Pessoas em busca de trabalho, terras sem utilização e infraestrutura a restabelecer. É necessário formar maiorias políticas para reverter a tragédia nacional.
Marcio Pochmann
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 11/04/2022
A hegemonia neoliberal nos últimos tempos apequenou e submeteu a política aos interesses maiores dos negócios econômicos. A confirmação disso transpareceu pela difusão interna no uso do slogan “É a economia, estúpido!”, apresentada pelo marqueteiro do Partido Democrata no contexto da campanha eleitoral dos Estados Unidos, no ano de 1992.
No caso brasileiro, contraditoriamente, o espaço ocupado pelos economistas e professores universitários (das universidades públicas) foi reduzido. Ao longo dos últimos anos, o tema econômico foi sendo reduzido aos seus aspectos técnicos pelos analistas do mercado financeiro e pelos especialistas de consultorias e escolas empresariais, que impuseram um determinado saber sobre a realidade.
Mesmo que a realidade teimasse em negar a retórica econômica, prevalecia, em geral, a aparência travestida de essência. No livro A Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, lançado em 1947, o papel da indústria cultural foi destacado e substituiu a espontaneidade da cultura de massa. A cultura foi mercantilizada.
Após anos de hegemonia neoliberal, o fracasso passou a ser admitido, mesmo por instituições internacionais vinculadas ao antigo Consenso de Washington (1989). O Brasil também deveria refletir sobre o equívoco teórico-ideológico de centrar na economia a responsabilidade pelos problemas vividos pelo país.
Atualmente, a economia nacional dispõe de enorme liquidez de capital estocada em plataformas de uma fictícia valorização financeira, internas e externas. Somente pendurado em títulos públicos, há cerca de sete trilhões de reais, o que equivale a 80% do Produto Interno Bruto. Recursos que poderiam ser direcionado à atividade produtiva geradora de riqueza , emprego e renda .
Oportunidades existem, pois o Brasil segue sendo um país em construção, com escassa infraestrutura, um elevado déficit habitacional, entre outras situações que pioram o padrão de vida do brasileiro e comprometem a competitividade produtiva. O problema no Brasil não é econômico. Existe capital disponível, pessoas em busca de trabalho, terras sem utilização e infraestrutura a construir.
O problema central da nação é de natureza política. A gigantesca dificuldade de formar uma maioria política não neoliberal tem impedido a convergência dos elementos constitutivos principais de sustentação de uma economia produtiva que utilize mais intensamente os recursos: capital, trabalho e terra.
Se for considerada a utilização das terras em um país de dimensão continental, percebe-se que menos de 10% do território nacional disponível para a agropecuária. Enquanto isso, em termos relativos, os Estados Unidos e a China utilizam a terra produtivamente quase duas vezes mais que o Brasil, ao passo que o Reino Unido utiliza 64% do seu território, seguido da Índia por 61% e da Alemanha por 57%.
Por todo lado, o Brasil mostra existirem pessoas disponíveis para trabalhar, na verdade, um a cada três brasileiros procura um trabalho e não encontra. Sem trabalho, eles não têm acesso aos salários e tão pouco ao mercado consumidor.
Em 2022, o Brasil deve completar nove anos sem crescimento econômico, algo desconhecido em todo o período republicano. O país condenado a ser um fazendão coloca algo em torno de 70 milhões de brasileiros tentando viver numa economia de subsistência em atividades legais ou não.
A solução dos problemas do Brasil requer compreender que a economia é apenas o meio para atingir o fim, já previamente definido politicamente. Ou seja, o que realmente importa é alcançar uma maioria política que de fato esteja interessada em mudar este quadro.
Marcio Pochmann é economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004.