Marina Sampaio e Paula Freitas de Almeida
Fonte: Brasil Debate
Data original da publicação: 03/12/2018
A reforma trabalhista foi justificada pela necessidade de tornar o Brasil mais competitivo e, simultaneamente, gerar empregos. A desregulação das relações de trabalho foi o mecanismo eleito, passando a permitir a livre contratação de trabalhadores. Ela atenderia à dinâmica capitalista internacional, que exige flexibilidade na contratação e exploração do tempo de trabalho, demandando liberdade de negociação. A seguir, identificamos alguns dos efeitos provocados pela reforma nesse um ano de sua vigência, todos incompatíveis com as justificativas iniciais.
Em relação à proposta de geração de empregos, assistiu-se a um baixo acréscimo no saldo de ocupações, já com retração em outubro. O saldo acumulado do ano até esse mês foi de 696.876[1], mas a retração em relação a agosto chegou em 58,2%, e, em setembro foi de 58,0%.
A expectativa é que o saldo seja negativo em dezembro, pois há retração do mercado de trabalho: em dez/ 2017 foram fechados 328.539 postos de empregos formais; em 2016, 462.366; em 2015, 596.208, com a mesma tendência nos anos anteriores. Portanto, as metas governamentais não devem ser atendidas.
Os números mostram a falta de estabilidade característica dos vínculos trabalhistas constituídos sob uma legislação permissiva. O saldo de empregos obtido até então é resultado de 12.736.650 admissões, e 12.039.774 desligamentos ao longo do ano. Há, portanto, grande taxa de rotatividade no mercado de trabalho brasileiro e o saldo de empregos gerados correspondeu a apenas 5,47% do total de admissões.
Outro ponto diz respeito ao rebaixamento de salários. Com os contratos intermitentes e a ampliação da jornada parcial, o salário mínimo tende a tornar-se “salário-teto”, recebido somente pelos trabalhos com maiores jornadas semanais. De janeiro a outubro/2018, 1.587.366 admissões receberam até 01 salário mínimo[2]. Nas contratações a tempo parcial, a remuneração média é inferior a R$ 900,00, enquanto que nos intermitentes a remuneração média das mulheres é de R$ 773,00 e dos homens, R$ 970,00.
A legalização irrestrita da terceirização deve aprofundar a tendência de redução salarial desses trabalhadores. Antes, salvo exceções, o uso dessa contratação era mais empregado em profissões de menor salário, o que diminuía a margem para a redução dos rendimentos em comparação com o contratado direto, tendo em vista o piso do salário-mínimo. O alcance de profissões melhor remuneradas poderá aprofundar as diferenças salariais entre terceirizados e trabalhadores diretos, haja vista a maior margem para a redução de custos do tomador.
Também houve aumento da informalidade e das fraudes ao vínculo de emprego. Em novembro de 2017, o número de trabalhadores sem carteira assinada no setor privado era 10,979 milhões. No terceiro trimestre de 2018, aumentou para 11,511 milhões. No trabalho doméstico, passou de 4,344 para 4,448 milhões. Igualmente, o setor público registrou incremento, variando de 2.468 para 2,560.[3] Houve, portanto, aumento da informalidade nos setores privado e público.
Entre janeiro e outubro/ 2018 houve 12.039.774 desligamentos. Desses, 2.747.294 ocorreram a pedido, o qual não autoriza seguro-desemprego ou saque do FGTS, o que pode indicar a troca de trabalho por iniciativa do trabalhador para condição melhor ou a mudança para a configuração de outro vínculo como autônomo ou PJ, inclusive prestando serviços para aquele que até então era seu empregador.
Com o aumento da informalidade e da não efetividade da lei sobre os vínculos formais, o sistema previdenciário perde parte de seu financiamento, convertido em apropriação daquele que contrata a força de trabalho em vínculos informais ou que deixa de observar os recolhimentos nos vínculos formais.
O prejuízo com a perda de direitos e facilitação institucional para a violação vieram acompanhados da criação de obstáculos ao exercício do direito de ação e ao acesso à justiça. Houve redução de 40% dos ajuizamentos de reclamações trabalhistas[4]. Esses números não refletem seu aspecto qualitativo, pois a queda parece decorrer da previsão do ônus da sucumbência e da redução do alcance da justiça gratuita. A capacidade financeira dos trabalhadores não possibilita arcar com riscos – 95% da população ganha até R$ 2.862,00 para seu sustento e de sua família[5], valor aquém do previsto para a gratuidade.
A previsão de pagamento de honorários periciais à parte sucumbente (ainda que beneficiária da justiça gratuita) pode levar à redução dos pedidos relacionados a medicina e segurança, significando impedimento das reparações dos danos à saúde e à integridade física do trabalhador e impunidade do empregador. A ausência da reparação contribui para as infrações e, consequentemente, para o aumento dos adoecimentos e acidentes do trabalho.
No âmbito coletivo, houve redução média de 89,36% da arrecadação dos impostos sindicais relacionados às entidades e centrais sindicais consideradas conjuntamente[6]. A queda do financiamento enfraquece sindicatos e desequilibra negociações.
Identificou-se diminuição de 77,92% nas homologações realizadas nos sindicatos o que, combinado com o fato de 69% das rescisões por mútuo acordo estarem sendo chanceladas pela Justiça mesmo quando renunciam direitos[7], demonstra o desamparo do trabalhador face ao poder potestativo do empregador.
*Observação: os dados obtidos até o momento são preliminares e indicam tendências que poderão ser alteradas, confirmadas e aprofundadas a depender de fatores como aquecimento da economia e implementação de pontos da reforma até então evitados em razão da insegurança jurídica gerada pelas ações de inconstitucionalidade que tramitam no STF.
Notas:
[1] As informações referenciadas ao CAGED foram trabalhadas conforme dados encontrados no Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho (PDET), disponibilizados em: http://pdet.mte.gov.br/acesso-online-as-bases-de-dado [2] CAGED. [3] IBGE. [4] TST (2018). Primeiro ano da reforma trabalhista: efeitos. [5] CAGED. [6] DIEESE. [7] CNJ. Justiça em números 2018.Marina Sampaio é auditora-fiscal do Trabalho, diretora de Educação do Instituto Trabalho Digno e integrante do GT da Reforma Trabalhista do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT/IE/Unicamp).
Paula Freitas de Almeida é advogada e professora na área de relações do trabalho. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do IE-Unicamp, integra o GT da Reforma Trabalhista do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT/IE/Unicamp).