Centenas de servidores públicos do Estado do Rio de Janeiro, entre agentes penitenciários, bombeiros, policiais civis e militares, professores e profissionais da saúde, ocuparam na manhã da quarta-feira (16/11) o entorno da Assembleia Legislativa fluminense em protesto pelo pacote de medidas de ajuste proposto pelo Governo estadual para tentar sanear as contas públicas. A maioria dos manifestantes voltou para casa com os olhos avermelhados e passaram boa parte do ato lacrimejando e com a pele irritada, consequência das bombas lançadas pela tropa de choque da Polícia Militar após um grupo derrubar a grade que protegia a Assembleia. Um bombeiro foi atingido por duas balas de borracha no braço e um policial militar que se manifestava foi atingido no nariz. Houve muitas bombas de gás lacrimogêneo e correria nas ruas do centro da cidade e a tropa chegou a cercar os manifestantes, mas, após a dispersão, o ato se recuperou e seguiu até depois das 18
O pacote do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), que levou os funcionários públicos às ruas pela quinta vez na última semana, contempla o aumento da alíquota previdenciária de 11% a 14%, o adiamento dos aumentos já concedidos e o fim dos triênios (um adicional por tempo de serviço), medidas que atingem diretamente o bolso dos mais de meio milhão de servidores do Estado. A proposta de Pezão incluiu também aumento de impostos que repercutirá na conta de telefone e de energia, na cerveja cigarros e na gasolina, assim como o fim de programa sociais que beneficiam os mais pobres, como os comedores populares, que oferecem comida por dois reais, ou auxílio-aluguel para os desabrigados.
A manifestação revelou o clima de revolta que os servidores públicos cultivam há meses com o atraso sistemático dos seus salários. “Eu não aceito nenhuma dessas medidas porque os cortes são contra o funcionalismo público, mas não estão estudando outras medidas. Nossa tolerância é zero. Não só por nós, mas também contra o fim dos restaurantes populares ou o aluguel social”, dizia a professora estadual Ina Borges.
Até a quarta-feira (16/11) apenas os trabalhadores da área de segurança pública –ativos e inativos– e os ativos da educação tinham recebido seus salários de outubro. O resto verá sua folha de pagamento parcelada em até sete vezes. Ninguém garante o pagamento dos próximos meses.
Aos atrasos soma-se a falta de materiais básicos para o trabalho que se arrasta há meses. Um grupo de inspetores da Policia Civil, que não quis se identificar, relatou a situação nas respectivas delegacias. Eles levam de casa o próprio papel higiênico que guardam num a gaveta e não têm mais papel nem tinta para imprimir. Professores contaram sobre a falta de Internet e telefone por suspensão de pagamento em escolas técnicas e falta de limpeza e manutenção em colégios. Policias militares apontaram a falta de verba para abastecer viaturas e um jovem bombeiro, responsável por dirigir uma ambulância, relatou a falta de luvas, agulhas e material básico para trabalhar. “Houve uma temporada em que não havia suficiente comida nos quartéis e tivemos que reduzir nossa escala. O atraso dos salários me levou a sujar meu nome. Há dois meses que não consigo pagar as parcelas da minha moto e tenho dívidas na C&A e na Riachuelo”, detalhou. Muitos deles não quiseram se identificar para “evitar represálias”.
Policiais reprimindo policiais
O protesto começou às 10h desta quarta na frente da Assembleia Legislativa, onde os deputados devem votar o pacote de 21 medidas proposto pelo Estado até dezembro. Por volta das 13h um grupo de manifestantes começou a tentar derrubar a cerca que protege o edifício desde o final de semana. Um outro grupo de manifestantes – a maioria policiais militares – tentou impedi-lo, mas os mais exaltados insistiram e a grade finalmente caiu sob os gritos de euforia da multidão.
A polícia demorou a agir, manteve a calma no começo, mas acabou usando spray de pimenta e depois bombas de gás. Depois da primeira bomba uma chuva delas caiu em cima dos manifestantes que correram para se dispersar. Eram dezenas de pessoas chorando. O protesto chegou a ser cercado pela tropa de choque que atirava balas de borracha e bombas de gás sob os gritos dos colegas policiais que pediam calma aos companheiros fardados. Vários agentes destacados no protesto disseram a este jornal que não queriam reagir, mas disseram ter sido atacados com pedras. Um outro policial afirmou que, se não estivesse trabalhando, seu lugar seria do lado dos colegas. Houve até quem desistisse de se manter na linha de frente. Um vídeo de Julio Trindade, publicado pelo jornal O Globo, mostra o momento em que dois integrantes da tropa de choque abandona a segurança e se junta aos manifestantes.
Na jornada também houve momentos de hostilidade contra a imprensa. O jornalista da TV Globo Caco Barcellos fazia uma entrevista quando um grupo de cerca de 50 manifestantes lhe lançou garrafas e o perseguiu aos gritos de “Globo golpista”. O jornalista, conhecido pela sua defesa dos Direitos Humanos e a denúncia dos abusos policiais, teve que se esconder num canteiro de obras próximo, até deixar a região escoltado pela Polícia Militar. Um jornalista do portal UOL, outro do O Globo e outro do G1, assim como um fotógrafo do jornal O Dia, também foram hostilizados e agredidos pelos manifestantes.
Fonte: El País
Texto: Maria Martin
Data original da publicação: 16/11/2016