectos, é analisado e debatido no ótimo livro organizado por Gilberto Maringoni, A volta do Estado planejador – neoliberalismo em xeque (Editora Contracorrente), uma contribuição substantiva de vinte e três autores, que apresentam elementos essenciais da formulação que recolocam a centralidade do Estado planejador. Indico a leitura.
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, assessor do Fórum das Centrais Sindicais e ex-diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).