A menor proteção aos trabalhadores é uma mudança ainda mais complexa no mundo rural.
Rui Daher
Fonte: Carta Capital
Data original da publicação: 15/07/2016
Se vocês acham que a paixão ardente do empresariado nacional, homens e mulheres, está em belos atores, atrizes, modelos ou dançarinas do Faustão, muito se enganam.
Nem mesmo a cena de beijo ardente na areia entre Burt Lancaster e Deborah Kerr, em “A um Passo da Eternidade” (Fred Zinnemann, 1953), inspira seus pensamentos eróticos. Tesão mesmo é mudar a legislação trabalhista.
Criada por Getúlio Vargas, em 1º de maio de 1953, 63 anos atrás e de essência pouco modificada no período, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), atualmente, é mais julgada pela sua idade do que por sua alma. Da previdenciária também se queixam. Querem-nas menos paternalistas e mais livres do Estado.
Trata-se de “dividir os sacrifícios para voltar a crescer”. Como exemplo, citam a perda de participação da indústria no PIB sem perceberem ser esta uma tendência mundial desde que privilegiaram os serviços financeiros na economia e passaram a chamar imperialismo de globalização.
E o que devem fazer os trabalhadores que tanto perderam em três décadas? Ora, conformarem-se e assumirem suas culpas diante dos estudos e opiniões de economistas que acusam a atual legislação de travar a livre iniciativa, explodir o déficit da Previdência, e não se adequar aos avanços tecnológicos.
Para eles, mudaram as relações entre capital e trabalho. Assim: agorinha mesmo, golpe a um milímetro da consolidação, time econômico neoliberal escalado, o primeiro alvo se volta aos direitos trabalhistas e previdenciários.
Moleza as nossas vidas, caros os benefícios concedidos, desproporcionais ao potencial de lucro e competitividade das empresas, infeliz a Federação de Corporações, pois.
O assunto é mesmo espinhoso. A intromissão do Estado na relação entre quem empreende e aplica capital e aqueles que alugam força de trabalho foi crescente e necessária enquanto a relação de forças foi absurdamente favorável aos primeiros.
A pergunta é quanto isso mudou e em que proporção, diante das evidências que mostram um mundo com maior concentração de riqueza, dominado por estratos políticos representativos da dominação econômica, geradores conflitos e massacres de populações minoritárias?
Serão soluções assistencialistas e legislações paternalistas assim tão absurdas hoje em dia, se todas as inovações conceituais e tecnológicas parecem surgir contra os fundamentos da valorização do trabalho? Não lhes parece que em sociedades cada vez mais desiguais as respostas devem trazer soluções específicas e não universais?
Daí o clássico nó, difícil de desatar em países onde o poder de plantão é decidido pelo voto. A menor proteção aos trabalhadores só não ocorreu ainda por que privilegiar a produtividade da economia barateando o labor é medida impopular. Em “tempos idos de março de 1964” teria sido mais fácil, mesmo assim não o fizeram.
Aqui de nosso cantinho agro, tais mudanças parecem ainda mais complexas, sobretudo depois que vários direitos de outros setores foram estendidos ao mundo rural.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) realizou um estudo mostrando impossível aplicar a idade mínima de 65 anos para aposentadoria no trabalho no campo. Baseia-se no fato de que a lida no meio rural começa, muitas vezes, antes dos 14 anos.
Suas pesquisas mostram que isso acontece entre 78% dos homens e 70% das mulheres. Andanças Capitais dão-me certeza disso. O estudo vai além: prejudicar-se-ia (mesóclise interina) os trabalhadores rurais em relação aos urbanos que ingressam no mercado de trabalho mais tarde, preparados e estudados.
Será? Ainda? Em que proporção? Acho o tema muito mais complexo para enfoque tão raso. Sem romantizar o passado, lembrando meninos que passavam nas ruas acendendo lampiões ou entregando jornais, pelo Censo Agropecuário de 2006, havia 16 milhões de pessoas que se declararam em ocupação laboral agrária, tendência declinante de participação sobre o total da população brasileira. No entanto, 50% deles moravam na zona urbana.
Embora o perfil produtivo voltado à exportação de commodities e a modernização tecnológica apareçam como principais causas do declínio, vários fatores contribuem para isso, desde o envelhecimento e a redução no tamanho médio das famílias rurais até a migração de jovens para os centros urbanos, passando pela falta de qualificação para operar maquinário mais moderno. Pontos que provavelmente se confirmarão quando, enfim, o IBGE receber recursos para realizar um novo censo.
O trabalho no campo, sem dúvida, é mais afeito a ampliar a divisão de tarefas para além do núcleo principal da família, estendendo-o aos filhos e crianças da casa, enquanto o urbano, muito mais pulverizado, faz com que cada membro se desloque até postos de trabalhos desvinculados do ambiente da casa.
Na universidade existem estudos profundos sobre o assunto. Analisam fatores multidisciplinares importantes e capazes de formular modelos que atendam às necessidades de segurança específicas do mundo rural em relação ao trabalho.
Alguns deles já comentados em colunas passadas. No início de 2015, escrevi para a versão impressa de Carta Capital matéria sobre como e onde estava acontecendo uma “Volta ao Rural”. Sabe-se lá. Protegidos todos os trabalhadores precisam ser.
Volto ao assunto. Se não mudar de ideia.