Com uma população feminina mais educada e saudável que a masculina, o Brasil poderia rapidamente reequilibrar a relação de desigualdade entre homens e mulheres se adotasse “políticas concretas”.
Em particular, o país poderia reforçar “uma rede de apoio social que as liberte (as mulheres) para o trabalho”, disse uma especialista em entrevista à BBC Brasil.
A constatação é do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), que divulgou na quarta-feira (26/10) seu amplo relatório anual examinando as diferenças de oportunidades para homens e mulheres em 144 países.
Segundo o estudo, seriam necessários 95 anos para que mulheres e homens atingissem situação de plena igualdade no Brasil.
O país ficou na 79ª posição no ranking global de 2016 da igualdade de gêneros. Em 2015, havia ficado na 85ª posição. Mas a pontuação do país subiu apenas marginalmente: 0.687, sendo 1 o desempenho ideal.
As brasileiras têm um desempenho melhor que os brasileiros nos indicadores de saúde e educação, mas ainda enfrentam acentuada discrepância em representatividade política e paridade econômica, destaca o relatório.
O Índice Global de Desigualdade de Gênero leva em consideração estatísticas de 144 países, que avaliam as condições enfrentadas por mulheres nas áreas de saúde, educação, paridade econômica e participação política.
Situação Pior
Em 2016, a estimativa é que a lacuna de desigualdade entre homens e mulheres leve 170 anos para ser preenchida no mundo.
A situação mundial piorou de forma geral, mas houve melhora na região da América Latina e do Caribe.
O Brasil, entretanto, é o pior colocado entre as grandes economias do continente, atrás da Argentina (33º), México (66º) e Chile (70º). Ficou, porém, à frente do Uruguai (91º).
Entre os mais bem posicionados, há apenas um representante latino, a Nicarágua, em 10º lugar.
Mais especificamente, as brasileiras sofrem com falta de representação política e salários baixos. Isso apesar de terem desempenho melhor que os homens em saúde e educação.
Para cada estudante homem do ensino superior brasileiro, elas ocupam 1,3 vaga. É uma situação que se reproduz no mundo, já que elas são a maioria dos estudantes universitários em 95 dos 144 países pesquisados.
Na saúde, as brasileiras também têm melhores indicadores: vivem em média cinco anos a mais que os brasileiros. A expectativa de vida feminina é de 68 anos, frente a 63 anos da masculina.
Liberação
Mas se os indicadores de base são fundamentalmente bons, por que o Brasil não consegue deslanchar na igualdade de gênero?
Saadia Zahidi, chefe para iniciativas de gênero e emprego do Fórum WEF, explica que é necessário adotar estratégias pragmáticas que promovam a inclusão das mulheres no mercado de trabalho bem remunerado e na política.
“Para mudar isso, é necessário uma abordagem consciente, do ponto de vista econômico, para o aproveitamento desses talentos. Já temos mais mulheres se graduando na universidade do que homens, não se trata do futuro, isso já é o presente. Precisamos agora empregar essa força produtivamente”, afirma.
Zahidi explica que a percepção geral é de que as mulheres devem cuidar da família. Nas camadas sociais mais elevadas, há recursos para bancar a ajuda de babás para crianças e enfermeiras para idosos.
No caso das camadas intermediárias e baixas da sociedade, essas responsabilidades recaem sobre as mulheres, o que as impede de trabalhar.
“Também é necessário mudar as percepções. Diversidade precisa ser vista como um motor para crescimento, propiciando investimento maior em infra-estruturas de cuidado. Mulheres de alta renda conseguem pagar para ter ajuda para as crianças e os idosos, mas mulheres de classe média e baixa não conseguem. É necessário oferecer a elas uma rede de apoio social que as liberte para o trabalho”, diz.
Política
O ranking do WEF considera em seu cálculo, entre outros fatores, o tempo que uma mulher liderou o país e a porcentagem de representação feminina nas posições políticas mais altas.
Em maio passado, a organização preparou a pedido da BBC Brasil uma simulação do impacto que o novo gabinete do – então interino – governo Temer teria sobre o índice, uma vez que não havia mulheres entre os ministros convocados.
Na simulação, o Brasil chegou a retroceder da 89ª para 139ª posição no sub-índice Empoderamento Político. No índice geral, que inclui saúde, educação e poder econômico, a queda fora da 85ª para a 107ª posição.
Zahidi destaca que o retrocessos previstos não chegaram a se materializar na edição de 2016, porque os dados utilizados como base de cálculo são repassados pela União Inter-Parlamentar, organização que compila estatísticas e políticas de parlamentos no mundo.
Essas informações são repassadas com defasagem de cerca de um ano ao WEF. Zahidi estima que a próxima edição do ranking deverá ser mais sombria para o Brasil, por conta desta futura atualização negativa.
Ciente da escassez de lideranças femininas nos altos escalões de poder brasileiro, Zahidi avalia o que acredita ser necessário para mudar essa realidade.
“Em uma democracia é necessário haver representatividade. As mulheres são metade da população e deveriam ter representação política semelhante. A presença de mulheres em posição de liderança tem um impacto expressivo sobre o empoderamento, pois estabelece papéis modelo aos quais novas gerações aspiram.”
Esse fenômeno de fomento de inspiração, chamado em inglês de role modelling, serviria para incentivar uma maior atuação engajada de mulheres na política, gerando um ciclo virtuoso na qual o número de lideranças femininas seria multiplicado ao longo das próximas gerações.
“Estudos da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostram que mulheres em posições de liderança política influenciam positivamente a distribuição de recursos públicos. Elas tendem a fazer escolhas mais solidárias, alocando orçamento para partes da sociedade anteriormente negligenciadas, o que resulta em redução de desigualdade de renda”, diz.
‘Desperdício de talentos’
No topo do ranking ficaram Islândia (1º), Finlândia (2º), Noruega (3º), Suécia (4º), Ruanda (5º), Irlanda (6º), Filipinas (7º), Eslovênia (8º) e Nova Zelândia (9º).
Os técnicos do Fórum admitem que pode parecer surpreendente que países em desenvolvimento, como Ruanda e Filipinas, figurem entre os primeiros da lista, mas dizem que muito se deve ao peso econômico que as mulheres exercem em suas sociedades.
No caso das Filipinas, por exemplo, há uma grande massa de trabalhadoras domésticas que vive fora do país e colabora decisivamente para a geração de riqueza, com remessas de dividendos importantes para a economia do país.
Segundo a análise do WEF, o mundo enfrenta um “desperdício agudo de talentos”, ao não propiciar às mulheres oportunidades profissionais equivalentes às dos homens.
Fonte: BBC
Texto: Marina Wentzel
Data original da publicação: 26/10/2016