Brumadinho: por que tragédia reacendeu debate sobre reforma trabalhista? Entenda

O ponto da lei que tem gerado mais debate é o que coloca um teto para a indenização referente ao dano moral. Da forma como está em vigor, o valor fica limitado a 50 vezes o salário do trabalhador – ou seja, as famílias dos profissionais que ganham mais, como engenheiros, poderão receber indenização maior.

“A dor da família do engenheiro da Vale vai valer mais que a do trabalhador braçal”, afirmou à BBC News Brasil o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, um dos principais críticos à reforma trabalhista.

Ao mesmo tempo, defensores dessa lei lembram que também há a indenização por danos materiais, que não foi limitado pela reforma.

“O texto da lei se refere a danos extrapatrimoniais, e o danos materiais decorrentes de morte podem ser requeridos de forma independente”, escreveu em sua conta no Twitter Rogério Marinho, que foi o deputado federal relator da reforma trabalhista e hoje é secretário da área de Previdência Social do ministério da Economia.

A Vale afirmou que dará uma compensação imediata de R$ 100 mil para cada família com entes mortos ou desaparecidos – mas esse valor ainda não é o da indenização.

“É uma doação”, disse Luciano Siani, diretor-executivo de Finanças e Relações com Investidores da Vale, em entrevista coletiva na segunda. “Isso não tem nada a ver com indenização. Sabemos que os valores (das indenizações) são muito maiores, que terão que ser conversados com as famílias.”

Depois de o tema ter sido motivo de debate nas redes sociais, a BBC News Brasil explica qual é a regra que está em vigor e quais são os possíveis efeitos.

Salário ou teto previdenciário?

Parte da confusão se deve ao fato de a lei sancionada pelo ex-presidente Michel Temer ter sido alterada por uma medida provisória que terminou perdendo a validade porque não foi votada pelo Congresso Nacional.

Para o dano extrapatrimonial, mais conhecido como moral, o texto da lei prevê que pode chegar, em casos considerados de “ofensa de natureza gravíssima”, a 50 vezes o último salário do trabalhador em questão.

Na época da discussão da reforma, houve muitas críticas exatamente porque o dano seria proporcional aos rendimentos – ou seja, a faxineira de uma empresa e uma gerente que fossem submetidas à mesma situação receberiam valores diferentes.

Depois de negociar com senadores, o governo Temer editou uma medida provisória que alterava vários pontos considerados polêmicos. Um desses trechos é exatamente sobre o dano extrapatrimonial, que passaria, então, a ser proporcional ao valor do teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), hoje equivalente a R$ 5.839,45.

A regra que colocava o teto previdenciário como referência, contudo, perdeu a validade em abril de 2018, quando a medida provisória caducou. Por isso, voltou a valer a regra que estabelece como parâmetro o salário do trabalhador.

Morte

Outro ponto que a medida provisória previa e que teria impacto no caso de Brumadinho é que os parâmetros para o valor do dano extrapatrimonial não valeriam para casos decorrentes de morte dos trabalhadores.

Essa previsão, contudo, também perdeu a validade em abril e a lei em vigor não menciona exceção para situações em que há morte do empregado.

Dano moral

Também causou dúvida os diferentes tipos de indenização no âmbito da justiça trabalhista. A nova lei estabelece que a reparação por danos morais pode ser pedida junto com a indenização por danos materiais referentes ao mesmo caso. O limite estabelecido, contudo, vale exclusivamente para a parte que não é material.

“O dano moral é a dor que eu senti em razão daquele evento, é o sofrimento”, explica Fleury. “No caso de um trabalhador que tenha morrido em Brumadinho, o dano material é, entre outras, a despesa com velório e a perda referente ao salário que a família deixa de receber. E o dano moral é a dor que a perda daquele trabalhador vai causar pra família. Como ela será indenizada, segundo a lei? Em até 50 vezes o salário.”

Vítimas

O caso de Brumadinho é o registro do maior acidente de trabalho da história do Brasil e poderá se tornar o segundo acidente industrial mais mortífero do século 21 em todo o mundo, segundo especialistas e rankings compilados pela BBC News Brasil.

Até a noite desta segunda-feira, haviam sido contabilizados 84 mortos, e 276 pessoas continuavam desaparecidas, de acordo com as equipes que atuam no resgate. Há moradores entre as vítimas, mas boa parte das pessoas ainda não encontradas são funcionários da mineradora.

O relator especial das Nações Unidas para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak, afirmou à BBC News Brasil que o rompimento da barragem de Brumadinho deve ser investigado como “um crime”.

“Esse desastre exige que seja assumida responsabilidade pelo que deveria ser investigado como um crime. O Brasil deveria ter implementado medidas para prevenir colapsos de barragens mortais e catastróficas após o desastre da Samarco de 2015”, disse Tuncak, em referência à tragédia de Mariana.

Segundo o relator da ONU, as autoridades brasileiras deveriam ter aumentado o controle ambiental, mas foram “completamente pelo contrário”, ignorando alertas da ONU e desrespeitaram os direitos humanos dos trabalhadores e moradores da comunidade local.

Fonte: BBC News Brasil
Texto: Laís Alegretti
Data original da publicação: 30/01/2019

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