Há vasta maioria, na sociedade, em favor do benefício. Bolsonaro, liberais e Centrão, contrários, querem evitar a todo custo debate sobre o tema. Por isso, não colocam em pauta a MP 1039. Oposição e movimentos sociais articulam pressão.
Paulo Kliass
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 30/03/2021
Há mais de seis meses, em setembro do ano passado, eu havia escrito um artigo semanal exatamente com o mesmo título deste aqui. Refleti um pouco a esse respeito e fui convencido por alguns amigos de que não haveria nenhum problema com a eventual figura de plágio de si mesmo. Optei por manter o mote #600atéofim inclusive como forma de expressar com maior vigor o inconformismo e o repúdio da maioria da população brasileira para com a forma assassina, covarde e cruel pela qual Bolsonaro e sua equipe vêm tratando da pandemia. O negacionismo e o terraplanismo campeiam absolutos, tanto nos aspectos da saúde pública e da epidemiologia, como também na área da economia.
O meu artigo de 2020 se impunha pelo fato de Bolsonaro ter enviado uma Medida Provisória ao Congresso Nacional em que reduzia o valor que as oposições haviam conseguido aprovar em abril para o Auxílio Emergencial. O Brasil se apresentava como inovador ao criar a medida, estabelecendo recursos púbicos dirigidos à população mais desassistida, que não tem renda suficiente para atravessar o mês em condições minimamente razoáveis. Pois ali, Paulo Guedes havia convencido o seu chefe a cortar pela metade o benefício, que ficou estabelecido em R$ 300 até o final de dezembro. Um absurdo!
Mas, na verdade, a medida restritiva era bastante coerente com a inconsequência e a irresponsabilidade do banqueiro transformado em superministro. Afinal, sua pasta viria a divulgar um “estudo” em dezembro assegurando que os modelos econométricos elaborados pelos cabeças de planilha sob seu comando não indicavam nada a respeito de eventual segunda onda da covid. A economia voltaria a crescer normalmente em janeiro de 2021. Talvez esses métodos tão sofisticados de projeção do Ministério da Economia pudessem nos ajudar no cálculo de quantas das 320 mil vidas poderiam ter sido evitadas caso fossem menos negligentes e oportunistas em seu afã contracionista.
A mente perversa de Guedes
Pois a recessão econômica continuou, o desemprego aumentou, a parcela da população desalentada e na precariedade ou informalidade cresceu ainda mais. Os indicadores de famílias em miséria e pobreza extrema explodiram. E mesmo diante de tal quadro, o old chicago boy resolveu que o povo brasileiro poderia ficar sem nenhum centavo de auxílio durante o primeiro trimestre do ano. Nada foi concedido a esse título entre final de dezembro passado e começo de abril próximo. A estratégia adotada pelo governo foi a da chantagem, como costuma acontecer em sua relação com o Congresso Nacional. Bolsonaro desenterrou a PEC 186, que estava adormecida nas gavetas do Senado Federal desde 2019, para barganhar a aprovação de um auxílio pífio em troca da continuidade acelerada da destruição do Estado e do desmonte das políticas públicas.
O argumento surrado do “não temos recursos” mais uma vez foi utilizado de forma mentirosa e repercutido à exaustão pelos editorialistas de economia dos grandes meios de comunicação. O compromisso com a política do austericídio foi mantido pela enésima vez e tal opção recebeu loas do povo do financismo. Afinal, Paulo Guedes ocupa o cargo concentrado de 4 pastas ministeriais tradicionais em troca do apoio oferecido a Bolsonaro pela nata das elites empresariais do sistema financeiro durante o pleito de outubro de 2018. Pouco importa que a realidade das finanças públicas não ofereça nenhum indicador a corroborar a recorrente ameaça catastrofista, o alarme falacioso que a cada instante ecoa pelos corredores da Esplanada. “Temos que aprovar tal medida, senão o Brasil quebra.” Aliás, no caso específico do restabelecimento do auxílio para 2021, o discurso avançou um pouco mais e Guedes chegou a afirmar que o país já estaria quebrado.
Ao pressionar o parlamento pela promulgação da PEC 186, transformada na EC 109, Guedes incluiu no texto constitucional o valor a ser despendido com um programa de governo de 4 meses. Não fosse pela maldade do conteúdo da medida, ela representa também um total desatino em termos de manipulação de regras e normas legislativas. Ele incluiu na emenda constitucional o limite máximo de R$ 44 bilhões para serem gastos com o auxílio durante o presente ano. Talvez esteja receoso com a possível repetição da vitória das oposições no ano passado, quando o Congresso Nacional multiplicou a proposta inicial de Guedes de uma prestação de R$ 100 por um período mais longo a R$600.
Auxílio de R$ 150 é um crime!
A proposta atual reduz drasticamente o número de possíveis beneficiados, além de fixar o valor em R$ 150 para solicitações de indivíduos. Tudo indica que o superministro e sua equipe não têm a menor noção do poder de compra de tal valor. Trata-se de um acinte à situação de miséria e de penúria da maioria da população. Ao contrário do que afirmam os defensores da austeridade extremada, os recursos existem. O Tesouro Nacional mantém um saldo credor superior a R$ 1 trilhão – isso mesmo, superior a R$ 1 trilhão! – em sua Conta Única junto ao Banco Central (BC) justamente para serem gastos com políticas públicas. Mas Paulo Guedes prefere segurar tais valores para ajudar na redução do déficit nas contas de sua gestão voltada agradar o financismo.
Quando os valores do resultado das finanças federais superaram R$ 100 bi negativos em 2018, Paulo Guedes se apresentou como o paladino, que iria resolver todos os problemas do país. A estratégia enganosa da “expansão contracionista” levou a que o crescimento das atividades em 2019 apresentasse um pibinho de apenas 1,1%. O Brasil não quebrou com o déficit nas contas públicas de quase R$ 100 bi durante o primeiro ano da gestão de Guedes. E em 2020 a combinação do quadro recessivo estimulado pelo governo com a inesperada crise da pandemia levou o quadro do déficit governamental a um valor superior a R$ 600 bi. E nem assim o país quebrou. O cenário da mentira austericida se descortina para quem quiser ver.
Votar a MP 1.039: R$ 600 até o fim da pandemia
Essas informações confirmam as análises de que existe espaço e necessidade para aumentar as despesas do governo em situações como a atual. São as chamadas medidas contraclícicas, quando os gastos públicos aumentam para ajudar na superação da crise e da recessão. Trata-se da estratégia adotada pela maior parte dos países desenvolvidos desde a crise de 2008/2009 e reafirmada atualmente com o agravamento da situação provocada pela pandemia.
Isso significa que existe espaço para elevar os valores propostas por Guedes para o Auxílio Emergencial. O governo encaminhou ao Congresso Nacional a MP 1039 em 18 de março, mas o Presidente da Câmara dos Deputados tem se recusado a colocar matéria em votação. Os partidos da oposição, as centrais sindicais e o movimento democrático de forma ampla exigem que a matéria venha a ser apreciada pelo plenário daquela Casa o mais rapidamente possível. A luta contra o agravamento do quadro da pandemia exige a aceleração do ritmo da vacinação e reforço do isolamento social. Mas para que essas medidas sejam socialmente aceitáveis e justas, é necessário que a população não precise sair às ruas em busca de recursos para superar o desespero.
Quando a MP vier a votação, os representantes da população certamente concordarão em aumentar o valor proposto por Guedes. Como o benefício tem seu início previsto para abril, é mais do que urgente que Arthur Lira coloque a peça em votação imediatamente.
É por isso que volta a palavra de ordem central no momento: Auxílio Emergencial de R$ 600 até o fim da pandemia.
Paulo Kliass é Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.