Não basta apostar num futuro de trabalho mais flexível e benéfico aos trabalhadores e aos empregadores se há impactos preocupantes sobre a saúde física e mental.
Raimundo Simão de Melo
Fonte: Conjur
Data original da publicação: 08/04/2022
Como é de conhecimento geral¸ o Direito do Trabalho no Brasil vem sofrendo reduções nos últimos anos, especialmente a partir de 2017, com a reforma da Lei nº 13.467/2017, que, ao contrário do prometido pelos seus idealizadores, reformar para modernizar e criar mais empregos, tal não aconteceu, ou seja, os direitos foram reduzidos e os empregos não foram criados, vivendo o Brasil, hoje, grandes índices de desemprego, achatamento salarial e precarização das condições de trabalho, saldos deixados pela dita reforma trabalhista.
Dessa forma, é necessário que os trabalhadores, seus sindicatos e a sociedade fiquem atentos às mudanças no campo trabalhista, principalmente quando vêm por meio de Medidas Provisórias, muitas delas, que nascem eivadas de inconstitucionalidade, porque não preenchem seus dois necessários requisitos legais: relevância e urgência.
Medidas provisórias somente poderão ser editadas em caráter excepcional, desde que haja relevância e urgência, como determina o artigo 62 da Constituição Federal.
Todavia, sem demonstrar relevância e urgência, em 25/3/2022 o presidente da República emitiu duas medidas provisórias sobre questões trabalhistas (1.108 e 1.109/2022) para estabelecer mudanças no auxílio-alimentação e regulamentar o teletrabalho.
Além das regras sobre auxílio-alimentação, visando ajustar a legislação trabalhista às necessidades do home office, também chamado de trabalho remoto ou teletrabalho, a MP 1.108 trouxe diversas mudanças, como a possibilidade de adoção do modelo híbrido, alternância entre o home office, trabalho remoto ou teletrabalho e o trabalho presencial.
Essa MP possibilita a adoção do modelo híbrido pelas empresas, com prevalência do trabalho presencial sobre o remoto ou vice-versa. A presença do trabalhador no ambiente de trabalho para tarefas específicas, mesmo que de forma habitual, não descaracteriza o trabalho remoto.
Conforme essa MP, o regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde, nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento; o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária e de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Trabalhadores com deficiência ou com filhos de até quatro anos de idade têm prioridade para as vagas em teletrabalho.
O teletrabalho poderá ser contratado por jornada, produção ou tarefa, sendo que, na contratação por produção não será aplicado o Capítulo II do Título II da CLT, que regula a duração do trabalho e prevê o controle de jornada.
Não é demais alertar que na modalidade de trabalho por produção ou tarefa poderá haver fraude, caso empregadores usem essas modalidades como subterfúgios para não se submeterem à jornada de trabalho legal de oito horas diárias (ou outra, conforme a atividade do empregado), bastando, para tanto, estabelecer produção ou tarefa que o empregado não tenha condições de cumprir dentro da jornada normal. Caberá, neste caso, ao próprio trabalhador ficar atento e comunicar a situação ao seu sindicato, bem como aos órgãos de fiscalização do trabalho e, por fim, se necessário, levar o caso ao Judiciário, para anular situações de fraude, na forma do artigo 9º da CLT.
Para atividades em que o controle de jornada não é essencial, o trabalhador terá liberdade para exercer suas tarefas na hora que desejar e, se a contratação for por jornada, a MP permite o seu controle remoto pelo empregador, viabilizando o pagamento de horas extras, caso ultrapassada a jornada regular.
A medida provisória diz que não haverá possibilidade de redução salarial, nenhuma diferença em termos de pagamento de salário para quem trabalha de forma presencial ou remota.
Ainda de acordo com essa MP, haverá a possibilidade de reembolso para os empregados que trabalharem em casa, devendo as empresas pagar gastos dos trabalhadores com energia elétrica, internet e demais equipamentos necessários, sem descontados nos salários.
Todavia, é preciso ter cautela com essa forma de trabalho, uma vez que essas mudanças podem não ser tão benéficas para uma das partes envolvidas. Não se desconhece benefícios do teletrabalho para os trabalhadores, como também para os empregadores. Com ele se possibilita que os trabalhadores façam suas atividades em qualquer lugar, evitando o deslocamento até a empresa e permitindo que, em principio, usufruam mais tempo para o convívio familiar, mas é necessário observar se as normas de saúde e segurança do trabalho estão sendo cumpridas, porque diversas doenças ocupacionais, ergométricas e mentais estão relacionadas diretamente com o teletrabalho, principalmente por conta das sobrejornadas e do isolamento social inerente a essa modalidade de trabalho.
Assim, deve haver preocupação para se coibir violações aos teletrabalhadores, que causam danos irreparáveis para sua saúde física e mental, levando-os ao isolamento social, irritabilidade, depressão e exaustão, o que provoca muitos problemas de saúde.
Não basta, portanto, apostar num futuro de trabalho mais flexível e benéfico aos trabalhadores e aos empregadores, se há impactos preocupantes sobre a saúde física e mental daqueles, pelo que, diante da utilização cada vez maior do teletrabalho, é necessário e urgente criar mecanismos que previnam o adoecimento desses teletrabalhadores, para resguardar o direito fundamental à saúde e à desconexão, uma vez que a efetivação deste direito permite que usufruam de outros direitos fundamentais, tais como o próprio direito ao lazer, consagrado na Constituição Federativa do Brasil como fundamental.
Não obstante isso, fato é que a Medida Provisória em análise, como muitas outras alterações legais que vêm sendo introduzidas na CLT nos últimos anos, não teve essa preocupação, o que atenta contra a Constituição Federal, que no artigo 7º e inciso XXII assegura aos trabalhadores, além de outros direitos que visem à melhoria de sua condição social, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Raimundo Simão de Melo é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos.