Em reação a nocaute da Reforma Trabalhista, centrais remodelam estratégia

A estratégia consiste essencialmente na intensificação do lobby — atividade que busca influenciar as decisões políticas —, de forma a evitar maiores prejuízos para os trabalhadores nas votações e medidas adotadas no âmbito dos Três Poderes.

O presidente da CTB, Adilson Araújo, destaca que a ação de mobilização política das bases sindicais sozinha não funciona como resposta ao desmonte que tem marcado o País nos últimos anos. É preciso fortalecer o corpo a corpo com as instituições, firmando presença ostensiva nos diferentes espaços e evitando maiores danos ao segmento.

Questionado pela reportagem se o movimento demarca que a entidades estariam “acordando” do baque dos últimos tempos, Araújo reage com sonoro “não”. “Não existe esse negócio de acordar quem nunca nem conseguiu dormir direito. Vigilância sempre foi um desafio permanente porque o sujeito, ao se tornar trabalhador, já enfrenta dificuldades”, disparou o dirigente.

Além da CTB, participam do movimento de ampliação do lobby em Brasília CSB, CUT, CSP-Conlutas, Força Sindical, Intersindical, a Nova Central, Pública Central do Servidor e UGT.

Juntas, as centrais buscam formatar os interesses do campo em cartilha conjunta e que tenha a capacidade de adquirir maior capilaridade e adesão no jogo político de Brasília. Nas últimas segunda (11/04) e terça-feira (12/04), o grupo fez giro na capital federal e aportou na Câmara dos Deputados, no Senado, no TST (Tribunal Superior do Trabalho) e no Conselho Superior da Justiça do Trabalho para apresentar a agenda de prioridades.

“A nação brasileira se reporta às instituições — Executivo, Legislativo, Judiciário. O governo Bolsonaro insiste em macular o Estado democrático de direito. Nós somos parte desse Estado democrático de direito e não abrimos mão. Recorrer aos Três Poderes é condição de todo e qualquer cidadão porque temos esse direito respaldado pela Constituição”, resume Araújo.

Temas abrangentes

As demandas colocadas pelas centrais sindicais são politemáticas. Ao Congresso foi entregue documento que, em mais de 70 páginas, congrega série de PL (projetos de lei), PEC (propostas de emenda constitucional) e MP (medidas provisórias) que têm sido discutidas pelas entidades com atenção.

São algumas dezenas de propostas, todas apresentadas de 2017 para cá. É o caso da MP 1.076/21, que libera valores extras para o Auxílio Brasil; do PL 2.383/21, que reduz para 20% a multa do FGTS a ser paga pelo empregador em caso de demissão; e do PL 591/21, que privatiza os Correios.

A lista perpassa diferentes aéreas temáticas. Entre essas estão moradia, Previdência Social, redução da pobreza e combustíveis. Mas nem só de custo de vida e direitos trabalhistas propriamente ditos vivem as preocupações das centrais. Temas adjacentes, como educação, racismo, direitos indígenas e liberação desenfreada de agrotóxicos no País também povoam os pesadelos das entidades e integram a lista do documento.

“A tarefa das centrais não é fazer aquilo que os sindicatos já fazem. O sindicato vai lá e procura debater com o patrão e com o empregador uma melhoria no salário, por exemplo. O que uma central faz como entidade maior e superior dos sindicatos é justamente trabalhar as questões que afetam toda a sociedade”, explica o assessor do Fórum das Centrais Sindicais, Clemente Ganz Lúcio.

“Quando as centrais dizem que lutam contra os agrotóxicos, é porque essas querem e sabem que é possível produzir uma agricultura familiar com agroecologia e ter produção e alimentação saudáveis. É possível se ter isso, apesar de o Brasil caminhar no [caminho] oposto”, exemplifica Ganz Lúcio.

Judiciário

O Poder Judiciário recebeu documento de cerca de 240 páginas, que reúne processos de temas como direitos trabalhistas, direitos sociais, Previdência, serviço público, relações sindicais e pandemia.

A lista foca especificamente ações que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal), por ser a principal instituição do sistema de Justiça e a casa que decide a aplicação da Constituição Federal.

O assessor jurídico da CUT e coordenador do trabalho técnico de confecção da agenda, Eymard Loguercio, registra que esta é a primeira vez que as centrais conseguem compor agenda conjunta sobre os temas do mundo do trabalho que estão hoje a cargo do STF.

Ele realça que o Poder Judiciário atualmente preocupa “muito mais” as entidades sindicais do que já preocupou no passado. E ilustra a afirmação apontando que, entre outras coisas, nos últimos anos, a Corte tem não só debatido, mas também chancelado série de pontos da Reforma Trabalhista, principal gargalo para o movimento sindical na contemporaneidade.

Entre os dispositivos já avalizados pelo STF estão a terceirização de atividades-fim e o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. Esta última medida, por exemplo, provocou queda de quase 90% na arrecadação do imposto em 2018, 1 ano após a implementação da nova regra. A novidade gerou efeito em cadeia que culminou com o fechamento de diversos sindicatos.

Diante desse cenário, a CUT considera que a organização de agenda central das entidades tende a ajudar no trabalho de combate a essa tendência antigarantista no STF. A ideia, segundo Loguercio, é frear o que ele chama de “releitura da prevalência da liberdade econômica”.

“O que se faz aqui é uma sinalização de acompanhamento desses temas numa compreensão de que o STF tem se afastado da própria gênese da Constituição de 1988, que tem nos direitos sociais e na sua efetividade uma condição de desenvolvimento e, portanto, uma necessidade de que o STF inverta a lógica das suas decisões atualmente”, pontua.

Entre os processos citados na lista que compõe a agenda de acompanhamento está a ação que discute o trabalho intermitente – modalidade em que o serviço prestado pelo empregado é pago de forma proporcional ao período trabalhado.

Também figuram, por exemplo, a prorrogação de licença-maternidade para mães de bebês que estão internados desde o nascimento, bem como outras dezenas de demandas que terminaram judicializadas por força da queda de braço entre patronato e empregados.

Ilusão x realidade

Ao olhar para o grau de dificuldade presente na relação com empregadores, as centrais dizem não ter ilusão diante do jogo político no Judiciário, e menos ainda no Legislativo, onde o empresariado costuma incidir com força.

“E ninguém vai lá pra chutar canela de deputado. Não se trata disso, e sim de apresentar propostas, participar de reuniões, audiências, levar dados e muita informação sobre uma determinada realidade. É fundamental ter essa iniciativa, por isso a gente investe agora em uma interlocução mais qualificada com o Congresso Nacional”, diz Ganz Lucio.

Entre os personagens envolvidos na articulação das centrais paira a certeza de que não é possível sobreviver politicamente sem uma estratégia ofensiva e organizada de lobby sobre os Poderes Legislativo e Judiciário. A ideia que move o grupo é focar no diálogo com atores do campo conservador, que tendem a ser mais impermeáveis à pauta de defesa dos direitos trabalhistas.

“O fundamental não é conversar com aqueles que concordam com a gente. O principal é ouvir aqueles que não concordam. É esclarecer, levar opinião sobre as pautas e, evidentemente, tentar mudar o pensamento daquele parlamentar para que ele tenha um posicionamento favorável ao pleito que está sendo defendido”, acrescenta o assessor do Fórum das Centrais Sindicais.

Lobby

No geral, o jogo político lida com a perspectiva de que “quem não é visto não é lembrado”, daí a importância de trabalho conjunto e articulado junto aos atores do Poder Legislativo. É o que sinaliza o diretor de documentação do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Neuriberg Dias. Ele tem assessorado as centrais no processo de incidência junto a deputados federais e senadores.

“[O lobby] faz toda a diferença. Pra você ter uma ideia, todos os grupos levam agendas, demandas, conversam com os parlamentares. A ausência ou desorganização de um movimento faz com que o Congresso entenda que aquilo ali não é uma agenda relevante”, pontua.

Na avaliação do especialista, o segmento só conseguiu resistir ao desmonte dos últimos anos porque “não deixou de fazer o contraponto” e porque, além disso, lançou propostas. Dias cita como exemplo o auxílio emergencial, que foi pautado pela oposição a partir de costura com as centrais sindicais.

Por fim, o dirigente sublinha ainda que há, no segmento, leitura consolidada de que a mesma agenda que é levada ao Congresso precisa ser discutida e articulada nas bases estaduais. A iniciativa é vista como fundamental para que a engrenagem da interação entre os parlamentares e os grupos de interesse apresentem melhores resultados.

“É onde estão os representantes que são eleitos para atuar em Brasília. Conversar com eles também dá um resultado muito grande porque lá não basta a premissa de pressionar o parlamentar. É mais de tentar convencê-lo por meio do debate porque é onde ele está mais sensível, já que conta com o olhar da própria base por perto”, conclui.

Fonte: DIAP
Data original da publicação: 17/04/2022

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