Domésticos podem ficar fora da reforma trabalhista

Empregados domésticos estão à margem de alguns pontos da reforma trabalhista. Apesar da sanção do texto, prevalecem dúvidas, inclusive no próprio governo, sobre se, e como serão adotadas novas regras para a categoria. Uma das grandes questões é como aplicar a grande novidade da reforma: permitir que alguns pontos negociados em acordos coletivos se sobreponham à legislação. Segundo a lei, essa negociação só pode acontecer entre sindicatos de patrões e empregados.

No trabalho doméstico, porém, não há organização dos empregadores. Técnicos do governo estão debruçados sobre esboços para a regulamentação de pontos da reforma trabalhista que começa a vigorar em 11 de novembro. Nesse trabalho, há dúvidas sobre como serão adotadas muitas das novidades previstas na lei. Nas reuniões entre a Casa Civil e o Ministério do Trabalho, foram encontradas até algumas contradições no texto sancionado pelo presidente Michel Temer e há temas em que o projeto peca pela falta de clareza sobre como acontecerão as mudanças.

Por enquanto, prevalece o entendimento de que novidades como a possibilidade de troca do dia de feriado ou o novo contrato intermitente (modelo em que um trabalhador pode ser contratado por hora ou para cumprir uma atividade específica) poderão ficar de fora do universo do trabalho doméstico. Isso pode acontecer porque essas mudanças precisam passar pelo crivo ou ter parâmetros estabelecidos em acordo coletivo. Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tais acordos só podem ser assinados pelos sindicatos dos empregadores e dos trabalhadores. Empregados domésticos têm representação sindical, mas os patrões não contam com entidade representativa.

O banco de dados do Ministério do Trabalho mostra que há 36 sindicatos ativos de trabalhadores domésticos no País. Do lado dos patrões, no entanto, apenas três entidades representam os empregadores: um sindicato na capital paulista, outro em Campinas e um terceiro no Paraná. Todas as demais unidades da Federação não contam com representação ativa dos empregadores, o que inviabilizaria o fechamento de acordos coletivos. Além da falta de representação patronal, as entidades existentes têm baixa representatividade. Criado em 1989, o Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo, por exemplo, conta com apenas cerca de 200 associados – universo ínfimo em uma categoria que geralmente tem um empregador para cada empregado. A própria existência desses sindicatos patronais é questionada no mundo jurídico. O coordenador nacional de promoção da liberdade sindical do Ministério Público do Trabalho, João Carlos Teixeira, lembra que o conceito de “categoria econômica” citado pela CLT para criação de entidades patronais trata de uma característica comum entre agentes com os mesmos objetivos econômicos. “Qual é o interesse econômico entre empregadores, já que essa atividade não aufere lucro?”, questiona o procurador.

Para Teixeira, a dificuldade de regulamentar pontos da reforma trabalhista era esperada, já que o texto aprovado “apresenta muita incongruência jurídica e fere não só a Constituição como algumas convenções internacionais”. Apesar da dúvida sobre alguns pontos, a reforma não altera algumas possibilidades de acordo individual já previstas na legislação do trabalho doméstico, como a jornada de 12 horas trabalhadas com 36 de descanso ou a redução do intervalo de almoço para 30 minutos – novidades também previstas na reforma trabalhista. CLT e ‘PEC das domésticas’ divergem Em 2015, Dilma Rousseff anunciou com festa a assinatura de uma nova legislação para os domésticos que passou a dar mais proteção aos trabalhadores. Apesar da criação da chamada “PEC das domésticas”, a CLT ainda serve como parâmetro para vários aspectos da relação entre patrão e empregado dentro do lar. Com a reforma trabalhista, porém, a CLT foi alterada e agora há temas com regras divergentes que podem chegar à Justiça. A primeira polêmica é sobre o banco de horas. O texto da reforma diz que as horas acumuladas devem ser compensadas em, no máximo, seis meses. Já a PEC cita prazo maior, de 12 meses.

Para o procurador do Ministério Público do Trabalho João Carlos Teixeira essa divergência deve fazer com que prevaleça a condição mais favorável ao trabalhador. “No direito do trabalho, o princípio de hierarquia das leis não se aplica e vale o que for mais favorável – nesse caso, a compensação em menos tempo.” Outra divergência são as férias. A regra prevista na legislação dos domésticos permite parcelar o período de descanso anual em dois, sendo que um desses momentos deve ter pelo menos 14 dias. Já a reforma trabalhista prevê parcelamento das férias em até três períodos. A multa para o empregador que não registra o funcionário também causa dúvida.

Pela reforma, será aplicada multa de R$ 800,00 para pequenas empresas e de R$ 3 mil para as demais. Como o texto não faz menção ao trabalhador doméstico, há dúvidas se a regra será aplicada nesse caso. Há, ainda, pontos da reforma que devem gerar ônus ao doméstico. O texto cita que caberá ao empregador definir se o empregado usará uniforme. Se essa for a escolha do patrão, a lavagem das roupas será responsabilidade do empregado. Empregadores não sabem como ficarão as mudanças Weler Morais emprega quatro pessoas em Brasília. Três trabalham na Orus Clínica Odontológica e a quarta fica a quase 20 quilômetros dali, na residência do cirurgião dentista.

Pelos jornais, Morais acompanhou a reforma trabalhista e acredita que as mudanças na legislação poderão reduzir a burocracia e até os custos trabalhistas da clínica. Mas ele tem dúvidas se haverá benefícios para Neurailde Araújo, sua empregada doméstica há mais de 10 anos. “A reforma parece que pode ajudar a clínica. Poderá ser interessante conversar com as funcionárias sobre parcelar as férias como nós, os sócios, já fazemos. A saída amigável também poderá reduzir custos”, afirma o dentista. Como empregador, Morais acredita que a reforma é positiva porque deixa mais claras as obrigações e os deveres dos três sócios da clínica e também para as três funcionárias que trabalham de segunda-feira a sexta-feira na área central de Brasília. Mas o quadro muda quando o tema é Neurailde.

Mesmo registrada desde o início do trabalho, há mais de uma década, a empregada doméstica acompanhou os debates sobre a PEC das domésticas e, quando a proposta foi aprovada, a recebeu como um ganho de direitos. “Quando criaram a PEC, ela ficou realmente empolgada sobre os novos direitos. Mas com a reforma trabalhista parece bem diferente, porque ninguém fala nada sobre os domésticos. Nem parece que estão mudando a lei geral”, afirma o dentista. Na periferia da zona Sul de São Paulo, a reforma trabalhista também tem passado despercebida no número 2.661 da Estrada do MBoi Mirim. Lá, Cleusa Ferreira administra uma pequena empresa de empregos domésticos que agencia trabalhadores da região do Capão Redondo para clientes em bairros nobres como Campo Belo, Moema e Morumbi. “Ninguém veio perguntar dessa reforma. Parece que o empregador e o empregado só terão dúvida quando realmente precisarem contratar ou forem questionar alguma coisa na Justiça”, diz a dona da Cleusas Baby. Uma das promessas do governo ao defender a reforma trabalhista era a perspectiva de formalização dos trabalhadores.

Pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que o Brasil é o país com o maior número de trabalhadores domésticos do mundo: 7,2 milhões – e 17% das mulheres atuantes no mercado de trabalho são empregadas domésticas. Desse total, pouco mais de 30% tem carteira assinada, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Defensores da mudança na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dizem que a nova legislação vai facilitar a contratação de pessoas que atualmente são informais. Garçons de buffet, vendedores temporários ou babás eventuais eram citados como exemplos de categorias que poderiam ser formalizadas. Cleusa discorda que alguma coisa mudará para as babás eventuais e a culpa nem será da reforma. “Não acredito que as folguistas serão registradas. Hoje, uma babá que trabalha de sexta-feira à noite até segunda-feira de manhã costuma ganhar uns R$ 500,00 por fim de semana. Se registrar, o salário cai para R$ 1.200 ou R$ 1.300 por mês. Pelos R$ 700,00, aposto que elas não vão querer o registro”, diz

Fonte: Jornal do Comércio
Data original da publicação: 14/08/2017

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