Continuidade dos avanços trabalhistas é o grande desafio para governo de coalizão na Espanha

Fotografia: Joaquin Corbalan/Freepik

por Laura Glüer

Há alguns anos, a Espanha vive um processo gradual de retomada dos direitos trabalhistas. Em 2022, uma nova legislação buscou revogar os efeitos nocivos da Reforma Trabalhista de 2012, em uma negociação que envolveu empresas, sindicatos e partidos.

A nova reforma trabalhista da Espanha teve por objetivos resgatar direitos, acabar com abusos nas contratações temporárias e terceirizações, estimulando a contratação por tempo indeterminado. A nova regra também extinguiu a contratação por “obra ou serviço” (equivalente ao trabalho intermitente no Brasil). Reequilibrar os parâmetros das negociações coletivas foi outro ponto importante defendido na chamada “contrarreforma”.

Em 2023, o país ibérico segue buscando estratégias para garantir condições mais favoráveis aos trabalhadores. Um novo plano assinado no último dia 24 de outubro pela coalizão progressista liderada pelo atual primeiro ministro Pedro Sánchez tem como enfoque a legislação trabalhista, apresentando 230 propostas, que incluem elevar o poder de compra dos cidadãos espanhóis com a elevação do salário mínimo e aumento da licença parental de 16 para 20 semanas.

Outro ponto importante envolve a redução da jornada de trabalho, com a manutenção de salários. A redução começaria no próximo ano e seria gradual – 38,5 horas, em 2024, e 37,5 horas, em 2025. Atualmente, a carga horária vigente é de 40 horas semanais.

A modificação na carga horária terá de se transformar em Projeto de Lei para alterar o Estatuto dos Trabalhadores (espécie de CLT espanhola). A coalizão aponta para a necessidade de um novo Estatuto compatível com o século XXI, que articule uma rede básica de direitos para todos aqueles que exercem atividades profissionais, desde os trabalhadores independentes até aos cooperados, e um desenvolvimento do trabalho assalariado que incorpore expressamente a transição digital, incluindo a governação dos algoritmos, e a transição verde, através fórmulas de negociação coletiva que garantam a sustentabilidade.

Segundo o professor de Direito Antonio Baylos, da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Toledo, na Espanha, esse conjunto de propostas representa um passo muito importante no processo de reformas na legislação trabalhista, iniciado há quase três anos. Em seu blog, Baylos destaca o diálogo com a sociedade em torno destas propostas, com a reordenação de um marco institucional em torno das relações de trabalho, a regulação das novas formas de trabalho e contratação. Também salienta a retomada do papel dos sindicatos, ampliando seu poder de negociação com os agentes econômicos.

Baylos também aponta como positivo o compromisso de seguir incrementando o salário mínimo e de reduzir a jornada de trabalho, o que avalia como um avanço nas relações trabalhistas. Para ele, a nova jornada coloca a questão da redução do tempo de trabalho no centro do debate sobre os direitos dos trabalhadores. “Nesta linha, existe também o compromisso de fazer uma lei “sobre o aproveitamento do tempo”, embora neste caso pareça que o mais relevante não seria a referência ao trabalho mas sim à capacidade da pessoa de utilizar o seu tempo livre”, comenta.

Embora Baylos avalie as dificuldades de implementar todas essas medidas – atualmente apenas sinalizadas como um documento – ele comemora também o esforço coletivo que está sendo feito pelos agentes políticos para amenizar as tensões no mundo do trabalho na Espanha.

O primeiro ministro Pedro Sánchez tem até novembro para formar um governo de coalizão progressista. O Partido Popular (PP), de direita, venceu as eleições em julho, mas não conseguiu maioria para governar. Pelas normas eleitorais na Espanha, mesmo que fique em primeiro lugar nas eleições, um partido só consegue chegar ao governo se os votos são equivalentes à maioria de assentos no Parlamento. Assim, como segundo colocado, o Partido Socialista Obreiro da Espanha (PSOE) deve conseguir a maioria no Congresso, com o apoio de siglas da esquerda e de partidos separatistas da região da Catalunha para formar governo. Caso Sánchez não consiga unificar os partidos em torno do projeto, os espanhóis terão de voltar às urnas para uma nova eleição geral, em janeiro de 2024.

Leia aqui o documento com o conjunto de propostas trabalhistas proposto pela coalizão na Espanha.

Exemplo para o Brasil

A situação que acontece na Espanha serve de exemplo para outros países. No mundo todo, as jornadas menos exaustivas de trabalho estão em discussão e há várias experiências da semana de quatro dias acontecendo, em diferentes países, inclusive no Brasil.

A contrarreforma espanhola começa a dar sinais de um freio na precarização dos empregos por lá. Os contratos de prazo indeterminado aumentaram em cerca de 5 milhões em relação ao ano anterior da nova legislação e houve redução de 9 milhões de trabalhos temporários. Também houve diminuição do desemprego, que apresentou queda de 8,6% ao longo de 2022. De uma forma geral, estes são os melhores resultados nessa área em 15 anos.

Para o sociólogo e professor universitário Clemente Ganz, em artigo para o portal Poder 360, o Brasil também terá de enfrentar o desafio de modernizar sua legislação trabalhista, fortalecendo e valorizando a negociação coletiva, realizada por sindicatos de ampla representação e de representatividade, com autonomia organizativa e capacidade para dar tratamento aos conflitos laborais.

Fontes consultadas:

https://www.poder360.com.br/internacional/espanha-tera-semana-de-trabalho-de-375-horas/

https://baylos.blogspot.com/2023/10/un-programa-solo-es-un-programa-es.html?m=1

https://www.poder360.com.br/opiniao/impactos-da-reforma-trabalhista-na-espanha/

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/09/29/partido-vencedor-de-eleicoes-na-espanha-nao-consegue-formar-governo.ghtml

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