O Governo francês já estabeleceu o caminho jurídico para empreender profundas reformas que incluem um corte orçamentário equivalente a 150 bilhões de reais em três anos. A Assembleia Nacional aprovou por maioria na terça-feira (08/07) a segunda e principal lei do histórico projeto, que beneficia as empresas com grandes reduções das contribuições sociais e da carga tributária, além de congelar o valor das pensões.
O primeiro-ministro Manuel Valls conseguiu assim dar um passo crucial em seu empenho reformista, mas a jornada registrou também dois fatos que prenunciam importantes conflitos sociais e políticos na aplicação das mudanças: o boicote de três sindicatos ao diálogo social proposto pelo Executivo e a abstenção de 33 deputados socialistas na votação da Assembleia.
As medidas aprovadas nos últimos dias modificam os orçamentos do Estado e da Seguridade Social já para este exercício, numa primeira etapa do corte de gastos públicos. O aperto inclui uma economia de quatro bilhões de euros (12 bilhões de reais) na administração pública e pelo menos um bilhão pelo congelamento das pensões. O restante do ajuste precisará ser deixado para os orçamentos seguintes, onde também serão incluídas reduções de impostos e de contribuições sociais.
Nos próximos anos fiscais, a França terá de completar as grandes cifras prometidas no programa trienal de estabilidade enviado a Bruxelas: reduzir em 18 bilhões de euros o gasto da Administração central; em 11 bilhões o das regiões e prefeituras; em 10 bilhões o da Saúde, e em 11 bilhões os de outras rubricas. O congelamento de salários dos funcionários, a revisão das pensões e a redução do número de regiões, de 22 para 13, também constituem uma parte substancial do ambicioso plano.
O Pacto de Responsabilidade, o grande projeto de François Hollande – que significou uma guinada do socialismo francês na direção de uma economia social-liberal –, começa a caminhar em meio ao ruído e aos protestos de uma parte da esquerda. Dos 290 deputados socialistas, 33 – oito a menos do que o previsto – cumpriram sua ameaça e se abstiveram na votação dessa segunda lei. Os rebeldes assim declaram guerra aberta contra Manuel Valls e o Pacto de Responsabilidade, o projeto estrela de Hollande e do seu primeiro-ministro para gerar empregos e melhorar a competitividade das empresas francesas.
O resultado da votação – 272 a favor (socialistas, 12 radicais republicanos e 4 de 17 ecologistas), 234 contra (os centristas da UMP, entre eles) e 54 abstenções – descreve essa viagem sem volta dos deputados rebeldes, que ainda na semana passada haviam apoiado a primeira lei, que incluía benefícios fiscais para os salários mais baixos. Agora, eles quiseram mostrar seu rechaço às vantagens que as reformas conferem às empresas: 41 bilhões de euros (123 bilhões de reais) de economia em encargos sociais e impostos ao longo de três anos.
Com esta frente política contra as reformas somaram-se por sua vez boa parte dos poderosos sindicatos franceses. A Confederação Geral do Trabalho (CGT) e a Força Obreira (FO) – primeira e terceira organização de trabalhadores por número de afiliados – boicotaram na segunda (07/07) a Conferência Social encerrada na terça (08/07), com o argumento de que Valls faz contínuas “cessões” para as empresas. 24 horas depois, somou-se ao boicote a Federação Sindical Unitária, a mais poderosa entre os funcionários públicos, sobretudo no ensino. “Não podemos seguir com um diálogo social unilateral”, sustentou sua secretária geral, Bernardette Groison.
As ações duras destes três sindicatos, que representam mais da metade dos trabalhadores implicam na fratura do diálogo social, imprescindível para acompanhar a aplicação das reformas.
Com o desejo de acalmar os ânimos, Valls anunciou após a votação sua intenção de reduzir os impostos da classe média. Por sua vez, repete costumeiramente que nenhum obstáculo freará seu programa reformista, convencido de “que chegou o momento” de revitalizar a França, que há anos está “engasgada, esquecida e bloqueada”, como disse no fim de semana passado. O primeiro ministro rechaça que o Pacto de Responsabilidade implique em “um presente para as empresas” e assegura que, apesar de tudo, ele está aplicando “uma política de esquerda” a favor do emprego.
O primeiro ministro reiterou dias atrás sua determinação para não ceder. Deixou isto muito claro em seu contato na semana passada com o grupo socialista: “Não serei chefe de um Governo que não avança. Serei chefe de um Governo que levará as reformas até o final”.
Fonte: El País
Texto: Carlos Yárnoz
Data original da publicação: 08/07/2014