Após saída de Ives Gandra Martins Filho, o racha no TST persiste?

Após meses de perdas, uma decisão do TST no final de junho chegou como um respiro para a classe trabalhadora e para parte do meio jurídico trabalhista.

Em uma ação bilionária, a corte superior decidiu, por apenas um voto de diferença, que a Petrobras não pode incluir no cálculo da base salarial de seus funcionários adicionais como trabalho noturno, periculosidade e horas extras. A decisão deve levar a estatal a desembolsar cerca de 17 bilhões de reais para corrigir a remuneração de 51 mil empregados.

Ainda que caiba recurso da decisão, a votação por 13 votos a 12 refletiu um racha da corte que não vem de hoje. De acordo Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), visões de mundo distintas entre ministros sempre existiram nesta e em outras cortes. “Há aqueles com uma perspectiva mais constitucional do Direito Trabalhista. E há outros que seguem uma perspectiva mais legalista, ou seja, que entende que o legislador pode modificar as normas de acordo com as situações e contextos econômicos-políticos-sociais.”

Assim como tribunais como o STF, o mesmo acontece no TST. No entanto, um especialista ouvido por Carta Capital aponta que o antagonismo tão forte que ainda hoje se reflete nas decisões em plenário do tribunal trabalhista é herança deixada pelo ministro Ives Gandra Martins Filho, presidente da corte por dois anos. Ele deixou o posto no início de 2018.

O então chefe da mais alta corte trabalhista não poupou saliva para defender a Reforma Trabalhista, que restringiu drasticamente direitos dos trabalhadores previstas na CLT de 1943. Em entrevista a Carta Capital, ele defendeu mudanças na legislação e disse compreender “a posição dos empresários”.

Tamanho empenho incomodou inclusive seus colegas de tribunal. As efusivas manifestações do ministro a favor da reforma, no entender de vários magistrados, se confundiam com a posição do próprio TST, ainda que não representasse a realidade da instituição.

À época, a ministra Kátia Arruda chegou a encaminhar um ofício ao presidente da corte, em meados de abril do ano passado, questionando se as propostas de emendas da reforma trabalhista saíram da presidência do tribunal.

A divergência ficou ainda mais clara em maio daquele ano, quando 17 dos 27 ministros dos TST enviaram à Presidência do Senado documento em que criticavam a reforma que já estava em tramitação.

“Trouxemos um documento técnico, de colaboração para o trabalho do Senado que aponta no direito individual do trabalho medidas que reduzem imediatamente, e também a médio prazo, uma série de direitos consagrados na legislação atual”, afirmou o ministro Maurício Godinho Delgado na ocasião.

Na avaliação da maioria dos ministros do TST, a proposta “desestimula ou fecha de maneira muito forte” o acesso de pessoas simples e pobres do país à jurisdição. Outra crítica dos ministros é que o texto da reforma “retira direitos e aumenta desproporcionalmente o poder empresarial e do empregador nas relações de emprego, além de desvirtuar a negociação coletiva trabalhista e enfraquecer o sindicalismo no país”.

O documento mostrando a contrariedade da maioria não alterou as linhas da nova norma nem a postura do presidente da corte. Quando a nova legislação foi sancionada pelo presidente Michel Temer, Martins Filho não deixou de celebrar e dizer que a reforma foi a melhor forma de “proteger o trabalhador”. E complementou: “Nós, juízes do trabalho, sentimos falta de um marco regulatório seguro”.

“A visão restritiva do ministro Ives Gandra é pessoal. Talvez mais um ou dois ministros pensem exatamente igual a ele. Mas como Ives acabou deflagrando esse antagonismo tão explícito, alguns que não tem visão tão conservadora quanto a dele – mas que também não têm visão tão progressista quanto a de outros – sentiram-se provavelmente instados a se alinhar com o ex-presidente”, explica Feliciano.

O próprio Gandra chegou a afirmar mais de uma vez à imprensa que a reforma dividia o tribunal. E mesmo depois de sair da presidência, continuou tumultuando a Justiça Trabalhista. Em maio deste ano, mais de 1.500 profissionais, entre magistrados, servidores, advogados e políticos, assinaram documento reagindo à uma fala do ex-presidente. Ele disse que a Justiça do Trabalho poderia acabar se os magistrados se opuserem à reforma.

Em fevereiro passado, Ives Gandra passou a presidência para o ministro João Batista Brito Pereira, que trouxe novos ares para o tribunal. Com um discurso conciliador, Brito Pereira afirmou em sua posse, que “a nova administração do tribunal não sonha com unanimidade, mas unidade para aprimorar o julgamento e ter celeridade para observar a segurança jurídica”. Ele deverá reger a corte até fevereiro de 2020.

O atual presidente não assinou o manifesto contrário a Reforma Trabalhista, diz ser a favor da terceirização com exceções, e que acordos entre funcionários e empregador devem prevalecer. No entanto, vê a importância da presença de sindicatos atuantes para o equilíbrio das relações entre empregado e empregador.

No mesmo dia da votação favorável aos funcionários da Petrobrás, o plenário do TST decidiu que a maioria das alterações previstas na Reforma Trabalhista não se aplica aos processos iniciados antes de 11 de novembro de 217, data em que a Lei 13.467 entrou em vigor.

Seguindo a decisão, os temas como prescrição intercorrente, cobrança do trabalhador de honorários periciais e sucumbenciais, aplicação de multa a testemunha que prestam informações falsas, condenação em razão de não comparecimento à audiência, entre outros, não devem ser considerados em processo que foram protocolados antes da vigência da nova lei.

Para o presidente da Anamatra, as mudança da presidência não necessariamente aponta para direção do tribunal a favor do trabalhador, uma vez que as visões de mundo diferentes se manterão. Entretanto, o diálogo diante das divergências ganha mais espaço.

“Eu diria hoje que nós temos uma parte de ministros com uma visão mais afinada da Constituição de 1988 e com a visão de estado social da Constituição; outra, e aí com ministro Ives Gandra a frente, mais afinada com uma visão que admite que o legislador possa retrair o direito do trabalho conforme a necessidade do momento; for fim temos uma fração central que acaba não se afinando tanto nem com uma posição nem com outra posição e que acaba definindo a maioria”, diz Feliciano.

Para ele, a decisão da Petrobras é um espelho do que o TST poderá vir a enfrentar sob a nova presidência, ao menos no início. “O recente caso das remunerações no âmbito da Petrobras, no qual um único voto fez vencer determinado entendimento técnico-jurídico – atrelado, claro, a certas visões de mundo, e não a outras -, reflete ainda um pouco esse antagonismo que recrudesceu sob a presidência do ministro Ives. A tendência é que isso se dilua. Começarão a se formar, aos poucos, maiorias mais consistentes, com discursos menos extremados.”

Fonte: Carta Capital
Texto: Marina Gama Cubas
Data original da publicação: 04/07/2018

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