Crise no Brasil é principalmente industrial

Há consenso de que a falta de competitividade da indústria brasileira não se deve apenas ao câmbio, mas também à falta de inovação tecnológica, baixa escolaridade, infraestrutura precária e um sistema tributário enredado.

Mario Osava

Fonte: Envolverde, com IPS
Data original da publicação: 18/01/2016

A economia no Brasil atravessa uma recessão vista como um ciclo que, embora mais prolongado do que outros, será superado em um ou dois anos. Entretanto, sua indústria parece viver uma crise que coloca em dúvida seu destino. Há praticamente dois anos que diminui sua produção, em uma tendência que se agrava, sem perspectivas de reversão.

Em novembro de 2015, a queda foi de 12,4% em comparação com novembro de 2014, segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).A comparação mais ampla, de janeiro a novembro de 2015 com relação a igual período de 2014, mostra retrocesso de 8,1% em todo o setor e de 9,7% na indústria de transformação, fundamental para o desenvolvimento de um país e para a geração de melhores empregos.

A queda da indústria brasileira vem de muitos anos, mas seus indicadores negativos eram “amortizados” pela atividade extrativista, mineral e petroleira, cujo crescimento “compensava” a retração da manufatura, apontou Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).Com a queda dos preços internacionais das matérias-primas, desde 2014, e a desaceleração do crescimento econômico da China, o setor industrial do Brasil perdeu o “colchão” do setor extrativista que atenuava suas perdas, acrescentou.

Em novembro de 2015, houve uma queda adicional da produção extrativista por causa do rompimento da represa de dejetos da mineradora Samarco, uma associação entre a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. Os efluentes provocaram uma tragédia ambiental ao cobrir de lama cerca de 600 quilômetros do rio Doce, um eixo da mineração nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, afetando a atividade durante aquele e os meses seguintes, acentuando, assim, os índices depressivos da indústria.

“Mas o núcleo duro do setor (bens de capital e bens de consumo duráveis) sofre, de fato, uma crise aguda”, destacou Cagnin. Nos primeiros 11 meses de 2015, máquinas e equipamentos produtivos amargaram a queda de 25,1% em sua atividade com relação a igual período de 2014. Os bens duráveis caíram 18,3%, encabeçados por automóveis e aparelhos elétricos e de uso doméstico.

Há setores em que os dados são mais desanimadores. Os equipamentos para construção sofreram queda recorde de 57,8%, lamenta a Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração (Sobratema). Além da recessão, do desemprego e da inflação, que afastam os brasileiros do mercado imobiliário e reduzem os investimentos em grandes projetos de mineração e infraestrutura, o escândalo de corrupção na Petrobrascontribuiu para isso.

As maiores construtoras brasileiras foram envolvidas nas investigações policiais sobre o pagamento de propinas, a políticos e diretores da Petrobras, para a obtenção de contratos milionários. Alguns dirigentes da empresa foram detidos. A construção, cuja ativação normalmente serve para tirar economias da paralisia, não pode, no momento, cumprir essa função.

Ao contrário, se transformou em uma máquina de desemprego. Demitiu cerca de 514 mil pessoas em 2015, segundo o Sindicato da Indústria da Construção de São Paulo. Segundo seus dados, o total de trabalhadores na atividade no país voltou ao nível de 2010, aproximadamente 2,9 milhões de empregados formais.

A desvalorização do real é apontada como uma porta para a recuperação econômica. A moeda perdeu 46% de seu valor em relação ao dólar no ano passado. “O câmbio, que esteve fora do lugar muito tempo, agora restabelece a competitividade da indústria nacional, amplia possibilidades de exportação e abre mercados, mas somente como potencialidade”, alertou Cagnin.

Os efeitos positivos da desvalorização do real “requerem muito tempo”, porque exigem um esforço para “buscar antigos clientes, refazer contratos, ampliar a oferta. Muitas empresas que saíram do mercado internacional, perderam compradores, agora têm que reiniciar os contatos, voltar a mostrar seus produtos”, afirmou o economista.

Segundo Cagnin, “tudo isso exige recursos financeiros, viagens, escritórios no exterior, mais pessoal voltado às exportações”. Mas o câmbio desvalorizado “também favorece a reconquista do mercado interno que, no Brasil é o principal, por seu tamanho. Exportar é uma alternativa”,ressaltou. E, “além disso, o mercado internacional não está bom para se pescar, com o comércio exterior crescendo menos do que o produto bruto internacional, ao contrário do passado, e por isso intensificando a competição”, pontuou.

Somam-se a isso as incertezas sobre a China, que tende ser mais agressiva para vender mais, desvalorizando sua moeda.A instabilidade na recuperação norte-americana e a paralisação em outros mercados ricos são travas à exportação de produtos industriais brasileiros.

Por outro lado, a “desvalorização cambiária aumenta custos”. A desvalorização do real nas duas últimas décadas “estimulou as empresas brasileiras a substituírem insumos nacionais pelos importados, dolarizando parte de seus custos, que agora subiram com a moeda desvalorizada”, explicou Cagnin. “No longo prazo, a desvalorização é positiva, mas no curto impõe muitos desafios, como revisão da estratégia, substituição de importações se possível, mas produzindo similares no país com a mesma qualidade do importado”, disse.

As perdas acumuladas da indústria são “o epicentro da crise econômica” brasileira, segundo o Iedi, criado em 1989 por um grupo de empresários de São Paulo, o Estado mais industrializado do país. A produção industrial voltou ao nível de 2009, pelos seguidos retrocessos no setor, cuja utilização da capacidade instalada caiu para 74,6% em novembro, 5,7 pontos percentuais a menos do que um ano antes.

Grande parte do retrocesso se deve à valorização cambial que se fez permanente, inclusive como instrumento para conter a inflação, desde 1994, quando o Brasil conseguiu controlar a hiperinflação com o Plano Real. Só houve um intervalo de quatro anos a partir de 2002, quando a eleição de Luis Inácio Lula da Silva à Presidência do Brasil gerou temores que depreciaram a moeda.

Um câmbio que fomentava as importações para pressionar as empresas locais a baixarem seus preços e juros altos conseguiu superar décadas de inflação de dois, três e até quatro dígitos que tumultuavam a economia, travando seu crescimento e agravando as desigualdades.

Mas é conhecido o efeito destrutivo, especialmente para a indústria de transformação, exercido pela supervalorização que muitos denominam de “populismo cambiário”, por elevar artificialmente a renda nacional e favorecer viagens ao exterior e a importação de bens sofisticados.

No entanto, há consenso de que a falta de competitividade da indústria brasileira não se deve apenas ao câmbio, mas também à falta de inovação tecnológica, baixa escolaridade, infraestrutura precária e um sistema tributário enredado.A crise atual não parece representar um ciclo de baixa, mas a necessidade de se revisar o desenvolvimento econômico do Brasil.

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