Incapaz de gerar riqueza nova, a “elite-ralé” do país aliou-se ao bolsonarismo. Em 10 anos, inflaram suas fortunas a base de fraudes e da pilhagem do Estado. A vida de milhões foi precarizada enquanto o número de bilionários mais que dobrou.
Marcio Pochmann
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 16/11/2021
Em apenas dez anos, a economia brasileira desceu do posto de sexta maior do mundo, alcançado em 2011, para a décima terceira colocação no ranking projetado dos países para 2021. Com o decrescimento do PIB per capita na década passada acumulado em 4,7%, fica evidente o registro de que o país empobreceu, embora pouquíssimos e seletivos segmentos sociais privilegiados tenham continuado a enriquecer, sobretudo pela ascensão do sistema de pilhagem.
No ano de 2011, por exemplo, o Brasil tinha 30 pessoas com fortunas acima de um bilhão de dólares (5,5 bilhões de reais) segundo avaliação da revista Forbes, sendo que a metade delas declarou depender da herança familiar para alavancar seu patrimônio. Juntos, os 30 bilionários contabilizaram uma fortuna total estimada em US$ 131,4 bilhões, o que equivaleu a 5% do total do PIB brasileiro de 2011.
Dez anos depois, a mesma revista apontou a existência de 65 bilionários no Brasil, cujo valor total das fortunas alcançou a soma de US$ 223,3 bilhões, ou seja, 16% do PIB estimado para o ano de 2021. Enquanto o número de bilionários foi multiplicado por 2,2 vezes, o total das fortunas aumentou 70% e a participação relativa dos bilionários no PIB subiu 191% entre 2011 e 2021.
Para um país que demonstra não conseguir gerar riqueza nova, difundiu-se na borda da classe dominante a estética do dinheiro velho (Old Money), fundamentado no continuado processo de financeirização do estoque das fortunas derivadas de heranças. Acumuladas, em geral, no passado, por gerações que deixaram de existir, a linhagem atual dos enriquecidos se associa crescentemente à pilhagem do Estado como mecanismo necessário para prosseguir valorizando de forma fictícia o estoque da riqueza puída.
As reformas trabalhistas e previdenciárias, bem como a própria mudança constitucional para abrigar o teto de gastos públicos não financeiros, exemplificam o quanto a guerra de classes sociais se deslocou para o interior do fundo público. Diante da escassez de riqueza nova, a imposição de maior espaço fiscal transcorre através da pilhagem orçamentária em favor da ostentação da estética do dinheiro velho aos já muito ricos e novos enriquecidos no país.
Ao mesmo tempo, cresce de importância a cultura do “meu patrocínio primeiro” (Sugar Baby), rapidamente incorporada pela diversa classe dirigente que busca ascender, mais recentemente mobilizada por fraudes de toda natureza (titularidade acadêmica e curricular, negociatas e outros). Pelo impulso da ascensão social a qualquer preço, o país se transforma numa espécie de cercado a mercantilizar de tudo o que paira sob o sol, fazendo-o retroceder aos tempos da acumulação primitiva exercida pela pilhagem dos ativos nacionais e riquezas naturais.
É neste contexto de fortunas duvidosas e de origem controversa, em fomento por uma elite-ralé, que o lumpesinato brasileiro ganha maior dimensão, reproduzindo-se em marcha forçada. Ao contrário da classe trabalhadora que se encontra vinculada às atividades produtivas, ainda dispondo da possibilidade de representação sindical e de alguns direitos sociais e trabalhistas, o lumpesinato constitui segmento crescente da população que, descolado da geração do excedente econômico, busca sobreviver a qualquer custo possível atribuído pela captura de parte da renda de outros segmentos sociais (assalariados, autônomos e empresários).
A decomposição da sociedade brasileira, expressa pela expansão da lumpenização do mundo do trabalho, resulta da prosperidade do rentismo parasitário que converte a política nacional em mais um negócio no interior do curso geral de pilhagem nacional. O resultado tem sido a efetivação da barbárie social exposta mundialmente como vitrine de um país que acompanha docemente o rebaixamento de suas principais instituições públicas.
Numa economia em decadência como a brasileira, o encurtamento da riqueza coloca maior centralidade no Estado e, sobretudo, no seu fundo público. Por isso se dá o aparelhamento do setor estatal, crescentemente ocupado por representantes de hordas do lumpesinato que, a serviço da elite-ralé, operam o governo de plantão voltado aos seus apoiadores para atender o requisito de evitar a derrota na próxima eleição.
A desfiguração de órgãos públicos como os de controle que se domesticam para favorecer grupos dominantes também transcorre no legislativo que opera um orçamento de ficção, fingindo seguir regras, locupletando operadores de “rachadinhas”, de emendas obrigatórias e expropriação de funcionários públicos, entre outras modalidades do exercício da pilhagem. No poder público, a realidade do desmonte não tem sido diferente, com ministério travestido de balcão de negócios operados na compra de vacinas falsas e difusão de mentiras reproduzidas em plataformas e redes sociais que garantem dinheiro de publicidade e reconhecimento de seguidores.
Assim, a reprodução social assentada na delinquência mudou mais recentemente a dinâmica da política nacional. Daí o sucesso da extrema direita, que se viabiliza convertendo a política em mais um negócio rentável a consolidar a idade de ouro das fraudes no Brasil – que segue ladeira abaixo.
Marcio Pochmann economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004. Concorreu duas vezes a prefeitura de Campinas-SP (2012 e 2016). Publicou dezenas de livros sobre Economia, sendo agraciado três vezes com o Prêmio Jabuti.