A histórica luta da classe trabalhadora pelos direitos de proteção social: dos limites da jornada à vital redução do tempo de trabalho

Magda Barros Biavaschi e Bárbara Vallejos Vazquez

Resumo: O artigo, evidenciando a centralidade das demandas por direitos pautados na igualdade, na proteção social e na regulação do tempo de trabalho, aborda a histórica luta da classe trabalhadora pela limitação da jornada. Passando pela Constituição de 1988, que reduziu a jornada de 48 para 44 horas semanais, olha para os dias atuais em que a eliminação da escala 6×1 e a redução da jornada sem redução de direitos movimentam a agenda. Em diálogo com experiências de outros países e evidenciando a importância da mobilização social e das instituições para consolidar uma regulação fundada na equidade e na Justiça, sublinha o papel humanizador do uso do tempo que assegure o direito à vida, destacando, no Brasil, a PEC da deputada Erika Hilton.

Sumário: Introdução | Regulação e processo civilizatório. A luta por direitos | Propostas de redução da jornada no Brasil: a Escala 6×1 
| Registros de algumas experiências: reações negativas e positivas |
Considerações finais

Introdução

Marx (1998, p. 477), depois de transcrever a frase de Stuart Mill – “É duvidoso que as invenções mecânicas feitas até agora tenham aliviado a labuta diária de algum ser humano” registra que, enquanto o instrumental do trabalho vai sendo revolucionado, a maquinaria estimula a incorporação das “meias forças”: mulheres e crianças. O trabalho passa a tomar o lugar “dos folguedos infantis e do trabalho livre realizado em casa” (Marx, 1998, p. 451) e os trabalhadores, inseguros e sem direitos, sobretudo quanto à jornada, premidos por sucessivos acidentes, “fenecem e morrem silenciosamente” (Marx, 1998, p. 296). Mas se, por um lado, a palavra de ordem era trabalhar até morrer, por outro, nas fábricas, ao redor das máquinas, eles se uniam. Os conflitos passavam a assumir, cada vez mais, o caráter de conflitos de classe. Seguiu-se uma luta mais organizada do que a outra, visando a limitar jornadas, melhorar as condições de trabalho e assegurar ganhos e descanso (Biavaschi, 2005). É bela a passagem de Marx (1998, p. 273) sobre a luta pela jornada de trabalho: 

[…] O capitalista afirma seu direito, como comprador, quando procura prolongar o mais possível a jornada de trabalho e transformar, sempre que possível, um dia de trabalho em dois. Por outro lado […] o trabalha- dor afirma seu direito, como vendedor, quando quer limitar a jornada de trabalho a determinada magnitude normal. Ocorre assim uma antinomia, direito contra direito, ambos baseados na lei de troca das mercadorias. Entre direitos iguais e opostos, decide a força. Assim, a regulamentação da jornada de trabalho se apresenta na história da produção capitalista como luta pela limitação da jornada de trabalho, um embate que se trava entre a classe capitalista e a classe trabalhadora. 

A luta por uma regulação pública apta a limitar a ação predatória do capital impulsionava o palco da política. Começava a ser internalizada a ideia de que o trabalho não deveria fazer parte da ordem liberal. Localiza-se aqui a gênese do sistema de proteção social ao trabalho, fenômeno que não pode ser compreendido apartado das demandas concretas de cada sociedade e suas especificidades históricas (Marx, 1998, p. 201). A luta pela limitação da jornada e a decorrente conquista das 48 horas semanais rendeu frutos. No Brasil, o sistema de proteção ao trabalho começou a ser sistematicamente constituído a partir de 1930, pari passu ao processo de industrialização. Nessa démarche, as mulheres tiveram papel relevante. A jornada de 08 horas/ dia e 48 semanais, sem distinção de idade e sexo, conquistada em 1932, foi incorporada à Constituição de 1988 que a reduziu para 44 horas semanais, mantidas as 08 diárias, com direito ao repouso semanal, preferentemente aos domingos. Hoje, intensifica-se a luta pela sua redução. 

São marcantes as desigualdades que costuram o tecido social brasileiro. E mesmo que se compreenda que não é somente no campo de uma regulação redutora da jornada que essa realidade será superada, entende-se haver avanço civilizatório quando o exercício da vida é submetido às leis universais; no caso deste artigo, à regulação redutora da jornada, recuperando-se Freud (1997) em O Mal-estar na Civilização, retomado por Marcuse em O Estado e o Indivíduo no NacionalSocialismo (Belluzo, 2002). A partir desse pressuposto, destaca-se a Proposta de Emenda Constitucional, PEC, da Deputada Federal Erika Hilton que altera o artigo 7o, XIII, da Constituição de 1988 para reduzir a jornada semanal de 44 para 36 horas, em 04 dias na semana e no limite diário de 08, sem redução de direitos. Assim, contrapondo-se à escala 6×1 e a quaisquer outras que desrespeitem as conquistas sociais e filiando-se a uma escala de 4×3 que respeita a jornada de 08 horas diárias, a proposta avança rumo a relações menos desiguais, com impacto positivo na produtividade, na demanda por consumo, no compartilhar mais equitativo dos cuidados (historicamente afeito às mulheres) e na melhor e mais saudável distribuição do trabalho.

Clique aqui para continuar a leitura deste artigo

Magda Barros Biavaschi é desembargadora do trabalho aposentada, doutora e pós-doutora em economia do trabalho IE/Unicamp, professora convidada e pesquisadora no CESIT/Unicamp


Bárbara Vallejos Vazquez é docente e coordenadora de pós-graduação da Escola Dieese. Mestre e doutoranda em desenvolvimento econômico IE/Unicamp, em cotutela com Universidade de Castilla La Mancha


Leia outros artigos do dossiê

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *