Carlos Aguiar de Medeiros
Fonte: Economia e Sociedade, Campinas, v. 24, n. 2, ago. 2015.
Resumo: A partir da revisão de uma revisão da literatura estruturalista institucionalista do mercado de trabalho explorou-se, neste texto, as conexões entre o aumento do assalariamento formal e a elevação do poder de compra do salário mínimo ocorrido na última década na economia brasileira. Discutiu-se como este passou a exercer crescente influência sobre a formação da taxa de salários de amplos segmentos dos trabalhadores assalariados formais e informais e da renda dos trabalhadores autônomos sem recursos de qualificação. Argumentou-se que, ao lado de seu impacto positivo sobre o emprego formal e redução da pobreza, esta influência decorreu de mudanças na composição dos padrões de consumo e do emprego com o crescimento mais do que proporcional do assalariamento no setor de serviços e da evolução dos preços relativos.
Sumário: Introdução | Salário mínimo e a taxa de salários | A evolução da estrutura do emprego e do emprego formal na economia brasileira da última década | Redução da pobreza | Mudanças nos padrões de consumo e a demanda dos trabalhadores | Tamanho dos estabelecimentos urbanos | Tributação e fiscalização | Salário mínimo, taxa de salários e estrutura salarial | Salário mínimo e a estrutura salarial | Estrutura produtiva, salários e preços relativos | “Efeito Farol” e “Efeito Propulsão” | Observações finais | Referências bibliográficas
Introdução
A elevada expansão do trabalho assalariado formal e o persistente aumento do salário mínimo real estão reconhecidamente na base da redução da pobreza e das desigualdades nas rendas do trabalho observadas nos últimos anos na economia brasileira. Embora o impacto de ambos seja evidente para a redução da pobreza em uma economia com elevado desemprego estrutural, o próprio aumento do emprego formal e o efeito do salário mínimo sobre a taxa de salários e a distribuição de renda do trabalho de forma alguma é autoevidente. Com efeito, considerando que em uma economia com elevado nível de heterogeneidade na estrutura produtiva e nas formas de ocupação como a que se observa no país, a elasticidade do emprego formal em relação ao crescimento econômico que se afirmou entre 2003-2010 poderia se limitar aos setores mais dinâmicos da economia e na grande empresa. A elevação generalizada do emprego assalariado formal em conexão com o aumento do salário mínimo constitui uma nova realidade que demanda uma interpretação.
A relação entre o salário mínimo, a taxa de salários e a renda do trabalho autônomo constitui uma questão distributiva chave em uma economia com as características da brasileira. Com efeito, dependendo do seu nível e das características institucionais do mercado de trabalho, este pode ter uma influência relativamente limitada tanto sobre os salários dos trabalhadores não qualificados no setor formal da economia quanto sobre as rendas no trabalho assalariado informal ou do trabalho autônomo.
A crescente influência do salário mínimo sobre a taxa de salários e sobre a renda nas atividades informais observada na última década constitui o objetivo principal deste texto. Seguindo uma direção pioneiramente desenvolvida nas análises keynesiana-estruturalista feitas por Souza (1979) e Baltar e Souza (1980), discutem-se duas hipóteses centrais. Em primeiro lugar, ao afirmar-se mais próximo da taxa de salários, o aumento desta se deu concomitantemente a uma redução da dispersão dos salários com consequente crescimento menor do salário médio. A maior exposição da indústria de transformação à concorrência externa e o maior crescimento do emprego e dos preços do setor de serviços, agricultura e do comercio onde predominam os baixos salários contribuíram para este resultado. Em segundo lugar, discute-se a maneira em que, nas condições de elevação do nível geral de emprego em relação ao crescimento da PEA, o salário mínimo agiu como um farol irradiando-se para a determinação da renda do trabalho assalariado nas atividades informais, e também como um fator de propulsão para as rendas derivadas do trabalho autônomo.
Além desta introdução, este texto está divido em 4 seções. Na primeira, são discutidas algumas conexões estabelecidas na literatura institucionalista e estruturalista entre salário mínimo e taxa de salário em economias industrializadas e em desenvolvimento, particularmente na economia brasileira. Na segunda seção, a evolução da estrutura do emprego ocorrida na economia brasileira na última década é examinada, identificando alguns mecanismos que contribuíram para a sua maior formalização. Na terceira discutem-se as relações entre salário mínimo, taxa de salários e estrutura salarial estabelecidas na década e, na quarta seção, algumas conclusões são apresentadas.
Carlos Aguiar de Medeiros é Professor Associado do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).