Jair Bolsonaro defende mudanças na legislação trabalhista como uma das formas de incentivar a criação de emprego no país. Como parte desses planos, o presidente cita o aprofundamento da reforma trabalhista, aprovada no governo de seu antecessor, Michel Temer.
A ideia, apresentada durante a campanha eleitoral, continua entre as intenções de Bolsonaro, como sinalizou o presidente em sua primeira entrevista após a cerimônia de posse, concedida ao SBT, na quinta-feira (3). Para Bolsonaro, o excesso de regras e exigências inibe a criação de empregos por tornar a mão de obra muito cara para o empregador.
Como exemplo do que chama de “excesso de proteção” Bolsonaro citou a Justiça do Trabalho e defendeu a extinção de um ramo específico para o julgamento de ações trabalhistas.
“Qual país do mundo que tem [Justiça do Trabalho]? Tem que ser Justiça comum. Tem que ter a sucumbência. Quem entrou na Justiça, perdeu, tem que pagar. Até um ano e meio atrás, no Brasil, era em torno de 4 milhões de ações trabalhistas por ano. Ninguém aguenta isso. Nós temos mais ação trabalhista que o mundo todo junto. Então algo está errado. É o excesso de proteção”
– Jair Bolsonaro, presidente da República, em entrevista ao SBT, em 3 de janeiro de 2019
Mudanças na organização do Judiciário dependem de aprovação de deputados e senadores. Não há nada formalizado nesse sentido no Legislativo nem no governo Bolsonaro.
Em meados de 2017, durante os debates da reforma trabalhista, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a Justiça do Trabalho “nem deveria existir”. “O excesso de regras (…) gerou 14 milhões de desempregados”, disse, citando números da época – atualmente são 12,2 milhões, com índice de trabalhadores informais em alta.
Na entrevista, Bolsonaro disse apenas estar estudando o assunto. De concreto no campo trabalhista em sua gestão houve a extinção do Ministério do Trabalho, dividindo as atribuições da pasta com outras três, as da Economia, da Justiça e da Cidadania.
“Isso daí [formalizar a proposta de extinção da Justiça do Trabalho] a gente até poderia fazer, está sendo estudado. Em havendo clima nós podemos discutir essa proposta e mandar para frente. A mão de obra do Brasil é muito cara. O empregado ganha pouco, mas a mão de obra é cara. Eu costumo dizer: é pouco para quem recebe, é muito para quem paga. Devemos modificar isso daí”
– Jair Bolsonaro, presidente da República, em entrevista ao SBT, em 3 de janeiro de 2019
As reações à declaração
Representantes de entidades de classe de juízes e promotores apontaram equívocos na declaração do presidente e defenderam a manutenção da Justiça do Trabalho. Em nota divulgada domingo (6), a Frentas (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público) afirmou que a fala de Bolsonaro contraria o interesse público.
A Frentas representa 40 mil juízes e membros do Ministério Público. Na nota, a entidade diz que a supressão da Justiça do Trabalho fere o princípio da Constituição da separação entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, além de desrespeitar pactos internacionais assinados pelo Brasil que tratam de direitos sociais.
“Não é real a recorrente afirmação de que a Justiça do Trabalho existe somente no Brasil. A Justiça do Trabalho existe, com autonomia estrutural e corpos judiciais próprios, em países como Alemanha, Reino Unido, Suécia, Austrália e França. (…) A Justiça do Trabalho não deve ser ‘medida’ pelo que arrecada ou distribui, mas pela pacificação social que tem promovido ao longo de mais de setenta anos”
– Frentas, Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, em nota oficial divulgada em 6 de janeiro de 2019
Assinam o texto presidentes de entidades como a Associação dos Magistrados Brasileiros, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e Associação dos Juízes Federais do Brasil. Para seus representantes, se há excesso de ações, é preciso discutir as leis. Algumas dessas entidades convocaram um ato da categoria para 21 de janeiro para tratar da atuação da Justiça do Trabalho e de sua importância a fim de formalizar uma resposta ao presidente.
“Transferir essa competência para a Justiça comum, absolutamente, não muda este quadro. A litigiosidade trabalhista continuará rigorosamente a mesma, sob o manto da mesma legislação trabalhista e com os mesmos obstáculos no campo econômico”
– Guilherme Guimarães Feliciano, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), em nota oficial divulgada em 4 de janeiro de 2019
Entre advogados e pesquisadores há quem não veja riscos aos direitos trabalhistas com a extinção da Justiça do Trabalho.
“Mesmo que, lá na frente, se optar por fazer uma reformulação e por meio de uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição] se coloque suas atribuições junto com a Justiça Federal, não vejo nenhum problema, até porque a competência da matéria vai continuar disposta na Constituição como está”
– Ricardo Calcini, advogado, em entrevista ao site Jota, publicada em 4 de janeiro de 2018
“Mais grave que o fim da Justiça do Trabalho é o custo administrativo para mantê-la. Poderia funcionar tudo junto tranquilamente”
– Pedro Abreu, advogado, em entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada em 7 de janeiro
O que é e qual é o tamanho da Justiça do Trabalho
A Justiça do Trabalho compõe a estrutura do Judiciário brasileiro desde 1941, quando foi instalada, e tem o papel de conciliar e julgar ações entre empregados e empregadores.
Na entrevista ao SBT, Bolsonaro afirmou que os custos da ação trabalhista, em casos de derrota, deveriam ficar sob responsabilidade do empregado, em especial a sucumbência, o que é pago ao advogado da outra parte do processo. Isso já passou a ocorrer com a reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017.
Desde então, o número de ações caiu 38% (de 2,2 milhões para 1,4 milhões) entre janeiro e setembro de 2018, na comparação com o mesmo período de 2017, antes portanto da reforma. Os dados são do Tribunal Superior do Trabalho. A redução foi atribuída também à nova regra.
O número de ações recebidas por ano, mencionado por Bolsonaro, está correto. Em 2017 a Justiça do Trabalho recebeu 4,3 milhões de casos novos e julgou 4,6 milhões no mesmo período, de acordo com o relatório Justiça em Números 2018 (com dados de 2017), elaborado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Mas a afirmação sobre o volume de ações trabalhistas no Brasil ser o maior “que o mundo todo junto” não tem, até o momento, sustentação em pesquisas. Também não há estudos que apontem a relação direta entre legislação trabalhista e geração de empregos.
Estrutura e números
Hierarquia
O órgão máximo da Justiça do Trabalho é o Tribunal Superior do Trabalho, composto por 27 ministros que têm por função principal uniformizar as decisões sobre ações trabalhistas, além de julgar recursos. Abaixo dele estão os Tribunais Regionais do Trabalho, com 24 unidades no país. Na primeira instância, ficam as varas do trabalho, com sede em 624 municípios (11,2% dos municípios brasileiros), segundo dados de 2017 do CNJ.
Os gastos
Divisão na 1ª instância
Ao todo, há 1.572 unidades de Justiça do Trabalho na primeira instância, equivalente a 10,2% do total entre as unidades de primeiro grau do Judiciário. São em maior número as varas estaduais (que tratam de assuntos diversos, como áreas cível, criminal, infância e juventude), com 10.035 (65,2%), seguidas pela Justiça Eleitoral, com 2.771 unidades (18%).
Razões de disputa
As ações trabalhistas mais comuns tratam de temas como rescisão contratual, pagamento de verbas indenizatórias, diferença salarial e indenizações por danos morais. O balanço mais recente do Judiciário indica que, em 2017, havia 5,5 milhões de processos à espera de julgamento. Na Justiça Estadual comum havia 63,4 milhões, segundo o CNJ.
Juízes e servidores
Por ser o ramo que mais concentra processos no país, a Justiça Estadual é a que também tem maior número de magistrados e servidores. A Justiça do Trabalho vem na sequência.
A mão de obra
Fonte: Nexo
Texto: Lilian Venturini
Data original da publicação: 07/01/2019