Contaminação de trabalhadores da saúde é mais um problema no combate ao coronavírus

“A população precisa saber que, se esse profissional não estiver em pé, vai faltar gente pra cuidar dela”. O alerta é feito por Julio Appel, secretário-geral do Sindisaúde, em referência aos trabalhadores da saúde que estão na linha de frente e se contaminando com o coronavírus. O número de profissionais afastados é incerto. As informações chegam esparsas ao Sindisaúde e o Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs), dando conta de algumas dezenas em diferentes hospitais.

Diante do quadro de risco em que se encontram trabalhadores vitais no enfrentamento da pandemia, ambos os sindicatos têm atuado para garantir a proteção desses profissionais com o uso dos equipamentos de proteção individual, os chamados EPIs. Apesar de básico no cenário de exposição a um vírus altamente contagioso, são muitos os relatos de falta de EPIs para quem está diariamente em contato com pacientes contaminados e suspeitos.

Segundo o Conselho Regional de Enfermagem (Coren), o Rio Grande do Sul tem registrados em torno de 125 mil profissionais, entre auxiliares, técnicos, enfermeiros e obstetrizes. Quantos desses estão afastados por contaminação ou suspeita, é uma informação que tem sido considerada uma “caixa preta”.

Por causa da denúncia de que os hospitais não estão oferecendo os equipamentos de segurança em número suficiente, os sindicatos entraram com ações na Justiça para obrigá-los a garantirem os EPIs básicos, ou seja, máscara, luva e álcool gel. A primeira ação, movida contra a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, obteve liminar favorável na última quarta-feira (1º). Na decisão, o juiz do Trabalho Rafael Fidelis de Barros estabeleceu que a Santa Casa deve fornecer os EPIs a todos os seus profissionais de saúde na linha de frente da pandemia do Covid-19. O juiz também determinou que a instituição afaste imediatamente os trabalhadores maiores de 60 anos, os portadores de doenças crônicas, os imunodeprimidos, empregadas gestantes e lactantes das suas atividades presenciais, sem prejuízo da remuneração. “Entramos com a ação para que se garanta judicialmente, porque pela via normal, de negociação com os hospitais, eles disseram que iam fazer e não fizeram”, explica Julio Appel.

A necessidade da ação judicial é compartilhada por Claudia Franco, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs). “Vemos um grande número de colegas ainda manifestando a dificuldade de acesso aos EPIs, e nos levando a entrar com liminar contra os empregadores para garantir o direito fundamental de segurança para quem está na linha de frente dessa pandemia”, afirma.

O mesmo pedido judicial feito com relação a Santa Casa foi também realizado para os trabalhadores do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). O hospital foi comunicado pela Justiça na quinta-feira (2) e tem agora 48h para se manifestar, até o julgamento da liminar.

Para Claudia Franco, a solução seria a unificação de procedimentos, tendo como padrão o manual da Anvisa, o mesmo usado pelo Ministério da Saúde (MS), com atualizações constantes — a última no dia 31 de março. “Isso faz com que as decisões sejam baseadas em normas com embasamento técnico e não em ‘achismo’ da gestão. Estamos lidando com vidas, pessoas que cuidam de outras pessoas. Outra questão importante é o afastamento do grupo de risco, os profissionais de saúde que estão no grupo de risco têm que ficar em isolamento, não basta tirar do atendimento e colocar no administrativo, porque ele, para chegar ao local de trabalho, se expõe ao risco”, explica a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs).

Testar, testar e testar

A subnotificação tem sido mais um problema no enfrentamento da Covid-19. De acordo com Julio Appel, secretário-geral do Sindisaúde, a falta de notificação serve tanto para apurar a causa mortis de pessoas, como para a própria realização de testes dos trabalhadores que estão na linha de frente do combate. Appel enfatiza que muitas mortes estão sendo descritas apenas como “insuficiência respiratória”. “Se não temos testes para quem está vivo, imagina para quem morreu.”

A demora dos testes é uma questão prejudicial. Appel cita o Hospital de Clínicas (HC) como o único com testes cujo resultado fica pronto em até 48h. “O certo era terem investido em ciência, enquanto o governo atual faz tudo ao contrário. Quando o ministro da Educação diz que nas faculdades existe plantação de maconha, na verdade tem plantação de ciência, de cognição, coisa que falta ao governo atual.”

Para Claudia Franco, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs), os testes deveriam seguir o protocolo do Ministério da Saúde (MS), mas isso não tem acontecido. “Eu não acho que tem que testar frequentemente, mas tem que ser conforme o protocolo que não está sendo cumprido. Hoje seria, quando houver sintomas, testa profissionais de saúde e pacientes internados, porém na prática, hoje mandam os trabalhadores sintomáticos para casa, para chamar depois para fazer o exame. Isso acaba com o emocional de quem já está em frangalhos.”

Nesta quinta-feira (2), o Ministério da Saúde anunciou a compra de 40 milhões de EPIs, uma quantidade que, disse o ministro Luiz Henrique Mandetta, deve ser suficiente para proteger os profissionais da área pelos próximos 20 dias. Todavia, durante o anúncio, Mandetta não garantiu que todos os equipamentos sejam entregues. O motivo é a grande demanda mundial dos materiais, aliado ao fato de a China deter cerca de 90% de sua produção.

Na opinião da presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul, o cálculo do ministro é tão incerto quanto o desenvolvimento da doença nos próximos meses. “Não tem como precisar isso, porque até agora o frio não chegou, estamos tendo sorte desse outono quente, por isso os especialistas falam da curva subir quando o frio chegar. As pessoas não conseguem entender a gravidade e a importância do isolamento e, com as declarações desastrosas do presidente, agrava mais ainda. Então fazer esses cálculos baseado em quê? Na realidade, aquilo que denunciamos lá atrás, do desmonte do SUS com a EC 95, está sendo sentido agora sem recurso e sem preparo para essa pandemia”, critica Claudia Franco, fazendo referência à emenda do teto de gastos, aprovada durante o governo de Michel Temer (MDB).

Enquanto não há dados confiáveis sobre o número de profissionais de saúde afastados de suas funções, o Sindisaúde elabora um formulário, em seu site, para o próprio trabalhador informar que contraiu o coronavírus. Uma situação que, na análise de Julio Appel, poderia ser bem melhor se houvesse investimento em ciência e saúde do governo atual, mas também dos anteriores. “Poderíamos estar muito além do que estamos hoje. O Brasil é uma potência que nunca foi transformada para favorecer a população.”

Em outra frente de atuação, o Sindicato dos Enfermeiros do RS avalia ser possível enquadrar os enfermeiros contaminados como Doença Ocupacional, e o afastamento dos casos suspeitos ou confirmados como Afastamento por Acidente de Trabalho. A razão seria a superexposição dos profissionais e a falta de EPIs. “O sindicato está acompanhando todos os casos de afastamento que estão ocorrendo entre os profissionais da saúde e apoiará os colegas na busca por seus devidos direitos”, afirma a presidente Cláudia Franco.

Fonte: Sul21
Texto: Luciano Velleda
Data original da publicação: 03/04/2020

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