O combate à desigualdade de gênero está diretamente relacionado com conquista de direitos iguais para todos os humanos. É preciso garantir todos os cidadãos terem os mesmos direitos civis e políticos, independentemente de raça, condição social ou gênero.
Fernando Nogueira da Costa
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 01/11/2019
A desigualdade de gênero é um fenômeno social estudado pela Sociologia. Quando ocorre discriminação e/ou preconceito face a outra pessoa por conta de seu gênero (feminino ou masculino) é possível de ser detectado por indicadores conjunturais ou essa desigualdade é histórica e estrutural, pouco variando ao longo do tempo? Reflete condições educacionais e capacitações profissionais díspares entre os gêneros ou desigualdade de oportunidades, dados os poderes de barganha diferenciados?
Essa discriminação é observada principalmente quando, no âmbito profissional, pessoas do gênero feminino recebem salários inferiores aos de pessoas do gênero masculino, mesmo ambos exercendo a mesma função. Também existe discriminação quando ocorre a criação de hierarquia familiar com a mulher subordinada a um homem, especialmente, a respeito a tarefas domésticas. A divisão de tarefas sexuais não se dá apenas na gravidez para a reprodução, mas muitas vezes também na educação dos filhos e nos cuidados com o lar. Homens cuidam de obter receitas para a família e mulheres controlam as despesas domésticas.
O combate à desigualdade de gênero está diretamente relacionado com conquista de direitos iguais para todos os humanos. É preciso garantir todos os cidadãos terem os mesmos direitos civis e políticos, independentemente de raça, condição social ou gênero.
Para investigar a desigualdade de gênero em Finanças, isto é, gestão da própria riqueza financeira, é necessário evitar confusão entre os conceitos de gênero e de sexo. Tradicionalmente, a palavra gênero é vista como sinônimo da palavra sexo, ou seja, uma pessoa do sexo feminino é também do gênero feminino. Sob o ponto de vista politicamente correto, trata-se de um conceito social capaz de indicar aspectos culturais e sociais associados a um determinado gênero.
Deve-se atentar para a identidade de gênero, isto é, como um indivíduo se identifica com o sexo ao qual pertence biologicamente, podendo ou não estar em conformidade com esse fator biológico. Uma pessoa nascida com o sexo biológico feminino, por exemplo, pode não se sentir à vontade socialmente e se identificar mais com o gênero masculino, optando assim por viver de acordo com essa identificação. Nesse caso, trata-se de transgênero, ou seja, o gênero define a identidade sexual de um indivíduo.
Já o sexo de um indivíduo está relacionado ao âmbito biológico. Refere-se ao sexo com o qual uma pessoa nasceu, independentemente do sexo com o qual essa pessoa se identifica. Engloba, principalmente, características biológicas comuns a determinado sexo, como o sistema reprodutor (masculino ou feminino) e determinadas características físicas como musculatura e voz.
Na sociedade brasileira, a desigualdade entre gêneros ainda é a realidade de diferentes segmentos sociais. O Brasil ocupa o 90º lugar no ranking do Fórum Econômico Mundial sobre a igualdade entre homens e mulheres em 144 países. Pior, caiu cerca de 11 posições nesse ranking nos últimos anos, demostrando um retrocesso recente no processo de luta pela igualdade de gênero. Por isso, “ele não!”
Fatores relacionados com as possíveis causas da desigualdade de gênero podem ser vistos no mercado de trabalho. A possibilidade de demissão das recém-mães até dois anos após o término da licença-maternidade é maior face a mulheres solteiras ou sem filho(s). O assédio sexual também não é raro em ambientes profissionais machistas.
O Brasil passou da 86ª para a 110ª colocação no ranking de “Empoderamento Político”, por conta de poucas mulheres nos recentes ministérios do governo federal ou candidatas mulheres apenas para cumprir a lei, sendo tratadas como “laranjas”. O gênero masculino domina áreas como Ciências Exatas e Ciências Biológicas, embora essas habilidades não estejam relacionadas a características inatas, mas sim a fatores culturais e ao preconceito de gênero. Porém, o gênero feminino está superando o masculino no acesso ao Ensino Superior e na conclusão da graduação em geral.
O índice de escolaridade da população de gênero feminino ser superior ao de gênero masculino, mas as mulheres enfrentam maior dificuldade na busca por um emprego e na atribuição de seus salários. No segundo semestre de 2017, a média salarial do gênero feminino equivalia a 87% da média salarial do gênero masculino. O desemprego também aponta desvantagem para as mulheres: o índice de desemprego do gênero feminino é de 13,4%, enquanto o do gênero masculino é de 10,5%.
Apesar de todos esses significados da desigualdade de gêneros, ainda não se encontra um estudo, mesmo breve, sobre a ocorrência desse fenômeno nas Finanças. Fui cobrado por isso por uma amiga feminista. O feminismo não defende as mulheres serem melhores, se comparadas aos homens, ou terem relativamente mais direitos, mas sim luta pelo direito à igualdade. Nesse sentido, deve ser composto por todos igualitários de esquerda.
Começando a análise da Desigualdade de Gênero em Finanças pelas Declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física do exercício 2018 – ano calendário 2017, observa-se 43% declarantes serem do gênero feminino. No entanto, recebem apenas 38% dos rendimentos totais e só têm 29% do patrimônio líquido total – bens e direitos descontados de dívidas e ônus. Há maior equilíbrio entre participações nos números de declarantes (43%) e doações e heranças (42%). Estas, nas declarações conjuntas realizadas por mulheres (3%), somam pouco às realizadas individualmente (39%). No caso de declarações conjuntas feitas por homens somam muito (27%). Os casamentos dos homens com herdeiras mais ricas talvez expliquem o fenômeno: “golpe do baú”?
O lema “unidos venceremos” parece ser verdadeiro para as 902 mil declarações conjuntas. Seus rendimentos totais per capita se destacam face aos das 28,2 milhões individuais por serem, na prática, rendas familiares. Porém, as realizados por homens registram quase o dobro (R$ 29.244) das efetuadas por mulher chefe-de-família (R$ 15.688).
Vale advertir sobre o fato desses rendimentos totais representarem a soma de rendimentos tributáveis (de trabalho), tributados exclusivamente na fonte (13º, juros, PLR, etc.), isentos e não tributáveis (lucros e dividendos recebidos, transferências patrimoniais sob forma de doações e heranças, etc.). Relativamente, o gênero feminino tem mais rendimentos tributáveis (64% contra 56%) e menos isentos (27% contra 33%). Mas quem mais se beneficiam de rendimentos isentos são os 623 mil casais com declarações conjuntas feitas pelo chefe-de-família masculino: 50% dos rendimentos totais são isentos. São as famílias com renda per capita mensal mais elevada: R$ 29.244, portanto, inclusa no top 1% mais rico. São 2% dos declarantes com 12% do total do patrimônio líquido.
Outra tendência de mudança social diz respeito à maior participação de mulheres no total de investidores Pessoa Física na bolsa de valores. Embora sua maior participação relativa tenha ocorrido em 2012, durante a “Cruzada da Dilma” contra os juros altos brasileiros, com 25,3%, no ano corrente o número de investidoras (317 mil) está acima do dobro do número (142 mil) no fim de 2017.
Como mais uma prova de as mulheres não serem diferentes, inclusive no instinto especulativo, elas superam os homens em acumulação per capita de valores em ações: R$ 216 mil contra R$ 196 mil. Mulheres ricas não necessitam ser consumistas alienadas, caricaturas auto impostas por “machismo” igual e contrário.
Obs.: abaixo de 3 salários mínimos (“classe de baixa renda”), as mulheres têm menores participações relativas, de 3 a 10 (“classe média”), maiores participações, e acima de 10 (“classe alta”), ligeiramente menor em relação aos homens. Quanto mais elevadas as faixas de salários mínimos, maiores as participações masculinas entre os declarantes.
Fernando Nogueira da Costa é professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018).