Mario Henrique Ladosky
Fonte: Revista da ABET, v. 14, n. 1, p. 114-140, jan./jun. 2015.
Resumo: O título deste artigo expressa a tese que aqui se defende: há uma nova estrutura sindical em processo de consolidação no Brasil. Tal transformação se desenvolve, lentamente, desde a ascensão do novo sindicalismo, no final dos anos 1970, com mudanças pontuais na estrutura corporativista herdada de Vargas, e toma impulso a partir do governo Lula, quando se reconfigura a relação entre Estado e Sindicalismo no Brasil após a promulgação da Lei no 11.648 / 2008, que promoveu o reconhecimento legal às centrais sindicais. Defende-se a tese de que o corporativismo estatal oriundo da década de 1940 agregou elementos neocorporativos de intermediação de interesses nos anos 1990, e uma competição aos moldes pluralistas no primeiro decênio do século XXI, formando uma combinação entre eles, carregada de contradições. Nesse sentido, este artigo analisa mais detidamente três aspectos bastante específicos da organização sindical após 2008 que justificam a tese: o registro sindical, a tabela de categoria e, relacionado a estes, os critérios de aferição da representatividade das centrais sindicais.
Sumário: 1. Introdução | 2. Algumas notas sobre o corporativismo estatal na organização sindical brasileira | 3. As lutas sociais dos anos 1980 por participação social e a conquista dos arranjos neocorporativos | 4. A organização sindical após a constituição de 1988 | 5. A ampliação dos espaços de participação no governo Lula e a reforma sindical fatiada | 6. Considerações finais | Bibliografia
1. Introdução
O presente artigo parte de minha tese de doutoramento em sociologia, cujo tema abordou o corporativismo no período mais recente do sindicalismo brasileiro tendo como referência a trajetória da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior e mais antiga dentre as atuais centrais sindicais brasileiras, fundada em 1983. No estudo de caso sobre aquela central sindical, defendi a tese de que têm acontecido alterações na estrutura sindical corporativista que se constituiu na década de 1930 e 1940. Tais mudanças decorrem do acréscimo de aspectos neocorporativos e pluralistas ao modelo do corporativismo estatal a partir da década de 1990 e dos anos 2000, respectivamente, formando uma combinação entre eles, carregada de contradições. Em outras palavras, se no passado o Estado definia sozinho as regras da organização sindical no país, atualmente algumas delas tem que ser discutidas com as representações de empregadores e trabalhadores em espaços tripartites ou bipartites, de arranjo neocorporativo.
A representação dos trabalhadores pelas centrais sindicais nesses espaços obedece a critérios definidos pela Lei no 11.648/2008, baseados em número de sindicatos filiados distribuídos por região e setores econômicos e um índice de sindicalização de trabalhadores aos sindicatos. Quanto maior a representação da central, maior será seu espaço nos diversos fóruns de participação e na distribuição dos recursos da contribuição sindical (imposto sindical). Portanto, a legislação de regulamentação das centrais estimula uma competição entre elas por maior representação, em decorrência, por maior espaço e recursos.
Contudo, paradoxalmente, embora a perda relativa de espaço do corporativismo com a introdução de aspectos neocorporativos e pluralistas possa sugerir uma diminuição da presença estatal, há sinais recentes que indicam o sentido contrário, de ampliação do papel do Estado na regulação da organização sindical brasileira. Antecipando a conclusão, se em outros períodos históricos, o Estado intervinha de forma arbitrária na organização sindical para controlar e tutelar as entidades, de 2008 em diante tem se acentuado cada vez mais uma demanda do sindicalismo ao Estado por um novo tipo de regulação nas relações sindicais, chamada para disciplinar e regular a competição no “mercado sindical” (CARDOSO, 2014), seja através de negociação em espaços neocorporativos, seja na mediação ou arbitragem em disputas que ocorrem aos moldes do pluralismo. É importante ressaltar que a ampliação do Estado na regulação sindical é exercida pelo Poder Executivo, mas também pelo Judiciário e pelo Ministério Público, muitas vezes acionado pelas entidades sindicais.
No entanto é importante ressaltar também que, ao observar tais aspectos da regulação estatal sobre a organização sindical pós-2008, há que se considerar que esse novo arranjo – introdução de elementos neocorporativos e pluralistas – não ocorreu por dádiva ou tentativa de cooptação do Estado. Decorre, antes, da ação do sindicalismo nos últimos 30 anos em um campo de disputa sobre a organização sindical brasileira. As intensas lutas sociais efetuadas pelo movimento sindical e popular ao longo dos anos 1980 em busca de direitos e cidadania, conquistados na Constituição Federal de 1988, e, nos anos 1990 para mantê-los frente à desestruturação neoliberal foi aos poucos alterando a legislação corporativa naquilo que foi possível e desejado na correlação de forças entre os atores, firmando novos consensos, incorporando rupturas e continuidades em um movimento dialético.
Se a bandeira em torno da defesa da liberdade e autonomia sindical não logrou êxito, tampouco se pode dizer que a estrutura sindical se manteve intocada. O que mudou na estrutura sindical brasileira?
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Mario Henrique Ladosky é Doutor em Sociologia pela USP, e professor da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais (UACS) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).