Mais de 62 milhões de brasileiros estão endividados. Isso significa que quase metade da população adulta do país não consegue pagar todas as suas contas, segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Dados divulgados neste mês apontam que a inadimplência dos consumidores segue alta pelo 11º mês consecutivo.
A maior parte de brasileiros com o nome sujo está na faixa etária dos 30 aos 39 anos, e somam 17,9 milhões de pessoas. Fausto Augusto Júnior, coordenador de Educação do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), avalia que o aumento de desemprego é um elemento fundamental para a compreensão desse alto numero de inadimplência. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego no país era de 12,4% no segundo trimestre deste ano.
“A taxa de desemprego cresceu e adentrou o núcleo duro do mercado de trabalho, que são os chefes de família. Quando a taxa de desemprego aumenta dentro desse núcleo estrutural do mercado, o resultado são as mazelas que estamos vendo. A inadimplência é uma delas”, afirma Augusto.
“O aumento do trabalho infantil, o reaparecimento de trabalho escravo, a degradação das condições de trabalho, o aumento da informalidade, tudo tem a ver com o fato do provedor, do chefe de família, seja homem ou mulher, estar desempregado”, completa.
Os dados dos institutos mostram ainda que a inadimplência cresceu em todas as regiões do país e segue aumentando, principalmente, entre a população mais velha. Em comparação com o mês de agosto do ano anterior, a quantidade de indivíduos com idade de 65 a 84 anos que estão com Cadastro de Pessoa Física (CPF) restrito aumentou em 9,5% e atinge 5,4 milhões de pessoas.
Na opinião do coordenador do Dieese, isso acontece porque os idosos passam a ser responsáveis pelo sustento da família em períodos de crise socioeconômica.
“Quando esse núcleo estrutural do mercado de trabalho fica desempregado, a tendência é do idoso adentrar e passar a financiar parte das famílias. Bem ou mal, apesar do valor da previdência social do Brasil ser extremamente baixo para uma parte da população, ele é uma renda organizada. É natural que esse sujeito, esse aposentado, vá para o endividamento”, acredita Augusto.
Juros altos
Segundo Juliane Furno, doutoranda em Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além do alto índice de desemprego, o custo do crédito também é responsável pelo aumento do endividamento.
“O custo do crédito no Brasil é um dos mais altos do mundo, o custo do cheque especial e do cartão de crédito estão entre os mais absurdos. Por um lado, eles inibem o gasto. Por outro, como a população tem muita demanda pelo consumo, ela é obrigada a pegar um crédito mais caro, a usá-lo, e, consequentemente, a ficar endividada, presa no sistema financeiro”, diz a pesquisadora.
O processo de endividamento se acentuou nos últimos anos. De acordo com Furno, os economistas de mercado atribuíram o aumento da inflação brasileira, que estava em 10% no biênio 2013/2014, a um suposto excesso de consumo da população, que estaria sendo motivado pelo aumento real do salário mínimo. Para restringir tal consumo, para o mercado, a solução foi a restrição de crédito aumentando taxas de juros, o que prejudicou a população. O resultado dessa política foi a redução da atividade econômica e, por consequência, o aumento do endividamento dos brasileiros.
“As pessoas fizeram dívidas, tiveram acesso ao sistema bancário, algo que elas não tinham antes. Mas, boa parte delas ficaram desempregadas, tiveram carga de trabalho diminuída, ou passaram para contratos intermitentes. A segurança que possibilitava o comprometimento com o empréstimo acabou. Quando a família está em uma situação dessas, entre optar por pagar contas como aluguel, luz, alimentação, e entre pagar uma dívida, vai deixar de pagar uma dívida e se endividar, para dar prioridade aos gastos da família”, pontua Furno.
Consequências econômicas
Fausto Augusto Júnior também avalia que as altas taxas de juro são responsáveis pela alta inadimplência. “As instâncias financeiras aplicam juros de agiotagem”, critica. “Uma pessoa que tem uma renda relativamente baixa, como é o caso de um trabalhador médio brasileiro, quando fica doente, é razoável que adentre a taxa de endividamento. Para comprar remédio, uma coisa muito simples, comprará no cartão de crédito. No fim do mês, não conseguirá pagar as contas da casa e o cartão de crédito. Sem equacionar minimamente esse cenário que estamos hoje, de aumento da inadimplência, do sujeito não ter crédito, haverá mais dificuldades para alterar o patamar de crescimento [do país] e tentar acelerá-lo”, complementa.
Juliane Furno ressalta que a ausência de políticas sociais, o desemprego e o endividamento, reflete de uma forma perversa na economia. “Quando as pessoas estão endividadas, a tendência é que assim que conseguirem aumentar a renda e se estabilizar, se comprometam a pagar a dívida e não a consumir. O problema do endividamento é ruim para as pessoas e é muito ruim para as possibilidades da economia sair da crise. A população irá, em primeiro lugar, pagar essas dívidas para depois voltar a criar uma demanda que aqueça a economia para voltarmos a crescer. [O endividamento] é mais um obstáculo ao crescimento econômico a curto prazo. Mais uma prova de que não temos nenhuma possibilidade de sair dessa crise, apontando para esse horizonte”.
Para a doutoranda, o Estado peca ao não fazer um controle maior do sistema financeiro para impedir que se cobre taxas abusivas.
Fonte: Brasil de Fato
Texto: Lu Sudré
Data original da publicação: 17/09/2018