Crise e desemprego no Brasil

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Como evoluiu a desocupação desde 2014

Ao final do ano de 2019, havia mais de 12 milhões de pessoas desempregadas no Brasil. Essas pessoas não dispunham de uma ocupação que lhes garantisse renda regular e estavam ativamente em busca de um trabalho. Representavam quase 12% da força de trabalho do país. Vale dizer, aproximadamente uma em cada oito pessoas economicamente ativas não possuía um trabalho que lhe permitisse acessar os meios para a sobrevivência de sua família. O pano de fundo desta situação é a crise recessiva dos anos de 2015 e 2016, à qual se seguiram três anos de estagnação da economia brasileira. Com isso, o desemprego dobrou de tamanho na recessão e se manteve em elevado patamar desde então. A Figura 1, que mostra os dados trimestrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, sintetiza a evolução recente da desocupação no mercado de trabalho brasileiro.

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais.

Neste texto, examinamos o perfil da desocupação sob quatro diferentes óticas: sexo, idade, cor e grau de instrução entre o primeiro trimestre de 2014 (2014t1) e o terceiro trimestre de 2019 (2019t3). O propósito é mostrar como evoluiu a desocupação para diferentes grupos da população brasileira.

A desocupação de homens e mulheres

O nível de desocupação de homens e mulheres, como esperado, descreveu uma trajetória semelhante à do total da economia: entre o último trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2017, o número de desempregados em ambos os grupos mais do que duplicou em decorrência da forte recessão; a partir de então e até o terceiro trimestre de 2019, o número de desocupados apresentou uma leve tendência à retração. Durante todo este quinquênio, o número de mulheres desocupadas foi superior ao de homens desocupados, como se observa na Figura 2. Em 2019t3, havia 827 mil mulheres desempregadas a mais do que homens desempregados.

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais.

O comportamento da taxa de desocupação acompanhou o crescimento do número de desempregados. Na Figura 3, observamos o salto na taxa de desocupação a partir do final do ano de 2014, até atingir os picos de 15,76% para as mulheres e de 12,14% para os homens no início do ano de 2017. Com a lenta redução no desemprego que ocorreu até o penúltimo trimestre de 2019, houve um corte de cerca de dois pontos percentuais nas respectivas taxas, mas ambas permaneciam em torno de 60% maiores do que antes da crise. Considerados os seis anos de 2014 a 2019, a diferença absoluta nas taxas de desocupação entre mulheres e homens evidenciou uma tendência a crescer: era de 2,89 p.p em 2014t1 e atingiu 3,93 p.p em 2019t3. Em paralelo, a diferença no número de desocupados evoluiu de 475 mil pessoas para 827 mil pessoas, 74% a mais de mulheres desempregadas neste período.

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais.

Este aumento na diferença do desemprego entre homens e mulheres no período de 2014 a 2019 merece ser observado com mais detalhes. Isto porque, ainda que a diferença absoluta entre os níveis e taxas de desemprego tenha crescido de forma linear, o mesmo não ocorreu ao se considerar à diferença relativa nesses níveis e taxas de desemprego. A Tabela 1 mostra os números de desempregados homens e mulheres em 2014t1 e 2019t3 e a diferença relativa entre eles. No início do período, o número de desempregadas mulheres era 14,56% maior do que o de desempregados homens; ao final do período, essa diferença era praticamente a mesma (14,15%).

Tabela 1: Número de desempregados homens e mulheres, Brasil, 2014t1 e 2019t3

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais.

Com base em indicadores relativos, notam-se dois períodos distintos de ajustamento da desocupação por gênero ao longo da conjuntura de crise que se abriu em 2015. Vamos ilustrar com a evolução do contingente de desempregados em cada grupo. As variações no número de desempregados dependem basicamente de três fatores: a população em idade de trabalhar (PIA); a parcela dessa população que se encontra ativa no mercado de trabalho e constitui a força de trabalho (taxa de participação); e a parcela da força de trabalho que se encontra desocupada (taxa de desocupação). Para um grupo qualquer da população, o número de desempregados aumenta sempre que ocorre um aumento na PIA, na taxa de participação e na taxa de desocupação, sem que ocorra uma variação compensatória em qualquer desses fatores.

A Figura 4 apresenta a trajetória da diferença no número de desempregadas mulheres vis-à-vis desempregados homens e em cada uma das variáveis apresentadas para explicar essa diferença. Os quatro indicadores estão em números-índice: na linha contínua preta em 2014t1, o índice 114,56 mostra a diferença no número de desocupados onde, para cada 100 homens desempregados, havia 114,56 mulheres na mesma condição (14,56% a mais). Uma redução nesse índice, como aconteceu entre o ano de 2014 e o final do ano de 2016, significa que a diferença relativa no número de desocupados diminuiu; de outro lado, um aumento nesse índice significa que a diferença relativa aumentou, o que se percebe entre o final de 2016 e o terceiro trimestre de 2019.

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais.

A Figura 4 mostra o ajustamento do mercado de trabalho desde a recessão iniciada em 2015 no que tange ao desemprego de homens e mulheres. Em síntese, a linha da diferença no número de desocupados sugere que a recessão atingiu mais fortemente a ocupação dos homens, uma vez que a diferença entre os gêneros se reduziu gradualmente até virtualmente desaparecer ao final de 2016. No entanto, na fase de baixo crescimento da economia brasileira que se seguiu no triênio 2017-2019, foi a desocupação das mulheres que se tornou mais pronunciada em relação à dos homens. Há dois fatores principais que concorrem para esses resultados. Entre 2014 e 2016, a taxa de desocupação das mulheres caiu substancialmente em relação à dos homens, ocasionando queda na diferença do número de desempregados para apenas 20 mil pessoas em 2016t3. Na fase de estagnação econômica, a taxa de desocupação das mulheres voltou a aumentar em relação à dos homens, sendo acompanhada por um aumento relativo também na taxa de participação. Como resultado, o número de desocupadas cresceu até atingir a diferença de mais de 800 mil pessoas em 2019t3.

O desemprego por grupos etários

Considerando agora a decomposição do número de desocupados com base nas cinco faixas etárias adotadas pela PNAD Contínua, é possível identificar que o aumento do desemprego atingiu todos os grupos populacionais, dos mais jovens aos mais idosos (Figura 5).  A comparação entre o início (2014t1) e o final do período (2019t3) mostra os seguintes resultados: no grupo dos jovens de 14 a 17 anos, houve um aumento de 301 mil pessoas desempregadas; no grupo dos jovens adultos (18 a 24 anos), o incremento foi mais significativo, passando de 2.378 mil para 3.997 mil desocupados (acréscimo de 1.619 mil desempregados); o grupo de 25 a 39 anos teve um salto no seu continente de desocupados ao passar de 2.530 mil para 4.242 mil pessoas, acarretando 1.712 mil pessoas a mais na condição de desemprego; no grupo de 40 a 59 anos, o número de desempregados aumentou em 1.608 pessoas, oscilando de 1.298 mil para 2.906 mil desocupados; por fim, a desocupação no grupo mais idoso (60 anos ou mais) aumentou em 261 mil pessoas, de 125 mil para 374 mil desempregados.

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais.

Em termos relativos, todavia, os grupos mais afetados pelo desemprego pós-2015 foram os das pessoas mais idosas. As pessoas com 40 anos e mais, que representavam 20,3% do total de desocupados no início de 2014, aumentaram sua parcela da desocupação para 26,2% no terceiro trimestre de 2019. Em contrapartida, a fração dos grupos mais jovens no desemprego diminuiu: de 9,6% para 8,0% entre 14 e 17 anos; de 34,0% para 32,4% entre 18 e 24 anos; e de 36,1% para 34,4% entre 25 e 39 anos.

O desemprego por raça-cor

Ao se analisar a evolução do desemprego sob a ótica de raça-cor, conforme a classificação da PNAD Contínua, percebe-se, como na decomposição por gênero e por faixas etárias, que a crise recessiva atingiu todos os segmentos. Entre o início de 2014 e o terceiro trimestre de 2019, o número de desocupados pardos, que formam o maior contingente, cresceu em 2.955 mil pessoas; o de desocupados brancos em 1.603 mil pessoas; e o de desocupados pretos em 894 mil pessoas (Figura 6).

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais.

Em termos relativos, os dois grupos mais afetados pelo aumento do desemprego foram o das pessoas pretas e pardas. Isto porque, contrastando a composição do desemprego no início e final do período, houve um aumento na participação dos pretos de 9,9% para 12,7% do total dos desocupados e dos pardos de 51,6% para 52,5%, enquanto a participação dos brancos recuou de 38,0% para 34,0% do total, nos períodos 2014t1 e 2019t3.

O desemprego por grau de instrução

Considerando, para concluir, a evolução dos desocupados por grau de instrução ao longo dos cinco anos de crise econômica, constata-se que todos os grupos foram atingidos pelo aumento do desemprego (Figura 7). Em termos relativos, o crescimento foi mais intenso para os grupos de maior escolaridade, o que pode indicar que a lenta recuperação da ocupação a partir de 2017 se deu com base em postos de trabalho de menor qualidade e que não necessitam de melhor formação educacional para seu preenchimento. Assim, a participação do grupo dos desempregados com ensino médio completo passou de 37,1% para 37,3% do total de desocupados; a dos desempregados com ensino superior incompleto saltou de 5,6% para 7,0%; e a dos desempregados com ensino superior completo evoluiu de 8,6% para 9,6% do total.

Fonte: PNAD Contínua – IBGE, base Sidra. Elaboração dos autores.
Nota: os dados são médias trimestrais.

Virginia Rolla Donoso é economista e trabalha no site Democracia e Mundo do Trabalho. É mestre em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Carlos Henrique Horn é economista e diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em Industrial Relations pela London School of Economics and Political Science.

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