“Efeito cicatriz”: desemprego atinge juventude com mais força e vai deixar marcas em geração

“Uma coisa que eu sempre pensava é: quando eu fizer 14 anos, vou poder ser jovem aprendiz e vou começar a trabalhar”. O sonho do jovem Phellipe Nunes, de 19 anos, morador do Itaim Paulista, na periferia de São Paulo, é o mesmo de milhões de outros brasileiros. Contudo, as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho são cada vez maiores na trajetória de Philippe e de outros jovens no Brasil e no mundo.

“Na periferia, entre jovens negros e pobres, o desemprego, sempre foi algo muito presente. Mas, a cada dia que se passa, é perceptível a dificuldade que a gente encontra na busca pelo emprego. A cada dia que se passa, isso se torna mais difícil”, diz o jovem.

O problema fica ainda maior quando se leva em conta a questão racial: “A busca pelo emprego quando se é negro é muito mais importante. Os dados apontam isso e a gente vê que a população negra no Brasil é a que ocupa a camada mais pobre do Brasil. Somos nós que estamos nas periferias e que sofremos com descaso e opressão há mais de 300 anos”.

“O primeiro desafio é você conseguir ser aceito pela sociedade. A primeira discriminação que a gente sofre na busca pelo emprego é no momento em que você vai para uma entrevista, e você tem que se adequar ao padrão estético que o meio empregatício impõe para que você seja bem visto”, diz Phelippe.

Em alguns casos, os desafios na busca pelo primeiro emprego são tantos que a pretensão de acessar o mercado de trabalho é deixada de lado. Em 2019, o Brasil tinha 47,2 milhões de jovens de 15 a 29 anos (28% da população ativa acima de 15 anos). No entanto, os jovens somavam mais da metade dos trabalhadores desocupados (54%).

Com a pandemia, dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que houve um aumento da inatividade, principalmente do número dos jovens desalentados, que desistiram de procurar emprego por não ter esperanças de que vão encontrar.

Segundo os dados da OIT, a crise econômica está afetando os jovens com mais força e rapidez do que qualquer outro grupo. Em todo mundo, mais de 1 em cada 6 jovens deixou de trabalhar desde o início da pandemia. Com isso, globalmente, o número de jovens desempregados chega a 67,9 milhões. 

O estudo Inserção dos Jovens no Mercado de Trabalho em Tempos de Crise analisa como os jovens brasileiros foram atingidos pela pandemia no momento de inserção no mercado de trabalho. Os números mostram que, nesse período de crise, tanto os jovens que perderam a ocupação como os desempregados estão deixando a força de trabalho.

“Isso aponta para um maior distanciamento do mercado de trabalho do que o observado na recessão anterior de 2015 a 2017”, afirma a consultora da OIT, Maíra Franca, autora do estudo. Entre os ocupados, segundo ela, é possível observar jovens ocupando postos de pior qualidade (com baixa remuneração, baixa produtividade e ausência de proteção social), o que mostra uma tendência de pior trajetória futura.

Segundo o estudo, o mercado de trabalho juvenil mudou com a categoria dos desalentados, além de ter aumentado o tempo de permanência no desemprego, embora tenha diminuído a entrada de jovens nessa situação no Brasil.

O desemprego é historicamente mais alto entre os jovens. A questão é que essa distância entre a média do País e a registrada entre eles aumentou na crise de 2015/2016, nunca mais voltou ao patamar anterior e, na pandemia, disparou ainda mais.

“A pandemia causa um triplo choque na população jovem. Ela mostrou que tem o potencial de destruir o emprego e de afetar negativamente a educação e a capacitação profissional e de colocar grandes obstáculos no caminho de quem procura entrar no mercado de trabalho ou mudar de emprego”, disse Martin Hahn, diretor do Escritório da OIT no Brasil.

Fonte: Brasil de Fato
Texto: Paulo Motoryn
Data original da publicação: 31/01/2022

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