Como a promessa de emprego aparece no discurso pró-reforma

A reforma da Previdência é o principal projeto da equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que altera as regras de acesso e cálculo de aposentadorias e benefícios foi enviada ao Congresso no fim de fevereiro e deve começar a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na quarta-feira (13).

Para aprovar a PEC, o governo precisa do voto de 308 deputados em dois turnos – três quintos do total de 513 cadeiras. Se passar por ali, a proposta segue para o Senado, precisando da mesma porcentagem de aprovação, três quintos do plenário, ou 49 dos 81 senadores. E para ajudar a convencer os parlamentares, o governo tenta convencer, também, a opinião pública.

Pesquisa realizada pelo Datafolha em 2017, ainda durante o governo de Michel Temer, mostrava que 71% dos brasileiros eram contra a proposta de reforma que tramitava na Câmara naquela época. A proposta de Bolsonaro tem regras mais duras que a de Temer.

Para tentar obter mais apoio da população, o governo Bolsonaro reforça o discurso de que a nova Previdência não vai retirar direitos, vai sim combater privilégios e ajudar na redução da desigualdade.

Na sexta-feira (8), durante pronunciamento à imprensa, o porta-voz do Palácio do Planalto, general Otávio Rêgo Barros, disse que o Ministério da Economia trabalha com a previsão de que a aprovação da reforma vai gerar empregos.

“Estudo da equipe econômica indica que a nova Previdência tem potencial para a criação de oito milhões de empregos e um aumento de R$ 5,8 mil no PIB per capita até 2023. A parcela mais pobre da população será a mais beneficiada”

– General Otávio Rêgo Barros, porta-voz do governo

O porta-voz não detalhou as projeções, mas os números são compatíveis com um estudo divulgado pouco depois do envio da proposta ao Congresso. A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia traçou cenários para o país com e sem a reforma da Previdência.

Sem a reforma, o país voltaria a ter recessão em 2021 e permaneceria assim, pelo menos, até 2023, último ano do cenário. A taxa de desemprego, que no fim de 2018 era de 11,6%, poderia chegar a 15,1% em 2023.

Com a reforma, na previsão do governo, o cenário muda completamente. Os crescimentos do PIB nos próximos quatro anos variariam entre 2,3% e 3,3% ao ano – taxas que o país não obtém desde 2013. A aceleração da atividade econômica tende a gerar os empregos e a taxa cairia para 8%.

Um discurso recorrente

Em um país com mais de 12 milhões de desempregados, a criação de postos de trabalho é uma preocupação de quem não tem emprego e de quem teme perdê-lo.

O governo do presidente Michel Temer, com o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, recorreu à promessa de criar empregos a partir de reformas pelo menos duas vezes.

O argumento foi usado principalmente para defender a reforma trabalhista, que flexibilizou regras e relações entre patrões e empregados em 2017. Na época, Meirelles chegou a falar na criação de seis milhões de empregos. Pouco mais de um ano depois de a reforma ter entrado em vigor, a geração de empregos no Brasil segue tímida.

O discurso foi adotado também na campanha pela aprovação da PEC do Teto de Gastos – que congela o crescimento real dos gastos públicos por até 20 anos. O raciocínio era parecido com o utilizado agora na Previdência.

O controle das contas públicas, que estão em deficit primário desde 2014, pode reduzir os juros e aumentar a confiança e os investimentos na economia. A PEC do teto foi aprovada no fim de 2016, mas sem a reforma da Previdência, que funcionaria como um complemento, não gerou melhora significativa na economia.

Sobre a mais recente promessa do governo para a geração de empregos, o Nexo conversou com dois economistas: Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp e Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados.

Como avalia a afirmação do governo de que a reforma da Previdência vai gerar empregos?

Pedro Rossi: Para supor que a reforma vai criar emprego, precisa ver de onde vai vir a fonte de demanda [termo para denotar procura por bens, serviços, investimentos que movimentem a economia]. Eu não sei exatamente que métodos eles usaram, mas estão supondo que a reforma vai criar confiança e baixar juros, que é uma suposição complicada. Até ver quanto essa queda de juros impactaria em investimento e emprego, são vários passos complicados.

A confiança, os estudos mostram, ela é correlacionada com o crescimento, mas ela não necessariamente antecede o crescimento. A confiança vai junto. Não é um ato do governo de ajuste fiscal, de reforma da Previdência, que espontaneamente vai gerar confiança nos empresários. Os empresários porque o governo cortou gastos, investem porque tem demanda, porque tem lucro no horizonte.

Essa relação entre dívida pública e taxa de juros também é complicada, é só olhar o período recente que dá pra ver que mesmo com uma explosão da dívida os juros baixaram. Com a reforma, pode até cair a taxa de juros, mas isso também não necessariamente influencia a demanda. Com a criação de emprego, também é uma relação complicada. Tem uma frase do [economista John Maynard] Keynes que é “você pode levar o cavalo até o açude, mas não pode obrigá-lo a beber água. A taxa de juros é isso, você pode estimular o empresário, mas ele não necessariamente vai investir por isso.

Thaís Zara: A relação causal vem, num primeiro momento, de uma redução de juros de prazo mais longo, que vem da percepção de sustentabilidade maior da dívida pública. Com um ajuste fiscal, os investidores cobrariam taxas menores para financiar a dívida brasileira. Isso possibilitaria a queda da taxa real de juros, que por sua vez incentivaria os investimentos. Aí, de fato, teria-se um crescimento econômico que acabaria impactando o mercado de trabalho.

É frequente quando se conversa com quem está em contato com investidores estrangeiros ouvir que se tem postergado investimentos e contratações esperando a reforma da Previdência, de uma maior previsibilidade da economia.

A reforma é um passo importante, traz a percepção de que vai ser possível cumprir o teto de gastos, mas há uma agenda que vai além da Previdência. Envolve abertura comercial, simplificação tributária, tudo isso tem de vir em sequência.

Fonte: Nexo
Texto: José Roberto Castro
Data original da publicação: 12/03/2019

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