A elevada taxa de subutilização da força de trabalho no Brasil

Prestes a adentrarmos o decisivo ano eleitoral de 2022, a economia e o  emprego continuam sem uma agenda de futuro que contemple a totalidade dos  brasileiros.  

Por Virginia Rolla Donoso e
Carlos Henrique Horn

Os dados da mais recente pesquisa do IBGE sobre o mercado de trabalho  brasileiro mostraram um aumento geral no nível da ocupação e um recuo na taxa de  desemprego diante da evolução favorável no contexto sanitário. Este resultado era  esperado. Como alertamos em vários artigos para o site Democracia e Mundo do  Trabalho em Debate, depois do abalo sofrido no ano de 2020, o mercado de trabalho  deveria passar por uma recuperação em virtude da queda no número de casos de Covid-19. Não obstante, a pandemia impactou muito negativamente as condições gerais de  um mercado já afetado pelo fraco desempenho da economia nos anos anteriores.  Assim, os níveis de desemprego e de subutilização da força de trabalho, apesar da  melhora recente, permanecem em patamares bastante elevados.  

Em agosto de 2021, segundo estimativas da PNAD Contínua, a taxa de  desemprego recuou para o patamar de 13,2% da força de trabalho. A redução na taxa  chegou a 1,4 p.p em relação ao trimestre encerrado em maio, quando fora estimada em  14,6%. Já o número de desempregados caiu para 13,7 milhões de pessoas, sendo este o  menor contingente desde julho de 2020. O gráfico 1 mostra a evolução da taxa de  desemprego e do número de desempregados desde o início de 2019. Portanto, permite  observar o comportamento do desemprego no ano anterior à pandemia, os efeitos  imediatos da crise da Covid-19 e o período recente. Em 2021, os indicadores vêm  acompanhando o avanço da vacinação no país. O aumento geral no emprego – mais  rápido em alguns setores, mais lento em outros – refletiu-se na queda do desemprego.  Em agosto, contudo, os indicadores ainda eram piores do que os verificados antes da  crise da Covid-19.  

O efeito principal da pandemia sobre o mercado de trabalho deu-se com a saída  massiva da força de trabalho daquelas pessoas que perderam a ocupação. Esse  movimento não é evidenciado nas estatísticas de desemprego, pois o desempregado é  uma pessoa que participa na força de trabalho do país. Para ajudar a melhor  compreender a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, a PNAD Contínua também  monitora o número de pessoas fora do mercado, mas que revelam interesse e  necessidade de trabalhar. Essas pessoas fazem parte da assim-chamada força de  trabalho potencial. Ainda que não estejam ocupadas, nem desempregadas, elas  demonstram um potencial para vir a buscar emprego e compor a força de trabalho de  modo efetivo. Juntamente com os desempregados, as pessoas nessa condição são  consideradas em subutilização de sua capacidade de trabalho.  

No cenário mais benigno da primeira metade da década de 2010, a força de  trabalho potencial foi estimada em quatro milhões de pessoas para o ano de 2014.  Nesse mesmo ano, a taxa de desemprego estava na casa de 6,5%. Em consequência da  recessão de 2015-2016, da fraca recuperação econômica no triênio seguinte e da  emergência da pandemia, o número de pessoas em condição de subutilização por  pertencerem à força de trabalho potencial saltou para 14 milhões de pessoas em julho  de 2020, no ápice da crise sanitária. Segundo o dado mais recente da PNAD Contínua,  esse número recuou para 9,8 milhões de pessoas em agosto de 2020, ainda bastante  acima do registrado em 2014. A existência de quase dez milhões de brasileiros que  informam sua necessidade de trabalhar – mas que não buscam efetivamente um  trabalho em face do contexto sanitário e das condições econômicas gerais, tendentes  ao desalento – representa um alto custo para a sociedade. Se somarmos o número total  de desempregados a este indicador, estamos lidando com um universo de 23,5 milhões  de pessoas que padecem da falta de renda do trabalho e de perspectiva de emprego no  curto prazo.  

Além dos grupos dos desempregos e da força de trabalho potencial, também é  considerada como subutilização da capacidade de trabalho a situação em que pessoas  com jornada de trabalho habitual inferior a 40 horas semanais informam que gostariam  e poderiam trabalhar mais horas. Este último grupo reúne as pessoas subocupadas por  insuficiência de horas trabalhadas. Ao se somarem os três contingentes da subutilização  da força de trabalho e compararmos o resultado com o tamanho da força de trabalho  ampliada (efetiva e potencial), temos um indicador de taxa composta de subutilização  da força de trabalho. Em agosto de 2020, os indicadores de subutilização atingiram seu  pico em face da pandemia. Havia 33,3 milhões de pessoas em condições de subutilização  da força de trabalho, o que correspondia a uma taxa de subutilização de 30,6% da força  de trabalho ampliada. Vale dizer, quase um terço dos brasileiros com disposição efetiva  ou potencial para o trabalho se encontrava subocupado. Com a melhora recente no  quadro sanitário, a taxa de subutilização apresentou um recuo tendencial, com  oscilações, como se observa no gráfico 2. Em agosto de 2021, a taxa estava em 27,4%  da força de trabalho ampliada, correspondendo a um contingente significativo de 31,1  milhões de pessoas.  

O comportamento da desocupação e dos demais contingentes da subutilização  da força de trabalho ao longo da conjuntura da pandemia acentuou a deterioração do  mercado de trabalho brasileiro. Neste período, milhões de pessoas perderam seus  empregos, sendo que uma parcela expressiva simplesmente saiu do mercado de  trabalho por falta de perspectiva de uma ocupação que lhe garantisse renda e permitisse  uma vida digna. Recentemente, de modo concomitante ao avanço da vacina, houve uma  flexibilização no distanciamento social e um retorno mais rápido dos brasileiros ao  mercado de trabalho. O que se vem observando nessa retomada, contudo, é a baixa  qualidade dos empregos gerados, em sua grande maioria formados por emprego sem  carteira assinada, trabalhos autônomos e emprego doméstico sem carteira, como  evidenciamos em artigo anterior para este site. Esses empregos ficam longe de  contribuir para uma saída da crise econômica. Na ausência de uma política de  crescimento e de emprego que impacte o ritmo e a qualidade da ocupação, os  patamares de desemprego e de subutilização da força de trabalho poderão diminuir em  alguma medida, mas dificilmente na intensidade necessária para recuperar as condições  vigentes antes das crises econômica e política em que o país foi lançado há já quase uma  década. Prestes a adentrarmos o decisivo ano eleitoral de 2022, a economia e o  emprego continuam sem uma agenda de futuro que contemple a totalidade dos  brasileiros.  

Virginia Rolla Donoso é economista e trabalha no site Democracia e Mundo do Trabalho. É mestre em Economia e especialista em Relações de Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Carlos Henrique Horn é economista e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em Industrial Relations pela London School of Economics and Political Science.

Crédito da imagem: Abraham Harriton

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