Uma sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa emitida esta quinta-feira reconheceu pela primeira vez a existência de um contrato de trabalho sem termo entre entregadores em Portugal e a plataforma digital para a qual trabalha. A sentença aplica-se à situação de M. Z. Ahmed, estafeta da Uber Eats, mas abre o precedente jurídico para que milhares de estafetas possam vir a ter acesso aos direitos que o contrato de trabalho confere.
O tribunal deu como provados cinco fatos base da presunção de laboralidade que a lei prevê, nomeadamente que é a plataforma que “fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao entregador pelas entregas que efetua”, que “exerce o poder de direção e determina regras específicas”, como a apresentação e conduta do entregador, que “controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real”, que “restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à utilização de subcontratados ou substitutos”, ao não permitir a partilha de credenciais, e que “exerce poderes de exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta”. Assim, conclui que o entregador “se encontra inserido na organização” da plataforma.
O deputado bloquista José Soeiro, que participou nas negociações da Agenda do Trabalho Digno, saudou a decisão nas redes sociais, salientando que esta “é a primeira decisão de um tribunal português que aplica o novo artigo 12º-A do Código do Trabalho, pelo qual lutámos tanto e que tantos debates implicou”.
“A decisão do tribunal, do final desta semana, pronuncia-se sobre uma ação intentada pelo Ministério Público e é também o resultado de uma norma que propusemos no Parlamento e foi aprovada, que determinava que a Autoridade para as Condições de Trabalho desenvolveria, neste primeiro ano da lei, uma ação inspetiva em larga escala junto das plataformas digitais, desencadeando as ações especiais de reconhecimento de contrato de trabalho”, prosseguiu José Soeiro, sublinhando que “esta tem sido uma luta intensa e que enfrenta poderosos lóbis: na mobilização social e no plano político e jurídico”.
“Hoje é um dia histórico pelo precedente aberto. A partir de hoje, entramos numa nova fase no mundo do trabalho plataformizado em Portugal. Veremos a reação da Uber Eats. Para já, celebremos esta grande vitória”, concluiu o deputado do Bloco.
Fonte: Esquerda, com ajustes
Data original da publicação: 03/02/2024