Economia política do trabalho no capitalismo dependente: apontamentos sobre a marginalidade social e a superexploração da força de trabalho

Pedro Henrique Evangelista Duarte

Fonte: Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Niterói, n. 45, p. 93-118, out./dez. 2016.

Resumo: A teoria da dependência surgiu no quadro histórico latino-americano do início dos anos 1960, como uma tentativa de explicar o desenvolvimento na região, a partir do apontamento das especificidades de suas relações econômicas, políticas e sociais. Como parte dessa teoria, foram elaborados um conjunto de categorias, cujo foco central era compreender as particularidades da dinâmica das relações de trabalho no interior dessas economias dependentes, e como essa dinâmica era resultado próprio da forma como o capitalismo se consolidou na região. A partir desses aspectos, o objetivo do presente artigo é retomar duas dessas categorias – a marginalidade social e a superexploração da força de trabalho – e buscar mostrar, de um lado, a importância de sua elaboração para a compreensão das relações capital-trabalho nas economias periféricas e dependentes e, de outro, suas aparentes contradições e complementaridades para a fundamentação de uma economia política do trabalho no capitalismo dependente, enquanto base teórica para a explicação dos eventos estruturais e conjunturais das relações de trabalho dessas economias.

Sumário: Introdução | 1. A tese da marginalidade | 2. A tese da superexploração da força de trabalho | À guisa de conclusão: para uma economia política do trabalho no capitalismo dependente | Bibliografia | Notas

Introdução

A teoria da dependência surgiu no quadro histórico latino-americano do início dos anos 1960, como uma tentativa de explicar o desenvolvimento socioeconômico na região, em especial a partir de sua fase de industrialização, iniciada entre as décadas de 1930 e 1940. Essa corrente teórica propunha-se a tentar entender a reprodução do sistema capitalista de produção na periferia como um sistema que criava e ampliava diferenciações em termos políticos, econômicos e sociais entre países e regiões, de forma que a economia de alguns países era condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outras. A teoria da dependência nasce, então, enquanto um corpo teórico que, ao estabelecer uma contundente crítica aos pressupostos do desenvolvimentismo, e dentro do entendimento do processo de integração da economia mundial, busca

compreender as limitações de um desenvolvimento iniciado em um período em que a economia mundial já estava constituída sob a hegemonia de enormes grupos econômicos e poderosas forças imperialistas (SANTOS, 2000, p. 26).

Diferentemente das noções ancoradas no chamado “desenvolvimentismo”, a teoria da dependência não interpreta subdesenvolvimento e desenvolvimento como etapas de um processo evolutivo, mas sim como realidades que, ainda que estruturalmente vinculadas, são distintas e contrapostas, de modo que propõe superar a compreensão de subdesenvolvimento enquanto uma situação de desenvolvimento pré-industrial ou, em outros termos, desarmar a noção desses aspectos enquanto etapas de um continuum evolutivo. Segundo Marini (1992, p. 74), de acordo com a concepção desenvolvimentista,

[…] o subdesenvolvimento seria uma etapa prévia ao desenvolvimento econômico pleno (quando já se completou o desdobramento setorial), existindo entre os dois o momento da decolagem – do take off, para usar o jargão da época – no qual a economia em questão ostentaria já todas as condições para assegurar um desenvolvimento auto-sustentado.

Superada essa ideia, desenvolvimento e subdesenvolvimento passavam a ser vistos, dento dessa nova corrente teórica, como um par dialético, ou seja, o subdesenvolvimento tomava a forma de um produto do desenvolvimento capitalista mundial sendo, por isso, uma forma específica de capitalismo.

Do ponto de vista estritamente econômico, esse novo aporte teórico entendia que as relações estruturais de dependência estavam para além do campo das relações mercantis – como acreditavam os teóricos desenvolvimentistas –, configurando-se também no movimento internacional de capitais, em especial na figura dos investimentos diretos estrangeiros e na dependência tecnológica. A esses fatores, somava-se o imperialismo, que, na medida em que permeava toda a economia e sociedade dependentes, representava um fator constitutivo de suas estruturas socioeconômicas. Era a conjunção desses distintos mecanismos que integrava, de forma subordinada, a economia latino-americana à economia internacional.

O aspecto central da vertente marxista da teoria da dependência é a noção de que, frente ao parâmetro do modo de produção capitalista puro, a economia latino-americana apresentava certas peculiaridades que impediam que o capitalismo aqui se desenvolvesse da mesma forma como se desenvolveu nas economias consideradas avançadas. Por isso, ressalta que a compreensão do desenvolvimento capitalista latino-americano e sua especificidade periférica só ganhavam sentido se investigadas tanto no âmbito das relações política, econômica e social nacionais quanto no das internacionais. Segundo essa corrente, a dependência pode ser entendida como uma situação na qual a economia de certos países – os periféricos – está condicionada ao desenvolvimento e expansão de outras economias às quais está subordinada – as centrais –, de tal forma que os países centrais poderiam se autossustentar, enquanto que os países periféricos só poderiam expandir suas economias como um reflexo da expansão dos primeiros. Por isso, a condição de subdesenvolvimento estaria conectada estreitamente à expansão dos países centrais e, ainda que fosse a representação de uma subordinação externa, teria manifestações internas nos arranjos político, social e ideológico. Dentro disso, uma economia periférica, ou dependente, é considerada como o país ou região que apresenta, em geral, instáveis trajetórias de crescimento, forte dependência de capitais externos para financiar suas contas-correntes (fragilidade financeira), baixa capacidade de resistência diante de choques externos (vulnerabilidade externa) e elevados níveis de concentração de renda e riqueza (CARCANHOLO, 2009, p. 251).

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Pedro Henrique Evangelista Duarte. Instituto de Economia – Universidade Federal de Uberlândia.

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