Roberto Coelho do Carmo
Fonte: Revista Ciências do Trabalho, São Paulo, n. 6, p. 85-103, jun. 2016.
Resumo: O presente trabalho tem como chave de leitura a instabilidade social, entendendo que esta instabilidade social pode transfigurar-se em instabilidade psicológica à medida que os contextos sociais se expressam na personalidade do indivíduo numa relação dialética. Isto posto buscou-se realizar análise da contemporaneidade dos processos de trabalho com vias a interpretar o fenômeno do sofrimento mental do trabalhador.
Sumário: Capitalismo flexível, sofrimento mental e trabalho | Informalidade | Terceirização | Intensificação | A subjetividade da era da flexibilização | Referências bibliográficas
Capitalismo flexível, sofrimento mental e trabalho
No tempo em que esteve vigor, o padrão produtivo fordista proporcionava ao trabalhador uma pseudoestabilidade, que o levava a ter algumas certezas em sua vida: certeza de ter as mínimas condições para prover o sustento de sua família, a educação dos filhos, a moradia; certeza também de laços estáveis, seja no trabalho, seja na vizinhança, pois, na pior hipótese, seu local de trabalho permaneceria o mesmo até a velhice; certeza de que os filhos seriam, no mínimo, trabalhadores capazes de proporcionar às suas famílias a mesma qualidade de vida que tiveram em suas casas; certeza de uma velhice assegurada. Todas essas “certezas” eram fruto de prévia ideação e possibilidades reais dentro das condições materiais da época. Com a mudança para o padrão flexível, a instabilidade torna-se “regra do jogo” posta aos trabalhadores e, neste cenário, qualquer possibilidade de planejar a família esbarra nas incertezas de renda, de local de trabalho, de aposentadoria, de garantia de saúde e/ou educação. Esta é nossa chave de leitura do sofrimento mental contemporâneo.
Buscaremos, então, entender como a instabilidade emerge no e pelo padrão de flexibilização da produção, tornando-se ponto comum nas várias formas de organização do trabalho. Para precisar melhor o termo precarização do trabalho, parece-nos sugestivo retomar a etimologia da palavra precário. O “Dicionário Priberam da Língua Portuguesa” trata a palavra precário como um adjetivo que qualifica a situação de inseguro, não estável. Com a precarização do trabalho, “as relações sociais de trabalho tornaram-se frágeis e instáveis por toda parte […]. Insegurança e incerteza passaram a fazer parte dessa precariedade e se expandiram através do mundo – no trabalho e fora dele” (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 459).
A acumulação flexível é, segundo Alves (2011), a saída tácita para as corporações no enfrentamento das condições postas ao desenvolvimento capitalista, que promove um novo impulso de expansão da produção de mercadorias. Como vimos tratando, ela tem como característica o apoio à flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo; o surgimento de novos setores de produção; novas formas de fornecimento de serviços financeiros; mercados novos e inovação tecnológica, comercial e organizacional. As rápidas mudanças nos padrões de desenvolvimento como o crescimento do setor de serviços, o surgimento de novos conjuntos industriais e o grande movimento de mudanças ocorrido na economia política e cultural do capitalismo, a partir de meados de 1970, são também parte desse processo que caracteriza a acumulação flexível.
Uma das características histórico-ontológicas do capitalismo é, segundo o autor, a sua constante busca para flexibilizar as condições de produção, especialmente a força de trabalho.
Para a empresa capitalista flexível, a flexibilização da força de trabalho, seja intraempresa ou extraempresa – movimentos relativos à regulação social e sindical, com destaque aos contratos de trabalho – seria estratégica. A possibilidade de se variar o volume de empregados, salários, horários, local de trabalho (seja dentro ou fora da empresa), aliada à possibilidade de regular a representação sindical interna por meio de recompensas, como a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), permite à empresa manobras em busca de estabilidade.
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Roberto Coelho do Carmo. Programa de Estudos e Pesquisas em Lutas Sociais, Trabalho e Política na Realidade Brasileira (Proluta/Ufop). Curso de Serviço Social/Ufop.