Em 22 de janeiro de 2013, cinco trabalhadores foram resgatados da escravidão confeccionando peças da grife “Basic+Chic”, pertencente às Lojas Americanas. Na época, conforme noticiado pela Repórter Brasil, o Ministério Público do Trabalho (MPT) passou a apurar a responsabilidade do grupo. Os trabalhadores resgatados, todos bolivianos, viviam e trabalhavam em condições degradantes em uma oficina de costura clandestina que atendia à empresa Hippychick, que, por sua vez, repassava a produção às Lojas Americanas.
Praticamente oito meses depois, em 25 de setembro, representantes das Americanas concordaram em assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e tomar providências para evitar novos flagrantes de escravidão na produção das peças que comercializam (clique para ler o documento na íntegra). Apesar de negarem a responsabilidade direta pelo caso, eles se comprometeram, entre vários pontos, a fiscalizar as cadeias produtivas e fazer o recadastramento de todos os fornecedores de peças de vestuário. A multa prevista para cada descumprimento é de R$ 20 mil. O caso foi conduzido pelo procurador Guilherme Duarte da Conceição.
Além de assumir os compromissos, a empresa concordou em doar R$ 250 mil para fortalecer o combate ao trabalho escravo no país. O valor corresponde a 0,06% do lucro líquido em 2012, que foi de R$ 410,2 milhões. Em 2011, o lucro líquido foi de R$ 340,4 milhões. Ou seja, de 2011 para 2012 houve um aumento de 20,5% de ganhos. O grupo tem crescimento acelerado desde 2006, quando a fusão do Americanas.com com o site de vendas Submarino resultou na criação da B2w, uma nova frente especializada em vendas virtuais. As informações são baseadas em balanços financeiros divulgados pela empresa.
Procurada na manhã da terça-feira (1), a assessoria de imprensa da empresa informou que não comentaria a assinatura do TAC. No começo do ano, quando o flagrante de escravidão aconteceu, a rede negou por meio de nota a responsabilidade sobre a situação e disse que qualquer tipo de trabalho realizado em condições degradantes é repudiado pelo grupo.
Nas discussões com o MPT, a estratégia dos advogados das Americanas foi ressaltar que no caso em questão não havia uma relação direta entre a empresa e a oficina clandestina. Também contou o fato de a produção não ser exclusiva e de a Hippychick possuir o selo ABVTEX quando o flagrante aconteceu – a intermediária acabou descredenciada. As Americanas defenderam que o selo poderia ser entendido como uma garantia de responsabilidade social por parte da Hippychick, que não foi cumprida.
Além disso, duas decisões judiciais anteriores enfraqueceram a possibilidade de responsabilização direta pela situação. Em dois processos trabalhistas diferentes referentes ao caso em questão, o juiz do Trabalho Pablo Souza Rocha defendeu que as Americanas não poderiam ser responsabilizadas por violações cometidas.
“Nesses casos, dada a natureza de relação comercial, não há terceirização e, por isso, não incide a responsabilidade subsidiária da Súmula 331 do C. TST. Convence-me (…) a declaração da reclamante de que não via prepostos das Lojas Americanas frequentarem a 1ª reclamada, tampouco recebia ordens diretas de preposto das Lojas Americanas. Desse modo, julgo improcedente os pedidos formulados contra as Lojas Americanas”, escreveu o juiz.
O flagrante
A oficina clandestina em que os trabalhadores foram resgatados funcionava nos fundos de uma casa em Americana, no interior de São Paulo. Por cada peça produzida, os trabalhadores recebiam R$ 2,80 da Hippychick, cuja sede fica na cidade vizinha Santa Bárbara d’Oeste. Nenhum funcionário tinha registro em carteira e a jornada de trabalho era de 12 horas diárias. No momento em que a fiscalização foi realizada, foram encontradas quatro crianças – sendo uma delas recém-nascida – dividindo o espaço com os pais. As duas casas em que os trabalhadores moravam estavam com a estrutura comprometida e apresentavam precárias condições de higiene.
O proprietário mantinha parentes trabalhando sob condições notadamente insalubres. O calor era intenso, por causa das telhas de amianto, o pé direito baixo e as laterais fechadas – o que impedia a circulação de ar. As pilhas de tecido espalhadas pelo espaço, além de dificultarem a circulação dos trabalhadores, aumentavam o risco de incêndio, por estarem próximas a “gambiarras” elétricas – o local não possuía extintores e saídas de emergência.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), também presente, efetuou o resgate de cinco trabalhadores, enquadrando a situação como de trabalho análogo à escravidão, nos moldes do artigo 149 do Código Penal, situação na qual os resgatados têm direito ao seguro-desemprego.
Segundo o MPT, a HippyChick assumiu na ocasião a contratação de bolivianos para costurar as peças que seriam fornecidas à Lojas Americanas e seus representantes assinaram um TAC se comprometendo a indenizar os bolivianos pelos danos causados, em um valor individual de R$ 5 mil por trabalhador. Também assumiram o compromisso de não intermediar a mão de obra para outras empresas e não realizar atividades empresariais que não possuam condições de meio ambiente e segurança do trabalho dignas.
Fonte: Repórter Brasil
Texto: Daniel Santini
Data original da publicação: 01/10/2013