por Igor Natusch
“Nossa intenção não é só discutir trabalho como um tema dentro dos filmes, mas tudo que há de trabalho em torno dessa coisa de fazer filmes”.
A frase de Glaucia Campregher, professora de Economia da UFBA, resume bem o que leitores e leitoras podem esperar na nova fase da seção Trabalho no Cinema, que volta a ser publicada com regularidade no Democracia e Mundo do Trabalho em Debate – DMT. Com artigos divididos entre Glaucia e a filha Isadora Campregher Paiva, mestre em Sociologia pela UFRGS e pesquisadora na Goethe-Universität Frankfurt, na Alemanha, a seção pretende trazer um olhar diferenciado às coisas do cinema, acrescentando diferentes camadas de análise ao que se passa na tela grande.
Para as duas novas responsáveis pela coluna, a parceria com o DMT é a chance de concretizar, em uma nova dimensão, um esforço de compreensão muito importante em suas trajetórias acadêmicas. Observando o trabalho a partir de uma perspectiva marxista, Glaucia pesquisa sobre o tema desde o mestrado, procurando expandir seu olhar para além dos estudos do mercado de trabalho. “A paixão pelo cinema era outra história, meio que um pouco de inveja de uma profissão que eu não tive. Ao mesmo tempo, quem estudou comigo sabe que eu sempre me apoio muito no cinema nas aulas”, diz ela.
Em quatro oportunidades, Gláucia conduziu um curso baseado em um ciclo de filmes, chamado O capitalismo visto do cinema, e trazia há tempos a vontade de organizar um livro a partir das anotações. A parceria com o DMT surge para realizar esse desejo, em outro formato. “Eu adorei a ideia, porque agora vamos ter um repositório, algo que vai ficar, que vai sistematizar esse material.”
Isadora, por sua vez, encontrou no curso da mãe uma espécie de ponto de partida: atuava como assistente, indo atrás das mídias físicas para exibição, muitas vezes bem complicadas de localizar. Depois de cursar Relações Internacionais na graduação, ela passou a escrever sobre cinema no âmbito do mestrado, e logo descobriu a vontade intelectual de pensar o cinema um pouco fora da caixa. “A leitura mais comum é analisar filmes pela sua narrativa interna, e eu sempre me senti inclinada a ver a narrativa mais como um produto da sociedade que produz esses filmes”, diz ela.
Sua dissertação de mestrado tratou das mudanças nos ideais de masculinidade entre as Grandes Guerras na Alemanha e no Reino Unido, analisando filmes da época para essa observação. Hoje, ela faz um segundo mestrado na Alemanha, onde também ministra disciplinas como ‘Understanding Hollywood’, que discute aspectos institucionais e sindicais ligados ao grande polo do cinema nos EUA.
Com essa bagagem, as duas têm a capacidade de propor, com autoridade, a união entre polos que, geralmente, surgem desconectados nos esforços acadêmicos sobre o tema. “Como muitas vezes na academia, os diferentes centros não se conversam”, pondera Isadora. “A maioria das pessoas vai na direção dos estudos de cinema por conta de uma paixão estética, e faz sentido que escrevam sobre coisas mais restritas a esse aspecto. Há pessoas na economia escrevendo sobre o cinema a partir de uma perspectiva de trabalho, mas acaba ficando muito divorciado. Nas minhas aulas, eu usava artigos conectados à área de business, e eu me via muitas vezes com a necessidade de fazer correções, porque apareciam erros que pessoas mais próximas do lado estético do cinema não cometeriam”, acrescenta.
“O cinema meio que antecipa algumas tendências”, acrescenta Glaucia. “Por exemplo, essa coisa de trabalhar por projeto, de juntar uma equipe para cumprir uma missão específica, que é o filme. Isso é uma realidade do cinema há muitas décadas, e hoje está se espalhando mais e mais, para diferentes ramos. Há uma reflexão muito interessante sobre o que é coletivo e o que é valor individual dentro disso”, reforça. “A crítica (na esfera acadêmica) muitas vezes não extravasa, não bagunça a cabeça das pessoas – e filmes como Parasita (filme sul-coreano vencedor do Oscar) fazem exatamente isso. Não é possível que a gente não use essa força do cinema para devolver nossa crítica para a sociedade.”
Um esforço de reflexão que, como argumenta Isadora, também alcança questões estruturais da nossa sociedade. “É importante questionar, entre outras coisas, o que é papel técnico e criativo no cinema. Essa divisão, às vezes, é arbitrária. Edição, por exemplo: é criativa ou técnica? Hoje é comum que seja vista como uma atividade criativa, mas no passado, quando essa função era exercida praticamente só por mulheres, era considerada algo puramente técnico. Se alegava que a mão da mulher era melhor para fazer o corte de forma precisa, ou seja, que era uma questão mecânica e não de sensibilidade criativa”, acentua.
A partir de agora, essa riqueza de olhares e possibilidades passa a estar presente no DMT. Esperamos que os leitores e leitoras se sintam tão instigados quanto nós para explorar essas avenidas, caminhos que levam a diferentes leituras sobre a potência humana aplicada ao cinema.
É possível conferir aqui o primeiro texto da nova fase da seção.