
Cássio da Silva Calvete
Os dados gerados pelos trabalhadores e extraídos pelas empresas desde sempre são fonte de poder e instrumentos utilizados para o aumento da produtividade dos trabalhadores. Na forma de organização do processo de produção taylorista, o Método Científico de Administração e, no fordismo, o Departamento de Recursos Humanos, tinham como objetivos o aumento da intensidade do trabalho e aumento da produtividade (BODIE, 2022). No entanto, as ferramentas existentes hoje são muito mais poderosas e automatizadas. Elas podem medir o tempo de execução de tarefas, as pausas entre tarefas, o número de teclas digitadas, o número de piscadas na frente da tela, o número de clicks no mouse, enfim são infinitas as possibilidades de medição e interpretação do tempo do trabalhador individual e coletivo. Esses números gerados pelos trabalhadores, captados e interpretados pelas empresas são utilizados contra os interesses dos trabalhadores, que são os geradores dos dados.
A manipulação dos trabalhadores, pelos empregadores, com os dados extraídos dos próprios trabalhadores ocorre na medida em que tendo as médias coletivas e os dados individuais as empresas passam a exigir dos trabalhadores que estão com a produtividade abaixo da média, o aumento na intensidade do trabalho. Bodie (2022) avalia que os trabalhadores estão presos em uma armadilha, quanto mais dados eles geram, mais poder as empresas tem sobre eles. Katsabian (2023) também coloca que com as informações extraídas dos próprios trabalhadores, as empresas podem manipular, individual e coletivamente, os trabalhadores para o aumento da produtividade.
Dubal (2023, p.7) em seu estudo sobre discriminação salarial, nas empresas Uber e Lift, produzidos pelo sistema de pagamento digital ou, em outras palavras, pelo sistema algoritmo, coloca que: “(…) pessoas que fazem o mesmo trabalho, com a mesma habilidade, para a mesma empresa, ao mesmo tempo, recebem diferente pagamento por hora”. A autora se refere a esse fato como sendo um salário personalizado que é viabilizado pela complexidade e obscuridade do sistema de cálculo que impossibilita os trabalhadores saberem como ele é definido ou mesmo quando é alterado e por quê. Com aumento do monitoramento e da vigilância no local de trabalho e os avanços da inteligência artificial, com a captura de dados de cada indivíduo que obtém hábitos, práticas e objetivos de rendimento, o software consegue estimar com excelente precisão as taxas salariais necessárias para incentivar os comportamentos de cada indivíduo desejados pela empresa (DUBAL, 2023; VALLAS, SCHOR, 2020; BODIE, 2022).
Com as informações extraídas de cada trabalhador a empresa sabe exatamente qual a remuneração que motivará o trabalhador a estender a sua jornada de trabalho, o tempo que ele se dispõe a esperar pela nova tarefa, que tipo de incentivo o motiva e qual a estratégia utilizar com cada trabalhador. Enfim, extraindo as informações individuais e analisando-as, a empresa pode manipular cada trabalhador e ter estratégias de gerenciamento individualizadas para intensificar o ritmo de trabalho, estender a jornada e estimular a distribuição do tempo de trabalho da melhor forma que lhe aprouver (DUBAL, 2023).
Bibliografia
BODIE, M. The Law of Employee Data: Privacy, Property, Governance. Indiana Law Journal: Vol. 97: Iss. 2, Article 7. Available at: https://www.repository.law.indiana.edu/ilj/vol97/iss2/7. 2022.
DUBAL, V. On algorithmic wage discrimination. Early Draft Paper, presented at the study group on artificial intelligence at the Bonavero Institute of Human Rights at Magdalen College, University of Oxford, 2023.
KATSABIAN, T. Privacy as the Basis of Workers’ Dignity in the “Information Workplace”. Early Draft, presented at the study group on artificial intelligence at the Bonavero Institute of Human Rights at Magdalen College, University of Oxford, 2023.
VALLAS, S; SCHOR, J. What Do Platforms Do? Understanding the Gig Economy. Annual Review of Sociology, Vol. 46, pp. 273-294, 2020, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3670075, July, 2020.
Cássio da Silva Calvete é Professor associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Economia Social e do Trabalho pela UNICAMP e com pós-doutorado pela Universidade de Oxford.

