Cinara L. Rosenfield
Daniela Alves de Alves
Fonte: Dados, Rio de Janeiro, v. 54, n. 1, p. 207-233, 2011.
Resumo: O objetivo deste estudo foi discutir o significado da autonomia no trabalho informacional, e especialmente no teletrabalho. As reflexões estão associadas a pesquisas empíricas realizadas junto a teletrabalhadores (tanto assalariados quanto trabalhadores por conta própria), que trabalham parcial ou integralmente em domicílio, em Portugal e no Brasil. O artigo discute os conceitos de autonomia e autonomia no trabalho, e então começa a discorrer sobre a noção e as implicações do teletrabalho. O artigo passa a analisar especificamente a autonomia no teletrabalho (discutindo dois grupos típicos de teletrabalhadores: aqueles com trabalho por conta própria bem sucedido e aqueles com empregos precários) e no trabalho informacional em geral.
Sumário: A Sociedade da Informação | O Teletrabalho e a Autonomia no Trabalho Informacional | Autonomia: O Conceito | A Autonomia no Trabalho | O Teletrabalho | Autonomia no Teletrabalho | A Autonomia no Trabalho Informacional | Considerações Finais | Notas | Referências Bibliográficas
A Sociedade da Informação
Um contexto de precarização e flexibilização do emprego associado a mudanças na organização do trabalho nas sociedades capitalistas impõe um novo padrão de implicação no trabalho por parte do trabalhador. O trabalho – como padrão, o que não significa a inexistência de trabalho taylorista, precário, penoso ou embrutecedor – tornou-se mais variado e mais complexo, seu conteúdo e sua natureza tornaram-se mais ricos, devido a uma demanda maior de investimento subjetivo e de mobilização da inteligência. O trabalho tornou-se mais instigante e, em muitos casos, imaterial. É possível, pois, supor que esse quadro represente ganhos para os trabalhadores, já que o trabalho tornou-se mais interessante e flexível.
O objetivo deste texto é discutir o significado da autonomia do trabalho imaterial – que supõe a reflexão, a concertação de saberes e de observações, a troca de informações – ligado às tecnologias de informação e comunicação (TICs), mais especificamente o teletrabalho. As reflexões aqui presentes estão associadas a pesquisas empíricas realizadas junto a teletrabalhadores – assalariados e/ou por conta própria, que trabalham parcial ou integralmente em domicílio, em Lisboa (Portugal), em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre (Brasil) –, as quais totalizam 51 entrevistas, feitas em 2004 e 2005.
Em estudos anteriores realizados junto a operadores da indústria de produção, pôde-se constatar mudanças que apontavam exigências de mobilização subjetiva dos trabalhadores, com o propósito de atingir a correta execução de suas responsabilidades, o que vem a constituir um quadro de autonomia outorgada (Rosenfield, 2003). A antiga organização do trabalho taylorista ou fordista viu-se diante da necessidade de renovação, a fim de dar respostas a outro tipo de exigência: para garantir qualidade e competitividade, agora em escala inédita, o trabalho do operário industrial deve integrar a compreensão da tarefa, de maneira a possibilitar um trabalho de concertação e de troca de informações e saberes não só no momento de sua concepção, mas também no de sua execução. Se a autonomia, historicamente, sempre se impôs como elemento constitutivo do trabalho, mesmo quando o paradigma taylorista lutava por eliminá-la ou neutralizá-la, a fase pós-taylorista do capitalismo, pela primeira vez, toma a autonomia como meta e como elemento a ser gerido, em vez de suprimido. Esta seria a nova face da dominação do capital: é mister que o trabalhador se identifique pessoalmente, que se mobilize subjetivamente, que lance mão de suas capacidades psíquicas e relacionais para bem executar seu trabalho. A essas conclusões, acrescentamos aquelas relativas à autonomia no trabalho nas ocupações vinculadas às TICs. Diante de um novo paradigma tecnológico característico da era da informação (também denominada nova economia, capitalismo cognitivo, sociedade em rede ou sociedade informacional, segundo as diferentes abordagens), trata-se de analisar as novas maneiras de trabalhar e as margens de autonomia no trabalho que lhes acompanham. Se a autonomia no trabalho industrial é outorgada, já que traduz seu sentido instrumental, ou seja, é instrumento de coordenação das relações de trabalho e visa a atingir um objetivo econômico de gestão da produção, na busca de inserir no processo de trabalho os elementos que não podem ser prescritos, como a concertação e a mobilização subjetiva, trata-se aqui de confrontá-la à autonomia no trabalho ligado às TICs. Essas tecnologias, a priori, exigiriam maior qualificação e competência em suas tarefas de natureza “inteligente” e imaterial, o que apontaria redução da divisão do trabalho entre os que o concebem e os que o executam e maior margem de autonomia em sua realização. A chamada sociedade da informação remete não apenas e estritamente ao trabalho no setor de informação e telecomunicação, pois a presença e as potencialidades das TICs transformam as formas de operacionalizar, de gerir e de trabalhar nas mais diversas atividades. O modelo de empresa em rede, nas mais variadas áreas de atividade, por exemplo, possibilita a inclusão ou a exclusão de novos componentes, em qualquer tempo ou local sem grandes custos, e a interatividade em tempo real com fornecedores, clientes, subcontratados ou empregados; favorece maior flexibilidade, interação descentralizada, de fácil modificação, e, simultaneamente, maior controle sobre as atividades da empresa; e propicia a personalização da produção e dos serviços, segundo as necessidades de cada cliente (Castells, 2004).
O conceito de paradigma tecnológico cunhado por Castells ajuda a compreender a essência da transformação tecnológica atual, na medida em que esta interage com a sociedade e a economia. Os aspectos centrais desse paradigma, no conjunto, formam a base material da sociedade da informação: 1) a informação é a matéria-prima do novo paradigma; 2) como a informação é parte fundamental da atividade humana, os novos meios tecnológicos moldam diretamente a esfera da existência individual e coletiva; 3) a lógica das redes envolve qualquer tipo de relações usando as novas tecnologias de informação; 4) o paradigma tecnológico da informação é baseado na flexibilidade; e 5) as tecnologias específicas tendem a convergir para um sistema altamente integrado.
Cinara L. Rosenfield é Professora do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil.
Daniela Alves de Alves é Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, MG, Brasil.