As oito horas regulamentares no escritório terminaram. O trabalho mais importante do dia está feito, qualquer coisa que tenha restado pode esperar até amanhã. Este é o momento no qual muitos trabalhadores pensariam em ir para casa.
Mas para milhões de empregados japoneses a ideia de arrumar suas mesas e chegar em casa a tempo para o jantar é suficiente para atrair acusações de deslealdade.
Depois de décadas de carta branca para as companhias ordenharem sua força de trabalho até a última gota de produtividade, o governo japonês lançou um desafio à arraigada cultura do trabalho. As autoridades pretendem tornar legalmente obrigatório que os trabalhadores tirem ao menos cinco dias de férias pagas por ano.
Os empregados japoneses atualmente têm direito a 18 dias e meio pagos de férias anuais, em média, apenas dois a menos que a média global, com um mínimo de 10 dias, além de 15 feriados nacionais. Mas, na realidade, poucos chegam perto de tirar sua cota completa e geralmente usam apenas 9 dos 18 dias e meio previstos, segundo o Ministério do Trabalho. Enquanto muitos trabalhadores britânicos consideram as férias de duas semanas no verão um direito inalienável, os japoneses passaram a ver uma estada de quatro noites no Havaí como o máximo da indulgência.
A medida, que será debatida no atual período legislativo, surge depois de as empresas começarem a incentivar os funcionários a cochilar no emprego para melhorar seu desempenho. No fim da década, o governo espera que, caso aprovada, a lei leve os trabalhadores japoneses a seguir o exemplo dos britânicos, que usam em média 20 dias de descanso remunerado por ano, e dos franceses, que tiram em média 25.
A cultura do trabalho inclemente do Japão pode ter ajudado o país a ser uma superpotência econômica, e seus soldados corporativos são respeitados no resto do mundo pela dedicação à empresa. Mas muitas vezes isso ocorre em detrimento de tudo o mais. A baixa taxa de natalidade e as previsões de rápido declínio populacional são atribuídas em parte à falta de tempo dos casais para iniciarem famílias. Cada vez mais empregados adoecem de estresse ou, pior, sucumbem à karoshi, a morte por excesso de trabalho.
Apesar dos estudos que sugerem que longas horas no escritório, na oficina ou no chão de fábrica não tornam necessariamente os trabalhadores mais produtivos, os japoneses ainda enfrentam uma ressaca coletiva do período de bolha da década de 1980.
Perto de 22% dos japoneses trabalham mais de 49 horas por semana, comparados com 16% dos americanos e 11% dos franceses e alemães, segundo dados do governo do país. Com 35%, a situação dos workaholics da Coreia do Sul é ainda pior.
Ao passar 14 horas por dia no emprego e desistir de muitos feriados pagos, Erika Sekiguchi não é sequer um exemplo radical. A funcionária de uma companhia comercial de 36 anos usou apenas oito de seus 20 dias de férias no ano passado, seis dos quais contaram como licença médica. “Ninguém mais usa todos os dias de férias”, disse Sekiguchi.
Erika enfrenta o dilema de seus colegas em empresas de todo o Japão: tirar um tempo para se recarregar ou correr o risco de atrair críticas por parecer deixar “na mão” os colegas mais empenhados.
Segundo Yuu Wakebe, responsável no Ministério da Saúde por supervisionar a política trabalhista e que admite trabalhar 100 horas extras por mês, esse comportamento nasce da pressão irresistível para se equiparar aos colegas, hora a hora. “É um direito do trabalhador tirar férias pagas”, disse Wakebe. “Mas trabalhar no Japão envolve um grande espírito voluntário.”
O medo de ser criticado no trabalho tem sido apontado como a principal causa do aumento das doenças relacionadas ao estresse, à morte prematura e ao suicídio. Segundo dados oficiais, cerca de 200 japoneses morrem por ano de ataque cardíaco, derrame e outros males de karoshi causados por horários de trabalho punitivos.
No fim do ano passado, um tribunal de Tóquio mandou uma rede de restaurantes pagar 58 milhões de ienes, cerca de 1,4 milhão de reais, de indenização à família do gerente de uma de suas lojas que se enforcou em 2010 depois de ser obrigado a trabalhar um grande número de horas. Documentos do tribunal mostram que ele tinha trabalhado quase 200 horas a mais por mês nos sete meses que antecederam sua morte, uma forma de “assédio de poder” que, segundo o juiz, deixou a vítima mentalmente enferma.
O primeiro-ministro Shinzo Abe não é conhecido por tirar longas férias. Mas até ele se manifestou contra as exigências irracionais que as empresas fazem a seus funcionários, enquanto estes lutam para se manter à tona em um mercado global mais complexo. A cultura de trabalho do Japão “beatifica falsamente as longas horas”, afirmou Abe recentemente.
Fonte: Carta Capital, com The Observer
Texto: Justin McCurry
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Data original da publicação: 14/03/2015