Yves Schwartz
Fonte: Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 24, n. 3, p. 83-89, set./dez. 2015.
Tradução: Admardo B. Gomes Júnior; revisão: Daisy Cunha
Resumo: O que é conhecer o trabalho? Com que categorias e conceitos podemos descrevê-lo? Com que distância ou proximidade podemos apreendê-lo? De que lugar nós, os especialistas, o avaliamos? Nessa conferência, um diálogo socrático é criado para descortinar os saberes e não saberes das noções manipuladas nesse campo. Ao final, as cenas demonstram que não há essência do trabalho, mas uma espécie de dramática comum que torna aceitável o uso da mesma palavra “trabalho” em circunstâncias tão diferentes: atividades industriosas antecipadas por normas operatórias e sociais, mas que não são nunca vividas como puro produto destas, e sim como um debate contínuo de normas, e os valores que compõem seu inantecipável drama.
Perguntemo-nos o que pode querer dizer, a propósito do trabalho, a expressão “procurar conhecê-lo”. Essa questão é preocupante porque não podemos razoavelmente falar do trabalho sem supor que seu conhecimento seja possível, que sabemos do que falamos. Sem um mínimo de definição do trabalho, podemos ter certeza do que significa “conhecê-lo”? Podemos apresentar uma Teoria dos Números, sem definir ao mesmo tempo a qual conjunto visamos? Visamos aos números Naturais, Racionais, Reais ou, ainda, aos Imaginários? Se os definimos como o conjunto dos números Reais, conhecer as entidades como i 2 = – 1 não faz nenhum sentido.
Essa questão da definição de trabalho nós a temos, pessoalmente, sempre “trabalhado” tanto como um filósofo quanto como ator, mais ou menos engajado. E isso desde 68, quando este mestre tão ambíguo que foi Louis Althusser, teorizando os “Aparelhos Ideológicos de Estado”, afirmava que, como todos os sujeitos que “andam sozinho”, todos – seja ele “operário, patrão, soldado” – ocupa “o lugar” que lhe é designado “neste vale de lágrimas”. Estudem os “lugares” (aqui os da produção social), e vocês terão tudo o que vocês precisam saber sobre o trabalho. Abordagem, admito, um pouco caricatural, mas que nos remete a um problema profundo e recorrente: Como devemos avaliar as categorias e os conceitos pelos quais descrevemos o trabalho, com uma distância relativa disso que se trama nele, durante seu exercício? E, por aí mesmo como avaliamos, nós mesmos, este lugar social que ocupamos, como supostos especialistas do trabalho?
Isso não é em nada uma questão faceciosa ou provocativa: ela concerne, tanto ao exercício de nossos métiers, quanto ao “viver junto” com aqueles que trabalham ou trabalharam (aliás, de um modo geral, todo mundo). Talvez teria sido sábio começar por aí.
Em todo caso, talvez possamos compreender o antigo desejo de fazer um diálogo socrático sobre essa questão, porque, talvez, apenas a forma dialogada nos ajuda a descobrir nosso conhecimento, mas também nossos não saberes sobre noções cotidianas manipuladas por nós. Platão traz à cena os diálogos sobre “O belo”, “A coragem”, “O amor” etc. Mas o “O trabalho” não teria sido matéria para um de seus diálogos porque sabemos, especialmente depois dos estudos de Jean-Pierre Vernant, que essa atual noção abstrata é, se considerarmos aquela época, anacrônica, uma vez que a atividade industriosa se dividia na Grécia Clássica em alguns grandes registros heterogêneos. Aqui está ao que esse diálogo poderia parecer:
Sócrates: “Poludaidalos, tu que és tão sagaz, porque me dizes um dia que o trabalho desaparece, outro dia ele se transforma, o dia seguinte que ele deixou de ser uso do corpo e, no final da semana, que é o seu valor que desaparece? Eu sinto a coisa escapar-me. Tu que és competente, ajuda-me: do que estamos falando?”
Imaginemos uma primeira série de respostas rápidas:
“Vejamos Sócrates, todo mundo sabe quando sai de casa para ir para a fábrica, ao canteiro de obra de Laurion, ao hospício, ao escritório, o pedagogo na escola, que ele vai ‘trabalhar’. Não nos complique as coisas.”
Sócrates: “Tu falas de ouro, Poludaidalos. Mas e aquele que trabalha em casa a noite toda sobre essas maravilhosas novas máquinas, para elaborar novos planos para o templo de Erectheion, que seu mestre de obras pediu na madrugada? Aquele que percorre todas as ruas de Atenas para oferecer nas vendas os produtos de seu patrão? Eles não ‘trabalham’ também? O trabalho é definido pelos tempos e lugares?”
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Yves Schwartz é Filósofo. Professor Emérito de Filosofa da Aix-Marseille Université, França; Diretor Científco do Departamento de Ergologia, membro sênior do Instituto Universitário da França, 1993-2003.