Caso a classe trabalhadora não consiga reagir a tal ataque de um governo ultraneoliberal de contornos fascistas, o que temos no horizonte é […] o enfraquecimento das nossas já combalidas liberdades democráticas presentes na Constituição de 1988.
Josué Vidal Pereira
Fonte: Café com Sociologia
Data original da publicação: 19/02/2021
Antes de tudo você deve estar se perguntando o que é austericídio. Este termo se deve às políticas de austeridade fiscal radicalizadas por políticas neoliberais que visam criar uma situação de falta de investimento do Estado que não apenas compromete educação, saúde e demais serviços públicos, mas também congela o crescimento econômico. A resposta das políticas de austeridade são: queda da arrecadação que necessariamente criam uma situação econômica ainda menos favorável que legitima o aprofundamento das políticas de austeridade, gerando uma espiral descendente que vai minando qualquer iniciativa de equalização oriunda do Estado.
Nos últimos cinco anos, a classe trabalhadora no Brasil tem sido posta à prova, submetida a tal nível de tensionamento que, se se tratasse de uma sociedade com nível civilizatório mais elevado, poderia seguramente resultar em maior confronto, digo, maior avanço através da luta efetiva contra a destruição dos direitos sociais duramente conquistados ao longo de décadas. Devemos lutar contra o austericídio e assumir que a apatia dos movimentos populares, sejam sindicais, partidários, populares e a polarização entre diferentes projetos de sociedade não foram capazes de evitar a realização das contrarreformas trabalhistas e a genocida reforma financeira que impõe o Teto dos Gastos Públicos (Emenda Constitucional nº 95), cujo resultado imediato foi o aprofundamento do fosso da divisão de classes, a concentração da renda e à precarização do trabalho e por consequência o empobrecimento dos trabalhadores. Isso é visível nas ruas das cidades, pelo constante aumento da população vivendo nas ruas, pelo aumento exponencial do trabalho infantil e pelo aprofundamento do fenômeno conhecido como “uberização” do trabalhador, produto direto das contrarreformas trabalhistas, as quais retiraram direitos históricos e colocaram os trabalhadores em condição de extrema fragilidade na sua relação com seus empregadores, muitos dos quais nem mais existem como figura jurídica. Contexto também responsável pela transformação dos trabalhadores em pseudos “empreendedores”, seja dirigindo um veículo por aplicativo ou entregando comida com uma bicicleta alugada, sem qualquer direito ou garantia em relação ao futuro imediato ou no longo prazo.
A eclosão da trágica crise humanitária causada pela Pandemia da Covid19, se constituiu em grande oportunidade para os grandes capitalistas aumentar ainda mais o nível de espoliação sobre o trabalhador, seja pela adoção do trabalho remoto, redundando no enxugamento do quadro de pessoal, seja pelo aumento vertiginoso dos lucros do setor da saúde privada, dos banqueiros, grandes redes atacadistas, inclusive pela elevação do preço dos alimentos, dentre outros. Também não é exagero constatar que o isolamento social – extremamente necessário do ponto de vista sanitário, não foi uma realidade para aos grupos mais empobrecidos, obrigados a continuar se expondo ao risco diário da infecção pelo novo coronavírus, afinal, para quem padece do trabalho precário, que via de regra é o provedor de sua família, não resta alternativa: melhor correr o risco de tombar pelo vírus que pela fome. É quando a sobrevivência se impõe.
Próximos de alcançar a cifra de 250.000 (duzentos e cinquenta mil) mortos pela Covid-19, deparamo-nos agora de imediato, com a ameaça real do avanço das contrarreformas que visam de imediato reduzir a contraprestação do Estado no que diz respeito aos serviços sociais. A eleição das novas mesas diretoras da Câmara Federal e do Senado – resultando diretamente de um dado tipo de Pedalada Fiscal – nesse caso troca de votos por Emendas Parlamentares junto ao chamado Centrão, alterou a correlação de forças do Governo Federal, tornando muito mais viável a aprovação de matérias do interesse do executivo. É aqui que o quadro muda de grave para gravíssimo. Dentre as prioridades já publicizadas pelo Governo em pleno acordo com o Poder Legislativo, constam pelo menos três medidas estruturantes que se aprovadas, farão com que o movimento de aprofundamento da pobreza e da destruição do que restou do Estado Social, a exemplo do SUS e da Educação Pública, alcance inclusive setores denominados como classe média.
É o que consta da Proposta de austericídio de Emenda à Constituição – PEC 186, também conhecida como PEC emergencial, cujo principal objetivo é reduzir em até 25% o salário dos servidores públicos de todos os poderes, com realce para os Governos Federal, Estaduais e Municipais, congelar os salários, impedir progressões na carreira e a realização de novos concursos públicos. Como contrapartida a PEC promete reduzir em 25% a jornada do servidor público, que para além de agredir diretamente esses servidores, aumenta drasticamente o sofrimento de quem depende dos serviços públicos, como a assistência social, serviços de saúde e educação.
A PEC 32/2020, articulada à anterior, prevê o fim da estabilidade dos servidores públicos. Trata-se de um grande golpe contra a boa prestação de serviços à população. O texto da proposta de austericídio, indica que apenas as chamadas “Carreiras de Estado” continuarão a desfrutar do direito à estabilidade. Na prática, os concursos públicos ficarão muitíssimo restritos e o serviço público se tornará um verdadeiro cabide de emprego para apadrinhados políticos. Com isso é evidente a consequente perda de dimensão e de qualidade do serviço prestado aos cidadãos. Áreas como a Assistência Social, Saúde e Educação seguramente serão drasticamente afetadas, caso a reforma seja aprovada.
No dia 10 deste mês a Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei nº 19/2019, que concede autonomia ao Banco Central do Brasil, instituição responsável pela política monetária do país. Isso significa basicamente que o governo vai transferir do campo da política para o campo da “gestão financeira” parte da política macroeconômica do Estado. Ou seja, o próprio governo abdica de sua autonomia diante dos desafios que são postos pelas diferentes conjunturas, deixando um dos seus principais instrumentos de manobra nas mãos do Mercado Financeiro, portanto, aprofundando o austericídio.
Estes são apenas alguns dos projetos que muito provavelmente serão pautados na Câmara e no Senado da República. Todos eles estão articulados entre si, mas principalmente buscam ajustar o gasto público aos ditames da infame Emenda Constitucional nº 95/2016 que congela os gastos sociais do governo durante 20 (vinte) anos, com o fito propósito de fazer superavit fiscal primário voltado ao pagamento de juros e serviços da dívida pública, algo que não encontra precedente na história republicana brasileira. É a restrição brutal dos direitos sociais para as massas populares, transformando-os em mercadorias às quais apenas uma pequena parcela terá acesso, comprando-os no mercado. De fato trata-se de uma perigosa aproximação com a barbárie total, dado que oficialmente cerca de 14% da população está desempregada e outros milhões desenvolvendo trabalhos precários ou subempregados, os quais não conseguem com seus míseros rendimentos, mais do que sobreviver penosamente.
Caso a classe trabalhadora não consiga reagir a tal ataque de um governo ultraneoliberal de contornos fascistas, o que temos no horizonte é, primeiramente o enfraquecimento das nossas já combalidas liberdades democráticas presentes na Constituição de 1988, bem como o brutal aumento da desigualdade e da violência policial contra os excluídos desse sistema – principalmente a nossa juventude pobre e negra, num país no qual os marginalizados da riqueza social são totalmente descartáveis, e alvos de uma política genocida, que elimina fisicamente seja pelo aparato repressivo, seja pelo negacionismo, de uma lógica perversa em que a pandemia, ao eliminar os mais fracos e dependentes da assistência do Estado, favorece as estatísticas da previdência social em benefício do capital especulativo e fatalmente alimentando o austericídio.
Fontes consultadas
https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/zeina-latif-reforma-administrativa-nao-pode-vilanizar/
Josué Vidal Pereira é professor efetivo do Instituto Federal de Goiás.