A reforma trabalhista e o aumento do trabalho informal

Antes mesmo de sua aprovação, a Reforma na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT sempre fora assunto recorrente nos meios de comunicação pelas diversas propostas em tramitação nas casas do Poder Legislativo. Há muito se discute sobre os impactos que tal reforma, hoje uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro, poderia causar sobre os direitos dos trabalhadores. Este trabalho busca demonstrar a relação das mudanças nas leis trabalhistas com o aumento do trabalho informal no país e, por conseguinte, em sua precarização.

Ariane Maria Blum

Fonte: Justificando
Data original da publicação: 18/08/2020

Por se tratar de um tema atual, tendo entrado em vigor há menos de três anos, a presente pesquisa se mostra relevante para o meio acadêmico, bem como para o Direito Trabalhista, por se dedicar a analisar a proporção dos impactos gerados por tal reforma na sociedade e na classe trabalhadora. A análise da forma com que as mudanças foram aprovadas é de suma importância no diagnóstico dos impactos gerados por estas. A análise estatística das taxas de desemprego anteriores e posteriores à reforma faz com que se possa vislumbrar seus resultados. 

A pesquisa terá como objetivo abordar, em aspectos gerais, o contexto histórico da época de sua aprovação, os protagonistas que a articularam e seus interesses, seus resultados e supostos fenômenos causados por tais mudanças. 

Buscando qualificar o estudo sobre o assunto far-se-á uso da pesquisa bibliográfica por meio de pesquisa em doutrinas, legislação, jurisprudências e a utilização da internet para leitura de artigos científicos publicados em eventos online ou revistas eletrônicas. 

Uma reforma apoiada pelo empresariado

Para compreender o escopo da Reforma Trabalhista é necessário um retrospecto à época em que ela fora aprovada e seu contexto político e econômico.  Desde 2014 o Brasil vinha enfrentando uma severa crise, tanto política quanto econômica, uma agravando a outra. A não aceitação do resultado das urnas pela oposição, fez com que o país mergulhasse num mar de incertezas sobre qual destino se mostraria a frente. A economia em recessão era agravada pelo cenário político e pelos constantes golpes sofridos pelo governo Dilma Rousseff no Congresso Nacional, em especial pautas orçamentárias, conhecidas como “pautas bomba”, aprovadas pelo Senado e pela Câmara, que abririam os cofres públicos em um momento de contenção de gastos por parte do Poder Executivo, o que geraria ainda mais instabilidades. 

A Operação Lava Jato entra neste cenário, acirrando ainda mais a crise. Com sua gigantesca cobertura midiática, consegue mobilizar um setor da sociedade adormecido até as marchas de junho de 2013, quando “o gigante acordara”: a classe média insatisfeita com o atual governo e suas políticas assistenciais. 

No final de 2015, fora instaurado processo de impeachment contra a presidenta eleita com a grande articulação do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, membro do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, que até pouco tempo pertencia à base aliada do governo. Pode-se afirmar que a abertura do processo se deveu, em muito, ao descontentamento de Cunha com a posição do partido da presidenta, e dela própria, sobre diversas questões de interesse do Presidente da Câmara, em especial, às renovações de concessões dos portos públicos, beneficiando diversos empresários e defendida por Cunha. 

Em meados de 2016 é confirmado o impeachment pelas apelidadas “pedaladas fiscais”, prática comum de todos os governos anteriores e dos atuais, que em síntese, consistem em operações orçamentárias executadas pelo Tesouro Nacional que atrasam os repasses aos bancos públicos para pagamento de programas assistenciais, fazendo com que estes, realizem os pagamentos com recursos próprios e que as metas fiscais do Poder Executivo sejam cumpridas, demonstrando equilíbrio nas contas públicas. Com isso, o vice-presidente Michel Temer, filiado ao partido de Eduardo Cunha é empossado presidente do país. Citado em diversas delações, o presidente figurava como alvo de vários protestos enquanto a crise econômica se agravava. A reforma trabalhista de 2017 surge então, da necessidade do governo em exercício na época, acalmar os mercados e o empresariado, frente às instabilidades políticas geradas pela grave crise institucional desde a derrubada da presidenta eleita e de reiteradas notícias de corrupção do governo substituto. 

O anteprojeto apresentado pelo governo ao Congresso Nacional, em 23/12/16 (quando recebeu o número PL 6787/16), com o apelido de uma minirreforma, feito às pressas para abafar mais uma crise política, tinha míseras 9 páginas, incluindo a justificativa, e alterava apenas 7 artigos da CLT, além de propor uma reformulação na Lei n. 6.019/16 (trabalho temporário). No relatório final do PL 6787/16, apresentado em 12/04/17 (devendo-se considerar que, de fato, a tramitação do PL teve início em 09/02/17, quando foi instalada a Comissão Especial da Reforma e eleito como relator o deputado Rogério Marinho, o que resulta em parcos dois meses de tramitação), já se tinham 132 páginas, incluindo o Parecer, propondo a alteração de mais de 200 dispositivos na CLT, dentre artigos e parágrafos, todas no mesmo sentido, qual seja, o do acatamento de teses jurídicas ligadas aos interesses empresariais (MAIOR, 2017). 

Foram alterados diversos dispositivos da CLT, o que refletiu diretamente no direito material e processual do trabalho. Da maneira como foi gestada torna-se um dispositivo legal infraconstitucional indubitavelmente questionável uma vez ter sido fruto de um dos governos com a mais baixa popularidade da história do país, tendo encerrado seu mandato sendo considerado ruim ou péssimo por 62% da população e que, de forma bastante clara, acatara as demandas dos setores empresariais em detrimento dos direitos trabalhistas. 

Além disso, não houvera qualquer participação dos trabalhadores no processo de elaboração da reforma por meio de consulta popular. Em se tratando de mudança significativa nos direitos trabalhistas, seria o mínimo a se esperar. Outro aspecto preocupante é o atropelamento do princípio constitucional do não retrocesso.

O princípio do não retrocesso social ou aplicação progressiva dos direitos sociais caracteriza-se pela impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na Constituição, ou que tenham sido positivados em normas infraconstitucionais, garantindo ao cidadão o acúmulo, proteção e perenidade de seu patrimônio jurídico e o avanço na concretude fática do conceito de cidadania (ALVAR, 2011).

Previsto no caput do artigo 7º da Magna Carta, trata da progressividade dos direitos dos trabalhadores e veta que se legisle de forma a suprimir os já consolidados, sendo considerado um dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Informalidade: uma realidade pós reforma

Tinha-se que com o advento da reforma trabalhista e com a suposta modernização da relação de emprego o problema das altas taxas de desemprego cairia. Porém, tal realidade não se concretizou. Em 2016, ou seja, antes da aprovação da reforma, a taxa de desemprego havia fechado em 11,5%, já em julho de 2019 apresentava índice de 11,8% tendo chegado em 12,5% entre fevereiro e abril do mesmo ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. 

O que se tem visto é um considerável aumento do trabalho informal, ou seja, aquele que não contempla os trabalhadores em seus direitos básicos previstos na CLT, abrangendo os trabalhadores nos setores privados ou trabalhadores domésticos sem registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS e os trabalhadores autônomos que não possuem Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ. Segundo o IBGE, esse índice bateu recorde chegando a 41,3% da população ocupada, o que demonstra que a reforma impactou negativamente na relação de emprego, gerando vulnerabilidade social, uma vez que esses trabalhadores continuam prestando serviços não-eventuais, sendo subordinados às pessoas físicas ou jurídicas de forma onerosa, porém, sem as garantias da CLT e sem a cobertura da Previdência Social, tendo em vista a falta de registro em carteira ou falta de inscrição no CNPJ.

Os números acima demonstram que a preocupação dos que se apresentavam contrários à reforma trabalhista com o enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores não era infundado. As leis trabalhistas devem ser consideradas uma conquista dos trabalhadores ao longo da história, são uma evolução da sociedade que parte de um modelo escravagista e chega ao momento em que se garantem direitos mínimos para a parte hipossuficiente da relação de trabalho. Flexibilizar a lei partindo do princípio de que com menor interferência do Estado essas relações se dariam de forma equitativa é negar a história e o próprio presente. 

Uberização: um fenômeno neoliberal

Em se tratando do aumento da informalidade no mercado de trabalho, não se pode deixar de citar o fenômeno da “uberização”, expressão que surgiu com a propagação dos aplicativos de entrega e de transporte individual de passageiros. O modelo, a princípio, parece bastante atraente diante do cenário de crise e desemprego que vive o país. A flexibilidade nos horários bem como os imediatos rendimentos, escondem a precarização das relações de trabalho que essa novidade traz consigo. Nas palavras de Selma Venco (2019), “consiste em uma falsa noção de autonomia e independência, implica importante intensificação e carga do trabalho, com vistas a obter rendimentos suficientes à sobrevivência”.

No modelo, cabe ao trabalhador arcar com todos os custos referentes aos instrumentos que utilizará para desempenhar suas atividades. Aparelho celular, internet, combustível, manutenção, seguro e em caso de acidente, os danos causados ao seu instrumento de trabalho. Além disso, a empresa também não se responsabiliza pela segurança do trabalhador durante o trabalho. Os trabalhadores não possuem registro em carteira e em consequência disso, ficam desassistidos pela previdência, entre direitos sociais. 

Além disso, os valores repassados para essas empresas podem chegar a 30% do que é recebido do cliente. Levando em conta os baixíssimos preços praticados, não sobra muito ao trabalhador que precisa estender sua jornada em muito para que consiga observar algum rendimento. Além disso, os trabalhadores desse tipo de serviço são constantemente avaliados, a cada cliente, o que implica em forte pressão psicológica, mais um agravante deste modelo já tão precário. 

A “uberização”, assim como todo trabalho informal, é um fenômeno do neoliberalismo, que planta na sociedade a falsa ideia de que todos possuem as mesmas oportunidades e de que somente com o máximo esforço individual é possível ascender socialmente. Não leva em conta todas as contradições do mundo globalizado e capitalista e rechaça o papel do Estado na garantia dos direitos básicos dos cidadãos, como a garantia da dignidade da pessoa humana. 

O presente artigo aborda a relação da Reforma Trabalhista com o aumento dos índices de trabalho informal no país e de que forma o impacto de tais mudanças será observado pela classe trabalhadora. A pesquisa se faz necessária tendo em vista não ser unânime a legalidade e até mesmo a constitucionalidade dos referidos dispositivos. 

Faz-se um retrospecto até a época em que foi aprovada, em meio a uma crise política e econômica. Aponta-se para a sua questionável tramitação e aprovação, sem participação popular e fruto de um governo com baixíssima aprovação. Além disso, demonstra-se que a principal meta estipulada para a reforma, que seria a geração de empregos, não foi alcançada, ao contrário, o número de trabalhadores sem emprego aumentou circunstancialmente levando muitos para a informalidade.

Aponta-se para o fenômeno da “uberização”, vendido como uma alternativa a crise e ao desemprego presentes no atual cenário nacional, mas que por trás das aparências torna ainda mais precária a vida da classe trabalhadora e planta na sociedade a ideia neoliberal de que somente o esforço individual é capaz de fazer ascender socialmente o cidadão, em detrimento de seus direitos.

Referências

ALVAR, Maria Vitoria Queija. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e o princípio do não retrocesso social no Brasil. 2011. Disponível em: < https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-88/os-direitos-fundamentais-dos-trabalhadores-e-o-principio-do-nao-retrocesso-social-no-brasil/>. Acesso em: 24 de março de 2020. 

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial [da] União, Brasília, 1 mai. 1943. Disponível: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del5452.htm>. Acesso em: 22 de março de 2020. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 22 de março de 2020. 

MAIOR, Jorge Luiz Souto. A quem interessa essa “reforma” trabalhista? 2017. Disponível em: < https://www.anamatra.org.br/artigos/25548-a-clt-de-temer-cia-ltda>. Acesso em: 22 de março de 2020. 

VENCO, Selma. Uberização do trabalho: um fenômeno de tipo novo entre os docentes de São Paulo, Brasil? 2019. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csp/v35s1/1678-4464-csp-35-s1-e00207317.pdf>. Acesso em: 24 de março de 2020.

Ariane Maria Blum é funcionária pública da Assistência Social e bacharel em Direito .

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