O que de fato é preciso para fomentar o crescimento inclusivo são medidas de reforma guiadas pelo conteúdo normativo dos direitos trabalhistas, consagrados no direito internacional dos direitos humanos, que fomentem a igualdade de gênero, favoreçam o emprego e proporcionem maiores possibilidades aos grupos e pessoas marginalizadas de exercer esses direitos.
Juan Pablo Bohoslavsky
Fonte: Instituto Humanitas
Tradução: CEPAT
Data original da publicação: 12/06/2017
Nos últimos anos, mais de 130 países (dos quais 96 são países em desenvolvimento) embarcaram, ou planejam, em reformas de políticas e leis trabalhistas pró-austeridade, com a finalidade de superar contextos econômicos recessivos ou prevenir crises financeiras.
Essas reformas comumente consistem no congelamento ou redução dos salários, na ampliação da jornada de trabalho, na imposição de contratos precários, na limitação de seguros por acidentes ou doenças trabalhistas, na facilitação das demissões e na redução do quadro funcionários públicos. Também se incluem as reformas que atingem os sistemas de negociação coletiva, por exemplo, restringindo o alcance dos acordos setoriais e rebaixando o nível da negociação para o local de trabalho, ou permitindo a negociação com representantes alheios aos sindicatos.
Há alguma evidência empírica de que a situação dos trabalhadores, dos desempregados, ou da economia, em geral, melhore graças ao enfraquecimento dos direitos trabalhistas coletivos e individuais?
São muitos os casos em que tais reformas contribuíram para um aumento da desigualdade, da precarização e informalização do emprego, fomentando a discriminação no mercado de trabalho contra mulheres, jovens, idosos e outras pessoas pertencentes a grupos sociais marginalizados, e ocasionando a redução da proteção social dos trabalhadores. Por exemplo, durante a aplicação do programa de ajuste estrutural no México, observou-se que o salário médio das mulheres diminuiu em maior medida que o dos homens. E as demissões no setor público e a privatização de empresas de propriedade estatal costumam afetar o emprego das mulheres de forma desproporcional, assim como aconteceu na Índia e em muitos outros países.
A ideia de que, em termos gerais, os direitos trabalhistas são exercidos em detrimento ao desenvolvimento econômico foi questionada por especialistas nos planos teórico e empírico, e foi demonstrado de forma mais concreta que as reformas trabalhistas promovidas pelas políticas de austeridade, comumente, não contribuem para a recuperação econômica. Essas reformas não melhoram os resultados econômicos; ao contrário, causam grandes prejuízos aos trabalhadores, que continuarão sentindo seus efeitos durante muitos anos. Na Grécia e em Portugal, a aplicação das reformas da legislação trabalhista coincidiu com um drástico aumento do desemprego e um aumento considerável do número de contratos de trabalho precários. Em Costa do Marfim, observou-se que as reduções dos salários dos professores, segundo o recomendado pelo FMI e o Banco Mundial, atingiram negativamente a qualidade da educação, devido a conseguinte fuga de cérebros para o estrangeiro.
A desregulamentação do mercado de trabalho não favorece o crescimento e o emprego. Ao contrário, em um número cada vez maior de estudos vem se destacando que as leis trabalhistas têm efeitos econômicos positivos, entre outras coisas, na produtividade e na inovação. Os especialistas manifestaram uma série de funções da legislação trabalhista que favorecem a eficiência da economia ao invés de prejudicá-la. Entre outras coisas, a legislação trabalhista favorece a coordenação econômica, tanto na empresa como no mercado.
Outros estudos determinaram que as leis trabalhistas têm efeitos positivos na produtividade e no emprego. Existe uma correlação positiva, em longo prazo, entre a legislação trabalhista, incluída a regulamentação que protege os trabalhadores contra as demissões, e a produtividade. Além disso, os dados indicam que uma jornada de trabalho mais curta leva é acompanhada de uma produtividade por hora mais alta.
Por outra parte, as leis relativas ao salário mínimo ou à proteção contra a demissão costumam incentivar os empregadores a utilizar sua mão de obra de forma eficiente, investir em tecnologia e se esforçar para melhorar sua organização. As leis trabalhistas contribuem, além disso, para a estabilização da demanda em épocas de recessão. Reconhece-se, com frequência, que a legislação trabalhista contribui para corrigir as falhas do mercado e assumir uma função contracíclica.
Os efeitos econômicos de uma legislação trabalhista robusta têm uma consequência positiva na distribuição dos ingressos.
Por exemplo, em uma análise dos dados de 20 países da OCDE, não se encontrou qualquer relação entre o enfraquecimento das instituições do mercado de trabalho e uma diminuição do desemprego, ao passo que se determinou que havia correlação entre a negociação coletiva coordenada e um desempenho mais baixo. A tal ponto que, em 2014, o Comitê Europeu de Direitos Sociais chegou à conclusão de que o fato de que o governo da Espanha permitisse que os empregadores deixassem de aplicar, unilateralmente, as condições estipuladas nos convênios coletivos, infringia o artigo 6º, parágrafo 2, da Carta Social Europeia.
Chegou-se a conclusões semelhantes em relação às repercussões de certas leis trabalhistas na inovação. Segundo uma análise de quatro países da OCDE, entre 1970 e 2002, um elevado grau de proteção contra a demissão arbitrária fomentava a inovação entre os empregados.
No que diz respeito aos países em desenvolvimento, os elementos que apontam para uma incidência negativa da proteção trabalhista nos resultados econômicos de um país parecem pouco contundentes. Os relatórios sobre a Argentina, por exemplo, indicam que a desregulamentação do mercado de trabalho parece ter reduzido as elasticidades do emprego, ao invés de aumentá-las. Um estudo sobre os BRICS – Brasil, Federação da Rússia, Índia, China e África do Sul – apontou que as leis sobre greves não tinham efeitos notáveis no desemprego, ao passo que um alto grau de proteção nas leis de representação dos trabalhadores guardava uma correlação parcial com o desemprego, às vezes, inclusive, negativa.
Em um plano macroeconômico, parece claro que a pressão em favor da flexibilização dos mercados de trabalho, a fim de fomentar o crescimento impulsionado pelas exportações, conduz à redução do consumo, das exportações e do emprego. A redução dos ingressos de grandes setores da população, resultante das reformas de flexibilização da legislação trabalhista, causa uma contração da demanda, o que acaba agravando a crise.
As crises econômicas e financeiras não são o resultado de uma regulamentação excessiva do trabalho, razão pela qual a desregulamentação trabalhista não ajuda a superá-las.
De fato, as reformas trabalhistas adotadas nos últimos anos, no marco de políticas de austeridade, não parecem ter ajudado os países (ver, por exemplo, os europeus) a se recuperar, nem permitiram reinstaurar um acesso ao emprego equivalente ao anterior à crise. Ao invés disso, minaram os direitos trabalhistas e outros direitos sociais consagrados no direito internacional e doméstico. O que de fato é preciso para fomentar o crescimento inclusivo são medidas de reforma guiadas pelo conteúdo normativo dos direitos trabalhistas, consagrados no direito internacional dos direitos humanos, que fomentem a igualdade de gênero, favoreçam o emprego e proporcionem maiores possibilidades aos grupos e pessoas marginalizadas de exercer esses direitos.
Se o menosprezo aos direitos trabalhistas não reporta benefícios justificáveis, nem sequer para titulares de direitos que estão fora do mercado de trabalho, e se a redução dos direitos trabalhistas não permite um maior desfrute dos direitos econômicos e sociais de todas/os, nem traz uma recuperação ou crescimento econômico, essas medidas regressivas não podem ser consideradas respostas admissíveis frente às crises econômicas e financeiras.
Isto coloca em relevo, além disso, a possível importância de outros fatores que estão por trás das reformas de desregulamentação e destruição da legislação trabalhista, como o viés ideológico e as intenções não declaradas em adotar medidas regressivas em matéria de distribuição.