De 13,7% no 1º trimestre de 2017, a taxa de desocupação recuou para 11,8% no último trimestre do ano. Essa queda, porém, é explicada integralmente pela criação de postos de trabalho com pouca ou nenhuma proteção social.
Tiago Oliveira
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos, com Brasil Debate
Data original da publicação: 15/03/2018
No início de 2015, uma “tempestade perfeita” se abateu sobre o mercado de trabalho brasileiro. A opção por uma agenda da austeridade em uma economia em franca desaceleração – dada, entre outras coisas, pela incapacidade da política fiscal amplamente apoiada em desonerações tributárias em impulsionar os investimentos, num cenário político marcado por profundas incertezas, e pela paralisação de cadeias produtivas importantes como a do petróleo e gás e da construção, por conta de investigações judiciais – provocou uma depressão econômica sem paralelos históricos.
Menos como resultado dos efeitos práticos imediatos da implementação de tal agenda, e mais pela sinalização dada aos agentes econômicos de que uma “convenção do crescimento” estava sendo abandonada, o mercado de trabalho brasileiro operou, a partir do primeiro trimestre de 2015, um forte ajuste, manifesto pela alta por nove trimestres consecutivos da taxa de desocupação, que passou de 6,5% no último trimestre de 2014 para 13,7% no primeiro trimestre de 2017.
A partir do segundo trimestre do ano passado, porém, a taxa de desocupação brasileira iniciou uma trajetória de queda que já perdura por três trimestres consecutivos. Do patamar de 13,7% registrado no primeiro trimestre de 2017, conforme já se notou, houve um recuo para 11,8% no último trimestre do mesmo ano.
Neste mesmo intervalo de tempo, registrou-se, pela primeira vez desde o início da crise, uma geração de vagas superior ao número de pessoas que se incorporam ao mercado de trabalho. Deste modo, o contingente de desocupados diminuiu continuamente, passando de 14,2 milhões, no primeiro trimestre de 2017, para 12,3 milhões de trabalhadores no último trimestre do ano passado.
À primeira vista, os números apresentados conformam um quadro favorável para o mercado de trabalho brasileiro – taxa de desocupação em queda, ocupação em alta, diminuição do número de desocupados – o que estaria em linha com o processo em curso de ligeira retomada da economia brasileira.
Entretanto, um olhar mais cuidadoso sobre as informações prestadas pela PNAD contínua desautoriza visões otimistas quanto ao processo de recuperação do mercado de trabalho brasileiro. Em primeiro lugar, cumpre notar que do pouco mais de três milhões de postos de trabalho gerados na economia brasileira nos últimos três trimestres de 2017, a sua quase totalidade foi de ocupações sem proteção social, posto que não asseguram aos trabalhadores, por exemplo, contribuição previdenciária, licença maternidade, décimo terceiro salário e férias remuneradas.
Em números: nesse período, o aumento do emprego no setor privado sem carteira de trabalho, inclusive trabalhadores domésticos, foi de 1,3 milhão de postos de trabalho, contra um recuo de 118 mil ocupações com carteira assinada. No setor público, o aumento da ocupação sem carteira de trabalho assinada foi de 653 mil, com carteira assinada de apenas 82 mil, enquanto que os militares e os funcionários públicos estatutários assinalaram uma diminuição de 136 mil ocupações. Adicionalmente, pouco mais de um milhão de postos de trabalho por conta própria foram criados.
O aumento do grau de precarização do mercado de trabalho brasileiro também pode ser visualizado por meio da contribuição previdenciária dos novos postos de trabalho criados no período em exame. Nesse quesito, do total das novas ocupações (3,1 milhões), aproximadamente 2,5 milhões não possuíam vinculação contributiva com a previdência. Isto quer dizer que de cada 10 postos de trabalho gerados entre o segundo e o último trimestre de 2017, aproximadamente 8 eram desprotegidos do ponto de vista previdenciário.
Parece claro, portanto, a fragilidade do processo de “recuperação” do mercado de trabalho brasileiro. A queda da taxa de desocupação é explicada integralmente pela criação de postos de trabalho com pouca ou nenhuma proteção social.
Poder-se-ia argumentar, porém, que este seria um comportamento esperado ao longo de um processo de recuperação: em um primeiro momento, seriam as ocupações menos protegidas que liderariam a absorção da mão de obra desocupada; os postos de trabalho protegidos, ou seja, o assalariamento com carteira assinada nos setores privado e público e o funcionalismo público estatutário, assumiriam a dianteira desse processo em um segundo momento apenas, ampliando, ao fim e ao cabo, a qualidade da estrutura ocupacional.
Uma forma de avaliar a pertinência desse tipo de argumentação é verificar o comportamento do mercado de trabalho brasileiro em um momento similar ao atual. Para tanto, o triênio 2004-2005-2006 parece adequado, posto que foi nesse período que se iniciou a recuperação do mercado de trabalho brasileiro observada na década passada.
Contudo, a PNAD contínua tem o início de sua série histórica somente em 2012. Recorrendo à PNAD que lhe antecedeu, de periodicidade anual, é possível constatar que no referido período foram os empregos em estabelecimentos que lideraram a retomada do mercado de trabalho brasileiro. Neste universo em particular, o emprego protegido sempre esteve à frente do assalariamento sem carteira assinada: em 2004, representou 62,0% dos empregos criados; em 2005, 92,4%; e em 2006, 85,1%. Quanto às ocupações por conta própria, é importante frisar que sua importância foi bastante residual no período em análise: apenas em 2005 atingiu uma cifra relevante, 11,9% do total de vagas criadas. Logo, não é possível afirmar, com base na experiência brasileira recente, que a recuperação econômica se reflete, primeiramente, na criação de empregos mais precários, para depois assumir outro perfil, mais favorável, amparado em um peso maior dos empregos protegidos.
A dinâmica econômica atual está assentada em setores tradicionais de baixa remuneração e produtividade, de modo que a ocupação cresce sobretudo como imperativo da sobrevivência, muito mais que como resultado de uma demanda robusta, estruturada ou sofisticada de mão de obra qualificada.
A persistirem as tendências aqui verificadas, o resultado final desse processo será um crescimento econômico excludente, incapaz de assegurar uma ampliação do bem-estar para as massas de trabalhadores e trabalhadoras desse país.
Tiago Oliveira, graduado em economia pela UFBA, com mestrado e doutorado em Desenvolvimento Econômico na Unicamp e técnico do Dieese