A distração da ‘polarização’

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Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A distração da “polarização ideológica” omite as causas reais da divisão no Brasil, entre os que têm muito e a imensa maioria que tem quase nada.

Milton Pomar

Fonte: Sul21
Data original da publicação: 5/11/2025

A polarização ideológica “a partir da campanha de 2018”, é um discurso que distrai do que é essencial: a gigantesca desigualdade econômica e social do Brasil, expressa na concentração de renda e patrimônio que é a sétima maior no mundo, de acordo com o estudo “Inequality Indicator”, do Banco Mundial, de 2024, no qual a África do Sul (63,0 no Gini, índice de concentração) está em primeiro lugar, e na sequência a Namíbia (Gini 59,1), Colômbia (54,8), Eswatini (54,6), Botswana (53,3), Belize (53,3), Brasil (52,0), Zâmbia (51,5), Angola (51,3), Moçambique (50,5) e Zimbabwe (50,3). Os demais países estão abaixo de 50. 

O relatório “Pathways Out of the Polycrisis” (Caminhos para sair da Policrise), do Banco Mundial, de 2024, revela que, no período 1990/2024, houve diminuição da pobreza extrema (US$2,15/dia, pela Paridade do Poder de Compra – PPP –, de 2017) no mundo, de 2 bilhões de pessoas para 692 milhões – graças principalmente à China –; e também da faixa de US$3,65/dia (PPP), de 3 bilhões para 1,7 bilhão de pessoas; mas, na faixa de US$6,85/dia, que engloba as outras duas, o total se manteve quase igual, de 3,665 bilhões para 3,534 bilhões. Ou seja, nos últimos 34 anos, apesar da atuação fantástica da China na redução da pobreza no país, tirando quase 800 milhões de pessoas dessa condição, o mundo continua com quase metade (43,6%) de sua população na pobreza. 

Quando se referem à campanha de 2018 como o “divisor de águas” da polarização ideológica no Brasil, convenientemente se esquecem da campanha agressiva de Collor em 1989 (com o incidente famoso em Caxias do Sul-RS); da atuação de Ronaldo Caiado à frente da UDR (União Democrática Ruralista), já com atuação armada pública dos latifundiários e seus jagunços, a partir de 1985; e, de 1932 a 1937, da atuação ostensiva dos integralistas. Mais toda a polarização promovida pelas ditaduras de Getúlio, e, depois, dos militares, desde as tentativas de golpe no governo Juscelino Kubistchek, até o golpe de 1964 e a ditadura (1964-1985). 

Impossível não haver polarização ideológica no Brasil, com estimadas 100 mil pessoas ganhando muito dinheiro dos rendimentos das aplicações bancárias, e 79% das famílias vivendo endividada, por pagar os juros mais altos do mundo: “Brasil chega ao maior percentual de famílias que não têm condições de pagar suas dívidas em 15 anos” – inadimplência recorde (30,5%), e previsão de que a situação vai piorar, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC). “A CNC projeta que o quadro permanecerá crítico até o fim de 2025: famílias mais endividadas (+3,3 pontos percentuais) e mais inadimplentes (+1,7 ponto percentual) em comparação aos números registrados no fim de 2024.”

Esse é o Brasil mais que polarizado, multipolarizado, tantos os absurdos: continuamos exportamos basicamente commodities, porque não há como ter competitividade industrial pagando a maior taxa de juros do mundo. Enquanto a mídia nos distrai com a discussão do déficit fiscal e da inflação, mais de 40% dos recursos do Orçamento Geral da União (OGU) vão para o sistema financeiro. As universidades e os institutos federais sem recursos suficientes, e os bancos lucrando muito com a dívida pública, mantida sempre muito cara pelo próprio Estado, via Banco Central “independente”. 

A distração da “polarização ideológica” omite as causas reais da divisão existente no Brasil, entre os que têm muito demais da conta, e a imensa maioria que tem quase nada. Fica no “discurso do ódio” da extrema-direita, e omite que há mais de um milhão de integrantes dessa parcela da população com 1,5 milhão de armas registradas, os famosos Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs). Mais as milhares de armas ilegais (inclusive fuzis) com as milícias – muitas delas integradas por ex-policiais – e as facções criminosas. 

Coincidentemente, foi de 2018 para cá que explodiu a quantidade de armas e munições com os tais CACs. Mais os clubes de tiro e as lojas de armas – que, agora se sabe, algumas delas fornecedoras para as facções criminosas. Em março de 2019 foram descobertos 117 fuzis M-16 incompletos, em uma casa no condomínio onde morava o então presidente da República. Armas de guerra, para criminosos matarem policiais e soldados. 

Com a vitória da extrema-direita nas eleições nos Estados Unidos, em 9 de novembro de 2016, e pela segunda vez em novembro de 2024, a maior potência militar e econômica do mundo entrou em modo “polarização total”, interna e externa. Os EUA multipolarizados pelo governo Trump polarizaram o mundo. A ponto de Trump emitir ordem pública para a CIA atuar na Venezuela, além de enviar para lá navios de guerra e dez mil soldados para não se sabe o que exatamente. (Qual foi a participação da CIA nos protestos no Brasil em junho de 2013? E agora, no massacre no Rio de Janeiro? Quantos agentes da CIA atuam no Brasil – será que a ABIN tem essa informação?)?

Polarização de verdade está ocorrendo nos EUA, lá o bicho está pegando pesado há muitos meses, com prisões (por agentes federais do ICE e do DHS mascarados e armados) e deportações ilegais de imigrantes; tarifas comerciais absurdas decretadas ilegalmente por Trump (é o Congresso quem pode impor tarifas); perseguição e demissões de funcionários federais; repressão em universidades; e mais a pressão sobre a mídia. E a aplicação da lei Magnitsky contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, e inclusive seus familiares, uma aberração total e absoluta.

A atuação da extrema-direita no governo dos EUA não deixa dúvida sobre quem realmente promove a polarização ideológica, interna e externa, para distrair da polarização econômica e social interna, na lógica antiga “o inferno são os outros”. Aqui no Brasil a extrema-direita continuará tentando nos distrair com o discurso da polarização, para ganhar as eleições em 2026 e repetir o desgoverno que debochava das vítimas da Covid e resultou em 1,1 milhão de “mortes por excesso”. 

Milton Pomar é professor, geógrafo, mestre em “Estado, Governo e Políticas Públicas”. Autor do livro “O sucesso da China socialista”


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